Pernilongo transgênico vira sucesso contra a dengue. A inusitada notícia vem de Piracicaba (SP). Lá, recente experimento, realizado a campo, com machos de Aedes aegypti, modificados geneticamente, conseguiu reduzir em 82% a geração de larvas do inseto. Gol de placa da engenharia genética.
Entenda como funciona a técnica: quem pica o ser humano, e transmite assim o vírus da dengue, é a fêmea do mosquito (ou pernilongo). Ela busca sugar sangue humano, e o armazena em seu abdômen, pois precisa desse alimento, e unicamente dele, para fazer vingar seus incontáveis ovos que nascerão posteriormente nos recipientes com água de chuva deixados por aí. Por sua vez, os machos transgênicos, apelidados de “transmosquitos”, produzem descendentes defeituosos, que portam uma proteína causadora de morte prematura, pouco antes de se tornarem alados. Muito bem.
Acontece que as fêmeas do Aedes somente aceitam ser fertilizadas uma única vez. Então, quando copuladas pelos machos transgênicos, elas terão seu ciclo de vida encerrado sem a geração de filhotinhos, o que provocará uma tendência de redução da população do inseto transmissor de doenças. Melhor que pulverizar inseticidas.
Quem criou esses novos heróis na luta contra a dengue, e agora se percebe também contra ozika e a chikungunya, foi uma empresa britânica, a Oxitec. Seus cientistas denominaram de OX513A a linhagem de pernilongos transgênicos trazidos para o Brasil. E o responsável por realizar a experiência por aqui foi o prefeito de Piracicaba, Gabriel Ferrato. Tudo, por enquanto, ainda é preliminar. Mas o resultado exitoso indica um incrível sucesso da ciência na luta contra as enfermidades endêmicas transmitidas por insetos. Zero agrotóxicos.
Seriam os ecologistas radicais, aqueles que se opõem tenazmente à engenharia genética, contrários ao controle da dengue através dos insetos transgênicos? Sei não. Provavelmente permanecerão em silêncio, quiçá estupefatos, talvez meio confusos ao verificarem que os organismos transgênicos, que tanto combatem, podem servir ao bem-estar da humanidade. Não pela primeira vez. Os entendidos sabem que as insulinas produzidas por bactérias geneticamente modificadas auxiliam no combate da doença da diabetes há pelo menos 40 anos. E jamais reclamaram dessa maravilha da medicina.
Técnicas revolucionárias da biotecnologia geraram, especialmente na última década, centenas de drogas ou vacinas que se estima beneficiarem 325 milhões de pessoas no mundo. Alguns exemplos são inimagináveis. Cabras que produzem leite contendo o ativador de plasminogênio(TPA), uma proteína utilizada para dissolver coágulos sanguíneos em vítimas de ataque cardíaco; vacas que produzem lactoferritina, uma proteína do leite humano com poderes antibacterianos, útil no tratamento de pacientes imunossuprimidos; bananas que contém uma vacina para a hepatite B, capaz de auxiliar tremendamente os países em desenvolvimento, onde a doença mata 10 milhões de pessoas anualmente. Nenhum ambientalista reclamou desses organismos geneticamente modificados (OGMs) com funções medicinais.
Da mesma forma, nunca se soube de alguém, ecologista ou naturalista, que reclamasse dos deliciosos queijos europeus, camemberts, gorgonzolas e que tais, cujo leite de onde se originam sofre, há tempos, a fermentação com microrganismos transgênicos. Estes são super-produtivos, capazes de acelerar o processo de fabricação do coalho sem comprometer sua qualidade organoléptica. Em todos esses casos, medicinais ou alimentares, o êxito da biotecnologia é universalmente aceito.
Há dois meses, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de alimentos e medicamentos dos EUA aprovou, após longas análises de biossegurança, a comercialização de um tipo de salmão transgênico. Sua modificação genética, promovida a partir do gene de outra espécie do peixe, quase dobra o potencial de crescimento do animal. A composição nutricional e o sabor continuam o mesmo, a carne mais colorida. Menos tempo na criação, mais proteína e sabor no prato.
Na agropecuária, porém, os produtos transgênicos continuam recebendo forte resistência. Por que? Desconheço a resposta certa. Existe uma discriminação contra o agronegócio, como se a transgenia interessasse apenas aos grandes produtores. Mas, em 2014, as lavouras transgênicas se estendiam por 181,5 milhões de hectares, cultivados em 28 países, por 18 milhões de agricultores. E não se relata na literatura internacional qualquer problema de saúde humana advindo da ingestão desses alimentos.
No início, fazia sentido certo temor. Quando, em 1982, um grupo de cientistas belgas conseguiu, pioneiramente, retirar um pedaço do gene de uma espécie e inserir no cromossomo da outra, parecia perigoso hibridar cargas genéticas, de plantas ou animais, sem cruzamento sexual. Todos pedimos uma “moratória” de 5 anos. Nesse contexto surgiu uma nova disciplina: a “biossegurança”. Suas regras, adotadas nos laboratórios de ponta, foram sendo estabelecidas de forma muito rigorosa. Hoje, passadas três décadas, podem os consumidores ter certeza: os requisitos da biossegurança garantem a qualidade dos alimentos transgênicos. Agora, das salsichas, salgadinhos, bolos de confeitaria e tantas gororobas vendidas por aí, vai saber.
Conclusão: existe, claramente, um problema “ideológico” dentro do ambientalismo, que o coloca contra os transgênicos da agricultura. Os demais, tudo bem. É estranho. Mas a evolução científica é uma força motriz sem marcha-à-ré. Tampouco admite maledicência, nem preconceito. Que os transmosquitos nos ajudem a combater, não apenas a dengue, mas também o pensamento retrógrado.
*Xico Graziano é engenheiro agrônomo, consultor, articulista de “O Estado de S.Paulo”
e ex-secretário do Meio Ambiente de SP
Fonte: Notícias Agrícolas