Umbu: o cosmético que vem da Caatinga

umbu, fruto do umbuzeiro, é conhecido por suas ricas propriedades nutricionais, com destaque para o elevado teor de vitamina C, alto índice aquoso e vários componentes voláteis, especialmente nos frutos maduros. Foto: Divulgação
Fruto do umbuzeiro, o umbu é conhecido por suas ricas propriedades nutricionais, com destaque para o elevado teor de vitamina C, alto índice aquoso e vários componentes voláteis, especialmente nos frutos maduros. Foto: Divulgação

Típico da Caatinga, o umbu, fruto do umbuzeiro, é conhecido por suas ricas propriedades nutricionais, com destaque para o elevado teor de vitamina C, alto índice aquoso e vários componentes voláteis, especialmente nos frutos maduros. No sertão nordestino, ele é largamente consumido in natura ou processado, na forma de polpa, geleia, doce ou sorvete.

Recentemente, um grupo de cientistas brasileiros e suíços concluiu um estudo que revelou novas propriedades dessa fruta arredondada, de casca aveludada e sabor levemente azedo. Eles descobriram que o umbu (Spondias tuberosa) é rico em compostos fenólicos com atividade antioxidante, o que faz dele um insumo potencial para fabricação de cosméticos com ação sobre o envelhecimento da pele, como cremes antirrugas ou contra flacidez. Duas das substâncias identificadas são inéditas.

Coordenada pela farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp) de Araraquara, a pesquisa teve a participação da Universidade de Genebra (Unigen), na Suíça, e do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), empresa privada sem fins lucrativos com sede em Florianópolis (SC).

“O estudo fornece a primeira documentação completa sobre o isolamento de compostos da polpa do umbu, com propriedades antioxidantes e rejuvenescedoras da pele”, explica Maria Luiza Zeraik, que atuou na equipe quando fazia pós-doutorado. Atualmente, ela é professora do Departamento de Química do Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná.

“Um aspecto relevante do nosso estudo é promover uma inovação tecnológica com valor social para a região Nordeste”, diz Maria Luiza. O umbuzeiro é importante na Caatinga porque dá frutos durante a estação seca e representa uma fonte de renda para a população local.

A pesquisa contou com recursos dos governos suíço e brasileiro e teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de uma bolsa de pós-doutorado, concedida à Maria Luiza, além de um projeto do Sisbiota, programa do CNPq em parceria com a Fundação.

A partir de 2014, o estudo integrou a carteira de projetos do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp, coordenado por Glaucius Oliva, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) de São Carlos.

Dois pedidos de patentes foram depositados no Brasil e no exterior. Eles são pertinentes ao processo de extração e isolamento de compostos presentes na polpa do umbu relativos às propriedades antioxidantes, à inibição da acetilcolinesterase, enzima que promove as ligações (sinapses) entre os neurônios.

“As substâncias relacionadas à acetilcolinesterase poderiam, no futuro, originar um medicamento ou um suplemento alimentar para tratar a perda da memória, quadro comum em idosos”, diz Vanderlan.

 

FOCO NA BIODIVERSIDADE

As descobertas sobre o umbu fizeram parte de um estudo mais amplo com o objetivo de investigar as propriedades de 22 frutos pertencentes à biodiversidade brasileira visando a seu potencial uso na indústria de cosméticos e de alimentos. Esse projeto fez parte do Convênio Bilateral entre Brasil e Suiça, ou Brazilian Swiss Joint Research Programme (BSJRP), coordenado no lado brasileiro pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O projeto foi iniciado em 2011 e concluído em 2014, no IQ-Unesp, responsável pela triagem química e biológica inicial de frutos nativos ou endêmicos das regiões Norte e Nordeste do País. Além do umbu, também estão na lista do estudo as frutas bacuri, ciriguela, mangaba, pitomba e cajá, entre outras.

“O processo de preparo de amostras dos frutos, a extração dos componentes químicos por métodos analíticos usuais e os ensaios químicos preliminares dos extratos foram feitos no nosso laboratório NuBBE [Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais, laboratório com selo verde que excluiu o uso de solventes clorados e outros derivados de petróleo em muitas etapas de extração e purificação]”, explica Vanderlan, que também é membro da coordenação do Programa Biota-Fapesp, cujo objetivo é mapear e analisar a biodiversidade paulista e avaliar as possibilidades de exploração sustentável de plantas ou de outros organismos com potencial econômico.

“Todas as partes dos frutos [cascas, polpas, sementes] foram analisadas, resultando em mais de cem extratos. Dentre eles, separamos alguns bastante ativos e a polpa do umbu mostrou-se excelente para iniciar a pesquisa.” Outros frutos – cujos nomes são mantidos em sigilo pelo grupo – também apresentaram atividades de interesse e serão estudados posteriormente.

A parceria com a Universidade de Genebra, um importante centro europeu de pesquisa em produtos naturais, teve um orçamento de 173,4 mil francos suíços (equivalentes a atuais R$ 700 mil), divididos entre os governos do Brasil (35% do total) e da Suíça.

“Empregamos metodologias inovadoras de caracterização química, detectamos, isolamos e identificamos os compostos químicos presentes no umbu responsáveis pela atividade de inibição da acetilcolinesterase, enzima-alvo para o tratamento da doença de Alzheimer”, destaca o farmacêutico brasileiro Emerson Queiroz, professor da Escola de Ciências Farmacêuticas da Unigen, na Suiça. Os ensaios biológicos in vitro com os compostos puros foram realizados pela professora Muriel Cuendet, da mesma universidade.

Como parte do programa suíço-brasileiro, a química Maria Luiza, na época estagiária de pós-doutorado supervisionada por Vanderlan, ficou nove meses na Universidade de Genebra. Nesse período, ela aprendeu os princípios do estudo metabolômico realizado pelo grupo dos professores Jean-Luc Wolfender e Emerson Queiroz.

Wolfender é o chefe do Laboratório de Fitoquímica e Produtos Naturais Bioativos da universidade e coordenador do projeto bilateral por parte da instituição suíça. “Metabolônica é uma abordagem avançada sobre o mapeamento químico ideal para quantificar todos os produtos naturais de um organismo”, explica Maria Luiza.

“Ela é usada para estudarmos todos os compostos metabólicos secundários de uma planta e, por meio dessas análises, obtém-se um fingerprint, a identidade metabólica vegetal, como um painel das substâncias químicas presentes na espécie.”

Para Emerson, a formação de recursos humanos e a transferência de conhecimento e tecnologia para o Brasil é outro aspecto relevante do programa bilateral Brasil-Suíça.

 

ENSAIOS IN VITRO 

Depois da caracterização feita na Suíça, os extratos de umbu foram padronizados e enviados para o CIEnP, em Florianópolis, para estudos de prova de conceito, fase essencial quando se almeja posterior colaboração industrial visando a um possível produto.

“Fizemos aqui estudos in vitro em células humanas da pele – melanócitos e queratinócitos – para avaliar o uso do produto no desenvolvimento de cosméticos com ação sobre o envelhecimento”, explica João Batista Calixto, diretor-presidente do CIEnP e ex-professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Durante quase um ano, realizamos por volta de 30 ensaios, envolvendo várias enzimas e mediadores inflamatórios potencialmente responsáveis pelo envelhecimento da pele.”

Financiado pelo governo do estado de Santa Catarina e pelos ministérios da Saúde (MS) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CIEnP foi criado há dois anos com a missão de contribuir para a inovação tecnológica nos setores farmacêutico (medicamentos de uso humano e veterinário) e de cosméticos.

A maioria dos projetos desenvolvidos na instituição se dá em conjunto com o setor industrial. A pesquisa envolvendo o umbu foi a primeira parceria do centro com uma universidade e a primeira prova de conceito realizada no CIEnP com um produto da biodiversidade brasileira.

Segundo Calixto, o extrato padronizado do umbu mostrou-se seguro e com toxicidade em níveis aceitáveis. “Esses resultados mostraram que o fruto tem potencial para ser usado como cosmético na prevenção de sintomas de inflamação da pele observados durante o processo de envelhecimento”, diz ele. “Agora, estamos procurando uma empresa interessada na produção e na comercialização desse bioativo.”

Em dezembro de 2015, Vanderlan Bolzani, João Batista Calixto e Maria Luiza Zeraik receberam o Prêmio Kurt Politzer de Tecnologia, na categoria Pesquisador, pelo projeto “Utilização sustentável da polpa dos frutos do umbu e umbu-cajá: produtos fenólicos de alto valor agregado para a indústria de cosmético com propriedades antienvelhecimento”. O reconhecimento é concedido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) a projetos de empresas e cientistas que estimulam a pesquisa e a inovação na área química no País.

 

Fonte: Revista Pesquisa Fapesp

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp