Uma das principais bancadas do Congresso, com 285 membros, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foi protagonista na formação e na sustentação do governo do presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano de gestão. Teve poder na escolha de ministros, na definição de presidentes de órgãos importantes e ocupou cargos estratégicos no Palácio do Planalto, além de bancar votações decisivas nos plenários da Câmara e do Senado.
Em meio a toda essa influência, alcançou vitórias históricas no Legislativo. Falhas na articulação política reconhecidas por seus líderes, impediram que os resultados fossem ainda melhores, mas estão sendo “corrigidas” para consolidar o avanço em 2020.
Com ou sem falhas, o alinhamento e a influência direta da bancada ruralista no Poder Executivo já garantiram medidas estruturantes, e há tempos desejadas, para o agronegócio nacional. Embora os recursos do crédito agrícola subsidiado tenham encolhido, houve melhora no ambiente de financiamento no mercado privado com a “MP do Agro” (897/2019), que deverá ser referendada em março.
Novas regras para regularização fundiária, implementadas também por medida provisória (910/2019), beneficiaram milhares de produtores, e a abertura de prazo indefinido para adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) evitará problemas para outros tantos. A revisão de normas nos processos de fiscalização trabalhista e ambiental foi outro passo bem recebido.
O presidente da FPA, deputado Alceu Moreira (MDB/RS), que ficará até o fim de 2020 no comando da bancada, reconhece que a frente goza de grande credibilidade, mas diz que as conquistas poderiam ter sido maiores, principalmente no primeiro semestre, quando o Legislativo se concentrou na Reforma da Previdência.
Convictos da força que o número de parlamentares representa nas votações (quase metade das duas casas), os ruralistas, durante a maior parte do ano, confiaram suas demandas às articulações internas e à proximidade com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ). Mas viram seus projetos não serem incluídos na pauta e as discussões se repetirem semanas após semana, almoço após almoço na mansão no Lago Sul, zona nobre de Brasília, que abriga sua sede. E mudaram de estratégia.
Essa alteração se tornou clara recentemente, na penúltima semana de votações, a partir de conversas mais próximas aos líderes de partidos como do MDB, PP e PL. E em apenas uma sessão neste mês, dois projetos caros à bancada foram aprovados no Plenário da Câmara: um que garante verbas para a conectividade rural e outro que permite a extensão do prazo para a regularização de imóveis em faixas de fronteira.
“Estamos mais próximos de seis ou sete líderes – isso dá quase 300 parlamentares – e acertamos com o presidente do Senado (Davi Alcolumbre, DEM-AP) que ele receberá a diretoria da FPA no início da próxima legislatura para debatermos com os senadores as pautas do agronegócio”, disse Moreira.
Segundo ele, as relações da frente no Congresso têm de ser desmistificadas. Deputados e senadores da bancada ruralista enxergam no discurso do presidente Bolsonaro uma defesa enfática do campo, e isso, na opinião do presidente da FPA, abre portas para a quebra de “paradigmas” e para a correção de “inverdades”, principalmente na relação do agronegócio com a área ambiental.
Para Moreira, a mudança de perfil dos membros do governo e dos congressistas deixou a FPA mais à vontade para conversas sobre sustentabilidade. “Aquele ranço que existia com o Ministério do Meio Ambiente não existe mais”, concorda o senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), vice-presidente da FPA.
A bancada, com apoio de grande parte das entidades que representam produtores e agroindústrias, disse que o momento é favorável para avanços também nessa frente, e garante que o setor segue a lei, mas o rumo das discussões preocupa ambientalistas.
“Houve uma mudança radical na forma como se toma decisão. Antes, as medidas eram discutidas dentro do Congresso, mas agora passaram ao Executivo, que abriu mão do papel de mediador e trouxe tensão extra para a agenda. Houve diversos retrocessos, que se transformaram em propaganda negativa do país para fora”, afirma o coordenador de políticas públicas da ONG Greenpeace e membro do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
Essa queda de braço promete causar alvoroço em 2020, já que pauta ambiental será um dos focos da bancada ruralista. Entre suas prioridades, estarão o novo marco legal do Licenciamento Ambiental, que prevê a simplificação da autorização para empreendimentos, a Lei de Defensivos Agrícolas, que deverá agilizar a aprovação de registros de agrotóxicos, e o projeto para instituir o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
Nos três casos, os textos estão praticamente prontos para votação. Outra questão, que já nasceu causando celeuma, é a promessa de Bolsonaro de incluir em proposta a liberação de atividade de mineração em terras indígenas e também o aval para a criação de gado, com o objetivo, segundo ele, de reduzir o preço da carne.
“O grande agronegócio é influência concreta e decisiva no governo”, avalia o secretário de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Antoninho Rovaris. Luis Carlos Heinze rebate. Para ele, a gestão Bolsonaro é favorável ao agronegócio de forma geral e a toda forma de empreendedorismo. “O comando é diferente, está trazendo confiança para produtores e investidores. O empresariado diz que está muito animado”.
O “comando”, diferente ao qual se refere Heinze, também garantiu aos ruralistas a extensão da posse de armas de fogo para todo a área das propriedades e garantiu que as aposentadorias de trabalhadores rurais passassem ao largo da Reforma da Previdência.
Outro importante nó que está sendo desatado é a venda de terras para estrangeiros, que foi votada em comissões no Senado, mas depende de análise da Comissão de Constituição e Justiça da Casa para seguir para a Câmara. “Ano que vem vamos pisar no acelerador. O que falta construir, vamos construir. Vamos colher muitos resultados”, afirma Alceu Moreira.
Nesse sentido, a força da FPA no Congresso e a influência da bancada no governo estão sendo testadas nas acaloradas discussões sobre o perdão do passivo do Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural (Funrural). Promessa de campanha de Bolsonaro, o passivo, que chega a R$ 11 bilhões, não foi extinto.
O ruralista Jerônimo Goergen (PP/RS), que teve desavenças na FPA por causa desse tema, diz que ainda confia na palavra do presidente, mas que “dentro do governo e do Parlamento tem gente que trabalha contra”. Cadeias produtivas como a do arroz, a do leite e a do café também esperavam uma ajuda para seus endividamentos crônicos.
Valor Econômico