
Desde o dia 2 de abril, o anúncio de novas tarifas do governo americano sobre produtos estrangeiros mobilizou mercados e setores produtivos. Enquanto analistas econômicos se debruçavam sobre os números para entender o novo tabuleiro do comércio global, os exportadores brasileiros avaliaram que o país pode se beneficiar desse cenário. Há, pelo menos, duas frentes que podem impulsionar o agro nacional, no entendimento de estudiosos do setor.
Uma delas é a retaliação da China aos EUA, que já começou. Dois dias após Donald Trump anunciar tarifas de 34% aos produtos chineses, em acréscimo aos 20% já vigentes, Pequim anunciou que também taxaria itens americanos em 34%. Trump respondeu com mais 50%, elevando o total a 104% de oneração tributária.
A China então fixou seu patamar em 84%, em resposta aos americanos. Até que, na tarde do dia 9 de abril, o presidente americano subiu o percentual para 125%, ao mesmo tempo em que anunciou a redução à taxa mínima de 10% para os países que não retaliaram as alíquotas previamente anunciadas. Essa interrupção deve durar 90 dias, para que negociações sejam conduzidas. Além dos chineses, a União Europeia e o Canadá haviam anunciado represálias.
Os desdobramentos seguiram, com mudanças diárias. A Casa Branca explicou que as taxas de 125% foram somadas a outra tarifa de 20% que já era aplicada sobre a China antes, resultando numa tarifa total de 145%. Como resposta, na sexta – feira dia 11 de abril, os chineses elevaram as tarifas sobre os americanos para 125%. Também nesta sexta, a missão da China junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) informou que apresentou uma queixa adicional ao órgão contra as tarifas impostas pelos EUA.
Oportunidade para o Brasil
Essas medidas abrem ainda mais espaço para a entrada de mais produtos agropecuários brasileiros no mercado chinês, ocupando o lugar dos americanos. Essa possibilidade vinha sendo ventilada desde a campanha presidencial do ano passado nos EUA, diante das promessas do então candidato Trump. Isso foi abordado em matérias do Portal SNA, que avaliavam os desdobramentos de uma possível vitória do republicano, e as conseqüências de suas fortes inclinações protecionistas.
A segunda possibilidade de ganho para os produtores brasileiros é a ampliação de nichos de mercado dentro do próprio território americano, apesar da alíquota mínima de 10% imposta ao Brasil. Esse aparente entrave tarifário pode representar uma vantagem competitiva em relação a outros países, que foram proporcionalmente mais taxados no começo, e que são concorrentes do Brasil no fornecimento de commodities agrícolas para os EUA. O café brasileiro, por exemplo, concorre com o do Vietnã; já o suco de laranja brasileiro rivaliza com o tailandês.
A conclusão é de que a competitividade brasileira em sua relação comercial com os EUA sai do tarifaço pouco abalada. Outro importante produto que os americanos importam daqui é o etanol de cana de açúcar, pois o bicombustível de lá é derivado do milho. Como a Califórnia exige metas de redução de emissões de carbono que a produção de etanol de milho não atende, o estado depende dessa commodity brasileira.
Para além da relação comercial entre Brasil e EUA
A imposição de tarifas pode levar o Brasil a aprofundar sua relação comercial com os países mais afetados, bem como prospectar novos mercados. Europa e China podem retaliar para além da reciprocidade de taxação, buscando comprar do agronegócio brasileiro, principal concorrente dos americanos, produtos de mesma qualidade ou até superior, que agora estarão mais baratos em função das barreiras tarifárias impostas por Trump.
O Agro brasileiro é também mais estável, com safras volumosas e que conseguem absorver aumentos pontuais de demanda como esse, sem onerar o comprador. Com nova previsão de recorde na colheita de grãos em 2025, o momento parece ser adequado para que outros mercados olhem com atenção e interesse para as lavouras nacionais. A segurança da produção pode atrair investidores que buscam previsibilidade, com o mundo ainda experimentando sobressaltos de natureza climática e geopolítica, além da esfera econômica.
Nem todos os efeitos do tarifaço, entretanto, são previsíveis a curto e médio prazo. Os mercados de maquinários e equipamentos agrícolas, fortemente ancorados nos EUA e China, dos quais o Brasil é grande importador, podem experimentar um encarecimento de seus componentes. Isso porque muitas peças vêm dos países taxados, para montagem nos territórios americanos e chineses, gerando um efeito cascata que deve ser monitorado com cautela pelo mercado brasileiro, podendo elevar custos de produção.
Nesse clima de incertezas, mas também de um otimismo moderado por parte do Brasil, uma nova era de acordos bilaterais e regionais parece surgir para ocupar o lugar de negociações mais abrangentes e cruzadas, que se revelam cada vez mais frágeis devido aos ímpetos de protecionismo frequentes. É a chance de o agronegócio nacional fazer valer sua pujança e dos gestores públicos e privados enxergarem as boas oportunidades e os caminhos promissores para o setor, dada a posição estratégica do país.
Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb13.9290) marcelosa@sna.agr.br
Com informações complementares de: Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sua Escola de Economia de São Paulo (EESP); Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).