A indústria brasileira de celulose e papel, reconhecida internacionalmente pelo manejo sustentável de suas florestas, permanece em estado de alerta por causa da crise ambiental em curso no País. Embora o setor ainda não tenha sido diretamente atingido, há risco de que a boa imagem e os negócios conquistados ao longo de anos sejam manchados pelo agravamento dos problemas nessa área.
“A crise é grave e afeta mercados abertos pelo país a duras penas nos últimos anos, assim como o acesso ao crédito internacional”, alertou o ex-governador do Espírito Santo e presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), Paulo Hartung, que teceu duras críticas às tentativas de enfrentamento da crise sanitária e econômica desencadeada pela Covid-19 por parte do governo federal.
“Estamos atravessando a crise com muita descoordenação, infelizmente, e deixamos que outra fosse produzida, a crise ambiental. É um assunto ao qual precisamos dar atenção”, disse Hartung, durante apresentação no 53º internacional da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel (ABTCP).
Também presente ao evento, o presidente da Suzano, Walter Schalka, reiterou o alerta. “O Brasil está a caminho do precipício ambiental”, voltou a dizer o executivo, que tem sido bastante ativo nas discussões sobre os rumos do país.
Grande investidor
Com quase US$ 10 bilhões em receita com exportações no ano passado, o setor de base florestal brasileiro é superavitário e grande investidor: neste momento, tem três fábricas em construção e um total de R$ 35 bilhões em projetos em execução ou planejados para os próximos anos.
Hoje, enquanto a maior parte dos produtores do Hemisfério Norte tem operado no vermelho por causa dos baixos preços da celulose, de cerca de US$ 450,00 por tonelada na China, as empresas brasileiras, que estão entre as mais competitivas do mundo, conseguem gerar caixa, mas não há retorno ao capital empregado. Por isso, para Schalka, esses preços não são sustentáveis.
Nos últimos anos, porém, a indústria de celulose e papel foi capaz de gerar retorno ao acionista, observou Schalka, citando como exemplo desse ganho a recente saída do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do capital da Suzano.
O executivo lembrou que, quando consumada a fusão da Suzano com a Fibria, o BNDES já havia recebido R$ 9 bilhões por sua participação acionária. Agora, com a venda em bolsa dos 11,10% remanescentes, levantou outros R$ 7 bilhões. “Assim, em aproximadamente 20 meses, o BNDES conseguiu monetizar cerca de R$ 16 bilhões”, disse.
Desafios
Olhando para a frente, disse o presidente executivo da Ibá, o prognóstico é o de que o Brasil sairá do momento difícil que enfrenta mais digitalizado e endividado, com desemprego elevado e queda de cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo as previsões mais recentes. Diante de uma crise dessa magnitude, avaliou Hartung, o papel das lideranças é cuidar da emergência, salvando vidas e empregos, mas também olhando para o futuro.
Nesse sentido, algumas tarefas seriam óbvias, entre as quais ancorar o endividamento superior a 95% do PIB via “PEC Emergencial”, que tramita no Congresso, e implementar a reforma administrativa. “A PEC Emergencial reintroduz a ideia de que o setor público também pode reduzir jornadas e salários, e esse é um dos instrumentos para que se mantenha a percepção de solvência das contas públicas”, disse Hartung.
Outra providência está relacionada à reforma administrativa. Para o executivo, é positivo que o governo federal já tenha possibilitado o início de tramitação, ao enviar a sua proposta. “Mas ainda é tímida. Ela precisa ser complementada por debate na sociedade e no Congresso. Não podemos nos dar ao luxo de fazer uma reforma apenas para os futuros concursados”, comentou, acrescentando que o tratamento a servidores atuais e futuros poderia ser diferente.
Setor público
Alguns conceitos que serão válidos para os futuros concursados poderiam ser aplicados aos servidores atuais, como, por exemplo, a avaliação de desempenho e a suspensão em definitivo da promoção automática. Tais medidas podem injetar produtividade no setor público brasileiro, observou o dirigente.
Segundo Hartung, o governo deveria ainda reorganizar os programas de transferência de renda sem “furar o teto (de gastos)”. “É preciso unificar os programas sociais e buscar dinheiro no próprio orçamento”.
Para Schalka, que preside a maior produtora de celulose de eucalipto do mundo, parte da responsabilidade pela situação atual do Brasil é da sociedade, seus empresários e executivos, que ainda têm se mostrado omissos. “Todo mundo reconhece que o Brasil precisa de reformas, mas não adianta ficar falando e não fazer nada. Temos de ser propositivos e construir pontes para o diálogo”, disse.
Fonte: Valor Econômico
Equipe SNA