Há exatamente um ano, os caminhoneiros iniciavam uma greve histórica que paralisou o Brasil por dez dias e provocou o desabastecimento da população. Faltou combustível nos postos e vários produtos sumiram das prateleiras dos supermercados. O resultado foi uma redução de quase R$ 48 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) de 2018, uma ruptura na confiança e aumento da inflação no período.
Os protestos foram iniciados por caminhoneiros autônomos por causa da escalada do óleo diesel, cuja política da Petrobrás previa aumentos semanais. De abril para maio de 2018, o preço médio do litro do combustível subiu cerca de R$ 0,20 e alcançou R$ 3,62, o que desencadeou uma sequência de bloqueios nas estradas de todo País. A resposta do governo veio em forma de subsídio de até R$ 0,46 por litro do combustível e a criação da tabela do frete.
Um ano depois, a vida nas estradas continua difícil. Na visão dos motoristas, piorou. A tabela do frete, principal conquista após a paralisação, não funciona; o diesel voltou a subir; e a condição das estradas tem se deteriorado com a falta de manutenção provocada pela crise fiscal do País. Para piorar, a fraca atividade econômica tem feito os caminhoneiros disputar a tapas uma carga.
A greve trouxe efeitos colaterais para todo o setor, entre eles uma queda na receita dos caminhoneiros e uma alta no ganho das transportadoras. Estudo dos economistas Cristiano Aguiar de Oliveira e Rafael Mesquita Pereira, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), mostra que o rendimento dos proprietários de caminhão subiu 28% depois da paralisação, enquanto o dos autônomos caiu 20%.
“Com o tabelamento do frete, houve concentração de carga nas transportadoras. O produtor as preferiu por haver uma relação mais estável”, disse Oliveira. Segundo os autores, as transportadoras têm maior poder de barganha e conseguem impor o valor mínimo do frete para os produtores.
Também após a greve, houve grupos empresariais que, com medo de ficar novamente reféns dos caminhoneiros, compraram frota própria. “Ou seja, não melhorou nada. Piorou a vida dos autônomos”, afirmou Ivar Schmidt, representante do Comando Nacional do Transporte (CNT).
Segundo ele, mesmo com as fiscalizações, a tabela do frete mínimo não é cumprida e há uma série de contestações na Justiça contra a medida. Schmidt, que comandou a greve de 2015, defende a aplicação da jornada de trabalho.
Ao obrigar os caminhoneiros a cumprir uma determinada carga horária, um número maior de motoristas teria acesso ao frete. Isso equalizaria a questão do descompasso entre a oferta e demanda no mercado. Ele lembrou que há cerca de 300 mil caminhões sobrando no País.
O professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, afirmou que esse cenário de sobreoferta começou a ser desenhado há alguns anos, quando o governo incentivou a venda de caminhões com dinheiro barato do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Mas esse incentivo não foi acompanhado de uma política de substituição de caminhões nem de formação de frete”, disse Resende. Assim, as empresas passaram a renovar suas frotas e repassavam os caminhões mais velhos para os autônomos.
Na avaliação do professor, o centro do problema dos caminhoneiros continua sendo a política de preços da Petrobrás. “O que foi prometido até agora pelo governo são paliativos momentâneos para lidar com uma paralisação iminente.”
Resende destacou que, a cada movimentação sobre greve, os líderes dos caminhoneiros vão até o governo fazer reivindicações. “Eles vão lá e o governo dá um dedo; vão de novo, e dá outro dedo. Mas não resolvem o problema.”
Wallace Landim, conhecido como Chorão, disse que está apresentando para o governo um projeto de pontos de parada, que é essencial para implementar a jornada de trabalho. Hoje, se todos os caminhoneiros fossem cumprir uma carga de trabalho menor, não haveria lugar para eles pararem, segundo representantes da classe. “Estamos na UTI e o nosso remédio é o governo. Estamos buscando o remédio para salvar a categoria”, disse Chorão.
Segundo ele, no entanto, a ameaça de greve é constante entre os caminhoneiros. E, se precisar fazer uma nova paralisação, ela será feita, mas na hora certa.
Em nota, o Ministério da Infraestrutura afirmou que adotou uma política de fortalecimento do diálogo com as entidades representativas de embarcadores, transportadores e caminhoneiros autônomos. O primeiro compromisso assumido e cumprido foi a retomada e a reformulação do Fórum Permanente do Transporte Rodoviário de Cargas (RTC).
“O colegiado, que não se reunia desde a paralisação do ano passado, tornou-se bimestral e foi ampliado com a inserção de mais entidades representativas de todo o País”, informou o ministério.
“A primeira reunião do fórum aconteceu no dia 22 de março e, desde então, governo e setor já se encontraram em outras oportunidades, com destaque para a audiência do dia 22 de abril, que resultou em uma lista de ações que estão em desenvolvimento”, destacou a nota.
Entre as medidas adotadas, o ministério citou a maior fiscalização da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), a criação de um canal de denúncias para os motoristas e a atualização da tabela do frete.
A pasta também afirmou que houve o descontingenciamento de R$ 2 bilhões para atender a rodovias prioritárias, como a conclusão da BR-381/MG; conclusão da duplicação da BR-116/RS; entrega da segunda Ponte do Guaíba (RS); conclusão da pavimentação da BR-163/PA; conclusão da duplicação da BR-101/BA; construção de oito pontes de concreto na BR-242/MT, entre outros.
Estadão