O agricultor Antonio Galvan, de Sinop (Norte de Mato Grosso), regula as plantadeiras para entrar na maior safra de soja que o Brasil já cultivou com expectativa de colher uma saca a mais por hectare. No entanto, mesmo que avance em produtividade nos seus 2,5 mil hectares de lavoura (mesma área do ano passado), enfrenta risco de prejuízo. Em pleno ciclo de expansão, a oleaginosa tende a não cobrir custos totais em 2014/15 no estado líder em produção. Os preços para entrega em março estão entre R$ 35 e R$ 38, até R$ 15 por saca a menos do que Galvan recebeu em 2013/14. Com custo de R$ 2,5 mil por hectare (incluindo remuneração por uso da terra), ele corre o risco de registrar saldo negativo de R$ 570/ha.
Sua saída, por enquanto, tem sido adiar as vendas e assumir os riscos. “É quase certo que teremos um ano de crise. Com os preços atuais, é melhor se precaver e atrasar o plantio”, afirma, sem descartar redução no cultivo.
A queda de 35% em três meses nas cotações internacionais da commodity apertaram as margens da agricultura brasileira. A pressão vem dos Estados Unidos, que estão colocando no mercado mais de 106 milhões de toneladas do produto. O Brasil tende a ampliar a oferta e o peso sobre as cotações com uma safra também maior, que pode chegar a 95 milhões de toneladas.
O aperto nas contas também ronda o Paraná, segundo maior produtor brasileiro. Quem colher 56 sacas por hectare, por exemplo, tem o desafio de vender a produção a pelo menos R$ 42,15 por saca, apurou o Agronegócio Gazeta do Povo. A partir disso, cada R$ 1 de queda no preço passa a dar prejuízo de R$ 50 por hectare. A cotação para entrega em março tende a ser de R$ 52/sc.
Dólar
“Acredito que o dólar vai subir e vou conseguir vender a R$ 55 ou R$ 56 por saca [no mercado físico], porque colho em janeiro, quando não tem produto no mercado”, prevê o produtor paranaense Paulo Lunardelli, que até o momento largou sementes de soja em 20% da área de 970 hectares que pretende dedicar à cultura este ano em Campina da Lagoa (Centro-Oeste do estado).
Ele também não vendeu antecipadamente um grão sequer da colheita de 2015. A expectativa dos produtores era de uma reação. O agricultor de Mato Grosso e não perde a esperança. “Para quem já está no prejuízo, vale correr o risco.”
A cotação da moeda norte-americana ante o real pode rebater parte da desvalorização da soja. Nos próximos cinco meses, a moeda norte-americana deve passar de R$ 2,4 para R$ 2,5, conforme as estimativas do mercado.
Mato Grosso pena pelos gastos elevados pela logística, que chegam a R$ 43,72 por saca ou R$ 2,4 mil por hectare (para quem colhe 55 sacas/ha). A cada R$ 1 abaixo de R$ 43,72/sc, são R$ 55 de prejuízo por hectare. O Paraná gasta o equivalente a duas sacas de soja a menos nos custos totais e colhe uma saca a mais por hectare.
A produtividade fará a diferença em 2014/15, diz o economista do Departamento de Economia Rural do Paraná Marcelo Garrido. O produtor vai precisar de bom clima e não poderá contar tão cedo com preços de R$ 70 por saca.
Receita com exportações pode cair US$ 8,5 bilhões
Mesmo com a expectativa de exportar 7% a mais que em 2014, o complexo soja (grão, óleo e farelo) deve faturar US$ 8,6 bilhões a menos nas vendas externas de 2015. A projeção foi elaborada pelo Agronegócio Gazeta do Povo com base nas cotações dos três itens na Bolsa de Chicago para maio de 2015 e nas previsões de exportações da indústria de processamento – 48 milhões de toneladas em grão, 14,5 milhões de t de farelo e 900 mil t de óleo.
O quadro põe em risco o próprio desempenho da balança comercial brasileira, calçado no saldo do agronegócio há 13 anos. Se a queda prevista para 2015 fosse registrada no ano passado, o país teria um déficit de US$ 6 bilhões ao invés do superávit de US$ 2,6 bilhões.
A queda na receita do setor tende a forçar ajustes em toda a cadeia produtiva, avaliam especialistas. Os efeitos vão além da pressão por baixa nos preços dos insumos. “O primeiro efeito é a redução na renda [do produtor]. Essa condição pode até causar desemprego em empresas que estão ligadas ao setor”, avalia José Pio Martins, economista e reitor da Universidade Positivo.
Pecuária promete aliviar contas do setor
O Valor Bruto da Produção (VBP) da agropecuária de 2014 mostra que a queda nas cotações de commodities como a soja e o milho vem sendo absorvida por outros setores. Porém, não há garantia de que isso vai continuar ocorrendo em 2015. Os preços recordes da carne bovina, por exemplo, têm poder limitado de compensação.
Em 2014, o quadro é de expansão nas lavouras e na produção de carnes. Mas o recuo nos preços limita o crescimento da receita bruta (dentro da porteira) a 2% na comparação com 2013. Serão R$ 441,83 bilhões até dezembro, considerando os R$ 288,01 bilhões da agricultura (65%) e R$ 153,82 da pecuária (35%), mostra projeção do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Essa conta considera forte queda na renda dos setores da cana-de-açúcar (-R$ 2,3 bilhões, ou -5%), do feijão (-R$ 1,5 bilhão, ou -19%) e do milho (-R$ 1,5 bilhão, ou -4%). Na pecuária, a maior perda está na receita bruta do frango (-R$ 8,2 bilhões, ou -17%) e dos ovos (-R$ 1,8 bilhão, ou -24%). Os setores com desempenho negativo recuarão R$ 17,5 bilhões em 2014, prevê o Mapa.
Em 2015, essa pressão soma-se ao recuo da soja, que neste ano ainda terá saldo crescente. Segundo o Mapa, a oleaginosa cresceu em produção e, mesmo com cotações inferiores, está rendendo R$ 5,4 bilhões a mais do que em 2013. Os analistas consideram que há risco de a renda de 2015, apesar do contínuo crescimento das lavouras, recuar para menos de R$ 90 bilhões, patamar ultrapassado pela primeira vez no ano passado.
A expectativa é que a pecuária bovina ainda não tenha atingido seu ápice. Neste ano, a renda da bovinocultura registra incremento de R$ 10,6 bilhões (18%). Dificilmente esse índice será repetido em 2015. A arroba do boi gordo passou da casa de R$ 100 para a de R$ 120, numa sequência de recordes que estimulam a produção.
A cotação ainda deve subir e estaria no segundo de um ciclo de alta de quatro anos, considera Gustavo Aguiar, zootecnista da Scot Consultoria. “Os preços estão subindo não por alta na demanda, mas porque a carne vermelha se tornou escassa [com a expansão da soja sobre pastagens] e a bovinocultura leva um certo tempo para se recuperar”, analisa.
Fonte: Agrolink