A empresa têxtil Coteminas concluiu em julho uma captação de R$ 270 milhões para financiar o pagamento de algodão, matéria-prima para a produção de tecidos. Mas, no lugar de linhas de crédito tradicionais, optou por uma outra forma de levantar recursos, com a venda de títulos com lastro em recebíveis do agronegócio, conhecidos pela sigla CRA.
Com a demanda em alta graças à isenção de imposto de renda concedida pelo governo aos investidores pessoas físicas, as captações com emissões de CRA atraíram de gigantes, como a produtora de agroquímicos Syngenta, a empresas menos conhecidas fora do setor, entre elas a comercializadora de café Eisa. Mesmo companhias de fora do setor, mas que estejam ligadas à cadeia do agronegócio, começam a se valer do instrumento, como foi o caso recente da Coteminas.
Apenas neste ano, as ofertas de certificados de recebíveis do agronegócio devem atingir R$ 1,2 bilhão, o que equivale a praticamente todo o estoque de operações registradas. O volume deve ser impulsionado pela Raízen, outro peso pesado do setor, que planeja uma captação de R$ 500 milhões. A operação da empresa controlada por Cosan e Shell será a maior já realizada no mercado.
A emissão de títulos no mercado de capitais é usada, em geral, por empresas que não têm acesso às linhas tradicionais ou buscam uma fonte complementar de recursos, segundo João Paulo Pacífico, sócio da Gaia Agro, empresa de securitização, responsável pela emissão dos papéis.
Embora não sejam páreo para o crédito rural, que possui juros subsidiados, na casa de 5% ao ano, os custos do CRA estão cada vez mais competitivos na comparação com as demais linhas de mercado, afirma Pacífico. Os juros obtidos dependem do risco do devedor. No caso da Coteminas, os papéis pagarão ao investidor 110% da taxa interbancária (CDI), que oscila próxima à Selic.
Apesar de mais caro em relação ao crédito subsidiado, o CRA permite captação por prazos mais longos, entre três e cinco anos, enquanto as fontes tradicionais em geral se restringem ao período da safra, por volta de um ano.
Entre os emissores frequentes de CRA estão as produtoras de açúcar e álcool, que vivem um momento difícil com os preços defasados no Brasil e em baixa no exterior. “As empresas que acessaram o mercado são de boa qualidade, e o setor deve passar por uma recuperação a partir do ano que vem”, diz o sócio da Gaia.
A oferta de títulos com lastro em recebíveis também é usada por fornecedores de insumos, como defensivos agrícolas e fertilizantes. “Quase 80% das vendas desses produtos são financiadas pelas próprias empresas, o que pesa nos balanços”, afirma Martha de Sá, sócia da securitizadora Octante.
Mesmo com o crescimento recente, o volume de operações de CRA ainda é pequeno diante do potencial do setor. A principal referência é o mercado imobiliário, que conta com um instrumento de captação semelhante, conhecido pela sigla CRI, e que possui estoque de R$ 50 bilhões. “Mas o setor imobiliário representa apenas um quarto do PIB do agronegócio”, compara a sócia da Octante.
Além de custo e prazo, a captação via CRA propicia mais visibilidade para as empresas, segundo Ana Lúcia Sertic, gerente-executiva de mercado de capitais do Banco Votorantim. A emissão de títulos de dívida costuma ser apontada como porta de entrada para as empresas no mercado antes de uma oferta de ações na bolsa.
Com o incentivo da isenção de imposto de renda, as pessoas físicas de alta renda são os principais investidores de CRA. O investimento mínimo nos papéis em geral é de R$ 300 mil. “Além do benefício fiscal, os papéis se tornaram uma opção de diversificação”, diz a advogada Marina Procknor, sócia do escritório Mattos Filho. Embora os riscos do agronegócio sejam desconhecidos da maior parte dos investidores, as operações que foram a mercado até o momento foram bem executadas, segundo a advogada.
A necessidade de recursos dos produtores e a demanda dos investidores deveriam formar uma combinação perfeita. Mas ainda há algumas barreiras. A primeira diz respeito ao grau de informalidade do setor, que dificulta a for mação de lastros para os recebíveis, segundo a advogada. A falta de regulação própria também é frequentemente apontada como problema para as emissões. Sem uma regra, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinou que o mercado aplicasse as normas dos recebíveis imobiliários.
Como as características do setor são diferentes, operações mais específicas precisam passar pela aprovação do colegiado da autarquia, o que leva tempo. “No caso do agronegócio, o prazo de um mês para a análise de uma emissão pode comprometer toda uma safra”, afirma Renato Buranello, sócio do Demarest Advogados.
Participantes do mercado criaram um grupo de trabalho para apresentar à CVM uma proposta de regulação. Uma das ideias é a possibilidade de o lastro dos recebíveis ser substituído ao longo da emissão, o que não é permitido nas regras do CRI. “No caso do agronegócio, as safras possuem prazos curtos, ao contrário do crédito imobiliário”, diz Buranello. A CVM já deu aval à chamada “revolvência” do lastro do CRA em consultas de participantes.
Os especialistas também defendem a possibilidade de títulos com correção pelo dólar. “Como o preço de vários produtos agrícolas é definido de acordo com as cotações em bolsas internacionais, seria uma forma de ‘hedge’ (proteção) natural para o produtor”, diz Buranello. A criação de uma norma paras as ofertas de CRA seria importante ainda para definir de forma clara o que pode ou não ser usado como lastro para os recebíveis, segundo o advogado.
Fonte: Valor Econômico