*Por Tiago Cordeiro
Quinto maior país do planeta, com 8.514.876 quilômetros quadrados de área, o Brasil representa um desafio logístico há séculos. Especialmente para os setores da economia que atuam distantes do litoral — e dos portos — as distâncias representam um desafio ainda maior.
E sobretudo quando o transporte rodoviário, sabidamente ineficiente para distâncias longas e cargas mais pesadas, concentrou as atenções e os investimentos no país nas últimas décadas. Também faltava um modelo de captação de recursos mais atrativo para os investidores. O caminho para lidar com essa situação passa pela diversificação de fontes, incluindo a melhoria das rodovias.
Esta é, em resumo, a argumentação de Thiago Guilherme Péra. Doutor em economia aplicada pela Universidade de São Paulo, com mestrado em engenharia de sistemas logísticos e graduação em engenharia agronômica pela mesma instituição, ele é coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log).
Na entrevista a seguir, Péra traça um panorama do setor logístico no país, do ponto de vista do agronegócio. E aponta caminhos para reduzir os gargalos.
Quais os principais desafios que o agronegócio brasileiro enfrenta em logística?
A logística é considerada a grande vilã do agronegócio. O Brasil tem demonstrado uma grande competitividade no custo de produção, do aumento de área, no uso de tecnologia. Mas perde competitividade quando o assunto é a logística. Produzimos mais de 1 bilhão de toneladas de produtos agrícolas que são revertidos em cargas para a logística. Mais especificamente, o volume transportado no agronegócio é superior ao produzido no país, em função das inúmeras operações que são realizadas na cadeia de suprimento (por exemplo, a logística da soja: fazenda – armazém – terminal ferroviário – porto). Isso pressiona ainda mais o nosso sistema logístico. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estima que a nossa produção vai crescer por volta de 20% a 30% nos próximos 10 anos. Se a nossa logística não acompanhar, teremos uma situação futura pior que a de hoje.
O Brasil é um país de dimensões continentais que tem uma matriz de transporte muito desbalanceada. Utiliza-se muito o transporte rodoviário para longas distâncias. É uma solução de baixíssima eficiência energética.
Outro problema é a infraestrutura de armazenagem. Logística não envolve apenas transporte. Conseguimos armazenar, no máximo, 80% de nossa produção. Nos Estados Unidos, a capacidade é de 150%. Em regiões com déficit de armazenagem, você precisa escoar o produto enquanto está colhendo, o que pressiona a procura e aumenta o frete.
Além disso, temos uma demanda gigantesca por ferrovias no país. A participação da ferrovia nas exportações caiu nos últimos 10 anos, isso chama muito a atenção. Significa que nossa produção está crescendo muito mais do que a nossa infraestrutura. Para daqui a dez anos, para suportar todo o crescimento previsto para o agro, a nossa infraestrutura logística precisa crescer mais do que vem crescendo atualmente.
Outro fator que chama a atenção: a distância média da fazenda até um terminal de hidrovia ou ferrovia é alta, em média 700 km. Nos Estados Unidos, para chegar a um terminal, percorrem-se, em média, 150 km. Eles têm uma malha mais densa e uma quantidade muito maior de terminais e com uma dependência muito menor de rodovias para o escoamento da produção.
Outro aspecto de grande relevância é a gestão das perdas na logística. As perdas físicas de grãos na logística desde as fazendas, passando por armazéns, terminais ferroviários e hidroviários até chegar aos portos e centros processadores, totalizaram 2,9 milhões de toneladas em 2020. Em termos relativos, foi o equivalente a 1,2% da produção brasileira de soja e milho no período. As perdas econômicas decorrentes das perdas físicas de grãos totalizaram no período um montante de R$ 4,5 bilhões, especificamente R$ 1,3 bilhão para o milho e R$ 3,2 bilhões para a soja.
Como essas questões atrapalham o desempenho do setor?
Temos por volta de 210 mil quilômetros de rodovias pavimentadas, frente a 30 mil quilômetros de ferrovias, sendo que apenas um terço tem, de fato, operação comercial. E são apenas 20 mil quilômetros de hidrovias. A nossa matriz de transporte desbalanceada é fruto dessa oferta de infraestrutura desequilibrada.
Ter mais ferrovias e hidrovias não significa que precisemos deixar de investir em rodovias. Pelo contrário, elas são fundamentais para o país, mas sua qualidade, em geral, é não é boa, principalmente em regiões de fronteira agrícola. Temos uma série de desafios relacionados às estradas em condições precárias, muitas vezes não pavimentadas, que conectam os produtores com os grandes eixos.
Temos muita oportunidade para melhorar a produtividade do transporte nas rodovias, incluindo a velocidade média, o tempo gasto nas operações de carregamento e descarregamento e o consumo de combustível. Aumentar a eficiência levaria a reduzir custos. O importador calcula o custo de aquisição do produto, atrelado ao preço de comercialização, mais o custo logístico. Quem tiver custos mais baixos terá uma demanda cada vez maior. É um caminho para aumentar o market share no mercado internacional e, consequentemente, aumentar a lucratividade do agronegócio.
A falta de infraestrutura de armazenagem faz com que os produtores não tenham espaço físico adequado para guardar os grãos produzidos — principalmente na colheita do milho da segunda safra. É comum observarmos montanhas de milho sendo armazenadas a céu aberto. Além disso, a falta de armazenagem em determinada região aumenta o preço de fretes, em decorrência da necessidade imediata de ter que escoar a produção, demandando mais serviços de transporte.
Acesse aqui a entrevista na íntegra.