A rivalidade entre os EUA e a China ficou escancarada na reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) no fim de semana, quando Xi Jinping, presidente da China, e Mike Pence, vice-presidente dos EUA, se digladiaram sobre comércio e segurança.
A tensão entre Pence e Xi na cúpula da Apec, que não conseguiu produzir um comunicado conjunto pela primeira vez em seus 29 anos de história, diminuiu as esperanças de uma possível distensão entre Washington e Pequim durante a cúpula do G-20 (grupo que reúne as maiores economias do mundo) na Argentina, no fim do mês.
No encontro em Buenos Aires, que começa no dia 30 de novembro, o presidente chinês deve se reunir com o presidente Donald Trump. Muitos investidores e autoridades têm esperança que o encontro resulte numa trégua para evitar uma escalada na guerra comercial entre os dois países, uma das maiores ameaças que pairam sobre a economia global.
A menos que um acordo seja alcançado, as tarifas dos EUA sobre US$ 250 bilhões em produtos chineses devem aumentar de 10% para 25% em janeiro. Trump também ameaça sobretaxar mais US$ 267 bilhões de produtos da China, cobrindo todas as importações do gigante asiático.
Nas últimas semanas, autoridades americanas e chinesas intensificaram as negociações por uma trégua, e Pence disse que era possível obter avanços. Mas ele sugeriu que as concessões dadas por Pequim até agora são insuficientes.
“Os EUA não vão mudar de rumo até que a China mude suas práticas”, disse Pence, atacando a China por empregar práticas comerciais desleais, como a transferência forçada de tecnologia. “Temos grande respeito pelo presidente Xi e pela China, mas, como todos nós sabemos, a China tem se aproveitado dos EUA há muitos e muitos anos, e esses dias acabaram”.
Em um ataque ao programa de investimentos em infraestrutura da China, a Iniciativa do Cinturão e da Rota, também conhecida como a Nova Rota da Seda, Pence acrescentou: “Os EUA fazem negócios de forma justa e aberta. Nós não oferecemos uma camisa de força ou uma via de mão única”.
De sua parte, Xi atacou as políticas comerciais dos EUA, embora indiretamente, em particular os esforços de Trump para usar acordos comerciais bilaterais para contornar a China.
“Unilateralismo e protecionismo não vão resolver os problemas, mas vão acrescentar incertezas à economia mundial”, disse Xi. “A história mostra que o confronto, seja na forma de uma guerra fria, conflito militar ou de uma guerra comercial, não produz vencedores.”
As tensões ficaram aparentes em outras frentes também, depois que os EUA revelaram planos de se unir à Austrália em uma base naval expandida na ilha Manus, na Papua Nova Guiné – parte de um esforço mais amplo para solidificar o lugar de Washington no acordo de segurança com o Japão, a Austrália e a Índia.
Em visitas anteriores a Tóquio e Cingapura, Pence discutiu uma cooperação mais estreita em segurança com o Japão e a Índia. Os EUA e o Japão também alertaram os países asiáticos em desenvolvimento, incluindo Papua Nova Guiné, que a crescente dívida gerada por projetos de infraestrutura podem deixá-los vulneráveis à pressão da China.
“Não aceite dívida externa que possa comprometer sua soberania. Proteja seus interesses. Preserve sua independência. E, assim como os EUA, sempre coloque seu país em primeiro lugar”, afirmou Pence.
O vice-presidente dos EUA assumiu uma postura particularmente agressiva contra a China nas últimas semanas, aproximando-o dos membros linha-dura do governo Trump, como Robert Lighthizer, representante comercial dos EUA, e Peter Navarro, assessor de Comércio da Casa Branca. Enquanto isso, Steven Mnuchin, secretário do Tesouro dos EUA, e Larry Kudlow, diretor do Conselho Econômico Nacional, são vistos como mais abertos a um acordo.
A disputa sobre a estrutura econômica e política da Ásia se desenrolou concomitantemente à briga pela redação do comunicado final da reunião da Apec. Normalmente sem graça e imediatamente esquecido por todos, exceto pelos coordenadores da Apec, desta vez o texto provocou um dramático confronto entre diplomatas.
A tensão aumentou quando diplomatas chineses invadiram, sem aviso prévio, o gabinete do ministro das Relações Exteriores de Papua Nova Guiné em uma tentativa de persuadi-lo a apoiar a posição de Pequim. Os diplomatas chineses foram escoltados para fora da sala pela polícia após um confronto, segundo autoridades locais. A China negou o incidente, classificando os relatos de “rumores maliciosos”.
Na entrevista coletiva à imprensa ao fim do encontro, o premiê de Papua Nova Guiné, Peter O’Neill, deu seu resumo das negociações fracassadas. “Todos vocês sabem quem são os dois grandes gigantes da sala”.
Um alto funcionário do governo Trump disse ontem que a disputa se concentrou numa única sentença do texto: “Nós concordamos em lutar contra o protecionismo, incluindo todas as práticas comerciais desleais”. Segundo essa fonte, Pequim não concordou com essa linguagem, pois considerava que isso “discriminava” as práticas comerciais do país.
Fonte: Financial Times