Na primeira audiência pública do ciclo de debates “Agronegócio sustentável: a imagem real do Brasil”, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) ouviu vozes dissonantes, ligadas ao governo Bolsonaro, aos produtores rurais e também aos ambientalistas.
A senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da CRE, propôs os debates. Para ela, a preservação ambiental, vista de forma divergente no país, se tornou uma questão sensível para a política externa e precisa se aproximar de um consenso que leve ao fim do desmatamento ilegal e garanta alta capacidade de produção agrícola. A senadora disse haver um “alinhamento de ideias” entre os senadores em torno do tema.
Ao conduzir a audiência pública, Kátia Abreu disse que o Senado precisa analisar matérias referentes ao meio ambiente antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26), marcada para novembro em Glasgow, na Escócia.
Ela citou o PL 510/2021, que trata de regularização fundiária nas terras da União, o PL 2.159/2021, que estabelece um novo marco legal do licenciamento ambiental, e o PL 1.539/2021, que antecipa para 2025 a meta de redução de 43% das emissões de gases de efeito estufa, bem como o fim do desmatamento ilegal no Brasil.
“Enquanto outros países precisam de muito tempo para diminuir [a emissão de gases de efeito estufa] por terem, como motivo de aquecimento, a matriz energética e, portanto, difícil de ser substituída, para nós basta acabar com o desmatamento ilegal. Não precisamos de dez anos para isso e temos de dar conta em cinco ou seis”, disse a senadora.
Queimadas
Presidente do Parlamento da Amazônia (Parlamaz), o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) registrou que 2021 é o terceiro ano seguido de seca em áreas como o Pantanal. O parlamentar mencionou dados segundo os quais a região já alcançou igual patamar de área destruída pelo fogo no mesmo período de 2020. “Desde o início do ano até o último sábado (21/8), 261.800 hectares do bioma já foram destruídos em decorrência das chamas”, lamentou.
“É praticamente a mesma área queimada no mesmo período de 2020. E não há perspectivas de chuvas nos próximos dias. É grave, e acontece ano após ano. A condição climática é a grande propulsora do problema. Achar mecanismos para a solução dos casos em médio e longo prazos no nosso território é fundamental”.
Nelsinho elogiou a atuação de Kátia Abreu e disse ter ficado entusiasmado com o ciclo de debates. Ele defendeu a elaboração de um material didático da reunião, a ser distribuído com as embaixadas parceiras do Brasil. “Vai atingir seu objetivo de divulgar a verdade sobre nossa situação”, disse o senador.
Amazônia
O senador Lucas Barreto (PSD-AP) considerou que “meio ambiente e Amazônia precisam ser debatidos à exaustão”. Ele disse que o Amapá “cumpriu o dever de casa”, com 97% de florestas primárias preservadas e 73% das terras na condição de reserva legal.
Para Lucas, há uma ideia geral de que a Amazônia é “a grande culpada pelas alterações no clima”. Segundo ele, a região tem 33 milhões de quilômetros quadrados de reserva, enquanto o Canadá tem nove milhões e os Estados Unidos, 17 milhões.
“Não adianta nos criminalizar. A França tem 1% de suas florestas primárias preservadas. Então, culpar a Amazônia, culpar o Brasil é muito fácil”, afirmou o parlamentar.
Agronegócio
O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, reconheceu que a urgência da ação climática tem acentuado a necessidade de sistemas produtivos mais sustentáveis e seguros. Para ele, o governo é consciente de que o agronegócio é um dos setores mais expostos às variantes do clima e de que o setor produtivo pode ser melhorado de modo a contribuir com o desempenho nacional nos índices ambientais.
O chanceler disse que a imprensa e opinião pública colocam uma “responsabilização desproporcional” da agropecuária mundial e a acusam de ser o principal emissor de gases do efeito estufa. Ainda segundo França, há um “esquecimento conveniente e seletivo” da contribuição dos combustíveis fósseis para o problema, usado em setores como o transporte.
“Em muitos casos, os questionamentos sobre a responsabilidade da pecuária, por exemplo, tomam por base artigos de opinião ou estudos realizados em regiões específicas, e não registram contextos ecológicos locais na sustentabilidade da produção. São desafios que nos cabe enfrentar. O Itamaraty segue empenhado para embasar o atendimento dos interesses nacionais, para que nossos esforços sejam reconhecidos”, declarou o ministro.
“Repactuação”
A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira disse que as atuais posições do governo colocam o Brasil no campo do negacionismo científico e climático. Para ela, além de o governo colocar a credibilidade nacional em dúvida, levou o Brasil a perder o protagonismo e a liderança na busca pelo desenvolvimento sustentável.
Izabella afirmou que, como ministra, pensou também na produção agrícola, e que na busca do interesse nacional, o setor do agronegócio também precisa pensar na preservação do meio ambiente. Na ocasião, ela sugeriu soluções baseadas numa “repactuação” em favor da manutenção das florestas e em segurança climática.
“Vamos conviver com o desmatamento ilegal, com emissões que beiram 49% ou com uma agricultura de baixo carbono e adaptações que claramente darão competitividade e liderança política ao país? Transparência tem a ver com credibilidade e capacidade de entrega [do que se promete]”, ressaltou a ex-ministra.
“Para discutir o futuro, o país precisa ser construtivo, ao invés de reativo. As decisões do amanhã são tomadas hoje. O que vemos hoje são questionamentos no mundo e desconfiança sobre as realidades nacionais.”
Luta global
Carlos Alberto França respondeu que há uma aproximação entre o Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente. Ele concordou com a opinião de Izabella Teixeira de que o país precisa se tornar “inovador”, mas disse que “todas as ações estão sendo consideradas”.
“O ceticismo não é exclusivo do Brasil. Estados Unidos, China, o mundo procura formas de baixar metas, então, a luta é global — declarou o chanceler, dizendo que os setores público e privado têm firmado parcerias em favor de práticas sustentáveis, para o uso racional dos recursos naturais e políticas de inclusão.
Além disso, continuou França, “o país tem estado alerta para a exigência dos consumidores, que cobram o uso de insumos biológicos na agricultura e o controle da sustentabilidade de toda a cadeia produtiva.
Cerrado
Já André Nassar, ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), declarou que o desmatamento no bioma do Cerrado “caiu bastante”, em parte em razão das condições da própria região e do mercado consumidor. Ele observou que o desamamento no bioma nem sempre leva a uma produção agrícola maior.
“A gente assiste a um processo de redução do desmatamento que é bem forte no Cerrado, diferente da Amazônia (…). Pelo que a gente está vendo, metade do desmatamento no Cerrado é de área que não tem potencial produtivo. Estamos abrindo área que não tem potencial produtivo ou tem um potencial muito baixo. Isso que eu acho que é muito negativo”, afirmou Nassar.
Ele reconheceu que a “outra metade” desmatada no Cerrado acaba sendo ocupada por grãos, como soja, “ao longo de muitos anos”, o que não atende à demanda do marcado, que hoje “quer uma soja sem desmatamento”.
Fonte: Agência Senado
Equipe SNA