Leite longa vida no varejo vendido abaixo do custo de produção da indústria, promoção em que o produto sai praticamente de graça, leite de brinde em compras de qualquer valor. Essas promoções no varejo do país dão uma ideia do atual cenário no mercado de leite longa vida, que vive uma crise provocada pela demanda débil num momento de aumento da oferta da matéria-prima no Brasil.
Boa parte das empresas que têm no leite longa vida seu principal produto está enfrentando margens negativas, reflexo do pouco apetite do consumidor e da maior produção de leite no Brasil. Nesse ambiente, os preços de venda pelas indústrias estão em queda desde abril, conforme levantamento da consultoria MilkPoint. Nas três primeiras semanas de setembro, o preço médio caiu a R$ 1,78 – queda de 15% ante a média de setembro de 2016 (valores já deflacionados).
Valter Galan, analista da MilkPoint, observa que o segmento de leite UHT “ganha mais dinheiro quando o produtor de leite ganha mais dinheiro”. Assim, com a queda nos preços ao produtor devido à maior oferta, o leite longa vida também vem recuando, o que ajuda a reduzir os índices de inflação.
No primeiro semestre, a aquisição de leite pelas indústrias processadoras, um indicativo da produção no país, subiu 3,71% sobre igual intervalo de 2016, para 11.492 bilhões de litros, conforme dados do IBGE. Só em junho, a alta foi de 11% em relação ao mesmo mês de 2016. Para Galan, a queda dos preços do leite cru deve levar a uma desaceleração desse ritmo de crescimento da produção.
Segundo o MilkPoint, no acumulado do semestre, o volume de leite formal disponível (produção mais importações menos exportações) para cada brasileiro, foi 2,2% maior que no mesmo período de 2016. Enquanto isso, o volume de vendas de lácteos em geral no varejo caiu 4,5% no mesmo período.
As indústrias apontam também as importações de leite em pó (integral e desnatado) como um motivo para a oferta elevada, mas, de fato, os volumes vindos do exterior vêm caindo. De janeiro a agosto, segundo dados compilados pelo MilkPoint, o recuo foi de 22,8%, para 80.913 toneladas.
Segundo Edson Martins, diretor de mercado da catarinense Tirol, as indústrias do setor vêm trabalhando no vermelho há quase um ano em decorrência do aumento da oferta de leite no país e da retração do consumo.
No caso da Tirol, disse ele, o prejuízo por litro de leite está entre R$ 0,40 e R$ 0,50. O custo de produção do leite longa vida hoje está na casa dos R$ 2,10, para um preço de venda ao varejo de R$ 1,65 a R$ 1,70 por litro. Diante de um consumo que resiste a se recuperar, Martins avalia que só uma forte desaceleração no ritmo de crescimento da produção levará o mercado a se equilibrar.
Pagando valores bem mais baixos do que em 2016 pelo leite longa vida, varejistas intensificaram as promoções com o produto, com o objetivo de atrair consumidores que acabam comprando outros itens nas lojas. Isso explica promoções como leite por R$ 1,59 o litro em Campinas (SP), como brinde em compras de qualquer valor; em supermercado de Concórdia (SC), e por só R$ 0,01 na compra de 12 pãezinhos numa varejista catarinense.
A indústria também está reduzindo o que paga ao produtor. A catarinense Coopercentral Aurora, por exemplo, reduziu em R$ 0,15 o litro em agosto e hoje paga R$ 1,13. E o pagamento de setembro terá nova redução, de acordo com Marcos Antônio Zordan, diretor de agropecuária da Aurora.
Segundo ele, normalmente, a Aurora recebe cerca de 1.3 milhão de litros de leite por dia, mas em agosto as cooperativas associadas entregaram, em média, 1.640 milhão de litros de matéria-prima por dia. “Nunca tínhamos recebido tanto leite”, disse.
O diretor de agropecuária disse que a produção de leite começa a recuar no estado, já que o pecuarista diminuiu a ração do rebanho e os pastos já começam a secar. No Sul do país, a safra de leite vai de julho a setembro, enquanto no Sudeste e Brasil Central, ganha força no período de chuvas, entre outubro e fevereiro.
Embora considere que a redução da produção na região Sul deva segurar os preços do leite a partir do mês que vem, Zordan disse que o consumo ainda deve seguir pressionado com a chegada do período de férias. Na avaliação de Valter Galan, se a queda de preços no atacado chegar “de forma mais forte” ao varejo, poderá haver reação do consumo.
Fonte: Valor Econômico