Elas prometem dar luz ao risco envolvido na atividade agropecuária, embutir em modelos de crédito um olhar acurado sobre cada produtor individualmente, apontar ao credor quando o clima não coopera com a colheita esperada e dar alertas que ajudem a evitar o aumento da inadimplência. São as agfintechs, que avançam em um segmento onde os recursos do Plano Safra representam apenas um terço do funding total do campo, estimado em quase R$ 600 bilhões.
Startups nascidas com um pé nas finanças e outro no campo, essas empresas têm potencial para trazer o mercado de capitais mais para perto do agronegócio, baixar juros (a expectativa é que a redução em relação a outras fontes privadas seja de dois a cinco pontos percentuais), ampliar prazos de pagamento e financiar a safra com ou sem garantia e sem dinheiro público.
Nova no mercado, a DuAgro, fundada pela XP e pela securitizadora Vert, é uma das que passam a atuar de ponta a ponta na oferta de crédito ao produtor, desde análise de risco até a captação de recursos.
Sua estreia marca um momento de ebulição dessas tecnologias, que começam a se enraizar no campo graças à redução da taxa básica de juros, que direciona o investidor para ativos de maior risco; à maior popularização dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs); à “Lei do Agro”, que permitiu a emissão de CRA em dólar, e à maior adesão a ferramentas digitais, que ganhou força com a pandemia.
A primeira tacada da DuAgro será o financiamento de defensivos nesta safra 2020/21. A empresa oferecerá R$ 100 milhões em crédito, sem a exigência de garantia, em parceria com a Adama. A expectativa é beneficiar 500 pequenos e médios produtores, a partir de 20 revendas. Fernanda Mello, CEO da DuAgro, diz que a aprovação dos produtores será automática, já que a seleção é feita junto às revendas.
A iniciativa prevê que o produtor escolha os insumos que quer comprar, negocie o preço com a revenda e que esta crie o pedido. A partir daí, o produtor confirma dados pessoais, envia seus documentos e assina eletronicamente uma CPR (Cédula de Produto Rural). “Em minutos, o pedido está feito e o produtor só tem de se preocupar com a liquidação da CPR no fim da safra”, disse Fernanda. A empresa não pede penhor da safra ou outras garantias.
Luiz Ruzza, diretor financeiro da Adama, afirma que a parceria deve ajudar a tirar o peso dos financiamentos da safra de seu balanço, que hoje sustentam, com R$ 2 bilhões por ano, 70% das suas vendas. No Brasil, a indústria é responsável por cerca de 30% das vendas de defensivos.
A Adama já recorre a instrumentos financeiros para reduzir a dependência de crédito do seu balanço e, sozinha, capta em torno de R$ 500 milhões por safra. A ambição é que essa iniciativa, somada à DuAgro, responda por metade de sua oferta de crédito, para pulverizar o risco.
Com 28 lojas de insumos em 11 estados brasileiros, Raphael Covre, CEO da Casa do Adubo, tem no radar as principais agfintechs do mercado, visto que revendas como a sua respondem por cerca de 45% das vendas de agrotóxicos no Brasil.
Há um ano, ele usa a plataforma da Terra Magna e já monitorou 200 operações envolvendo trocas de insumos por grãos, equivalentes a R$ 54 milhões em penhor agrícola. “Melhorando o monitoramento da safra, eu acredito que tenhamos reduzido potenciais desvios”, disse Covre.
Com o olho no campo por meio de imagens de satélite, a Terra Magna busca otimizar o trabalho das equipes comerciais das revendas. “Quando começa a dessecação na lavoura, eles te dão um alerta e aí cabe a você fazer aquela ligação para o produtor, visitar a fazenda e acompanhar a entrega do grão no armazém”, afirmou o executivo.
Na safra 2019/20, os 47 clientes da startup fizeram 12 arrestos e tiveram perda inferior a 0,50% em operações com garantia referentes a 1.7 milhão de hectares monitorados. Conforme fontes do ramo, no mercado de revendas a inadimplência costuma girar em torno de 5%.
Nas cooperativas, que respondem por outros 25% da compra de defensivos com crédito privado no país, um dos motores da adesão aos serviços das agfintechs é a conquista de maior autonomia, segundo Marcus Lopes, diretor comercial da Coopsema, de Maracaju (MS), que faturou R$ 377 milhões em 2019/20, metade com a venda de insumos.
“Com um limite construído e o custo de produção coberto, o produtor pode fazer uso consciente do crédito para desenvolvimento da sua propriedade”, disse, “fugindo da venda casada do grão com a compra de insumos, que nem sempre o beneficia”.
Inicialmente voltada à análise de crédito, com dois milhões de hectares monitorados, a Traive deve auxiliar a Coopsema nessa missão. A startup está prestes a fazer o mesmo com a antiga ONG Aliança da Terra, que se tornou a empresa privada Produzindo Certo e tem um viés “verde”, foco de bolsos poderosos no exterior.
Os bancos privados também não ficam de fora da onda das agfintechs. O Santander, por exemplo, em agosto adquiriu 80% da startup Gira. Segundo Gianpaolo Zambiazi, CEO da Gira, o que a empresa faz é olhar o produtor individualmente, em vez de adotar regras gerais para operar com o risco no mercado. “As nossas análises são feitas por palmo de terra e não olhando balanços ou o portfólio dos agricultores”, disse.
A ideia é, por meio de bases de dados públicas, imagens de satélite e visitas in loco, conhecer desde o tipo de solo até o nível fertilizante aplicado na fazenda. “A modelagem assim reduz o risco de quem empresta o dinheiro porque se baseia em capacidade de pagamento, isto quando são cobradas garantias”, afirmou Zambiazi.
Fonte: Valor Econômico