“O setor econômico percebe um outro ar.” Logo após deixar o prédio da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), na avenida Paulista, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), disse que o respiro mais aliviado do mercado é evidente e consensual nos setores agrário e industrial.
“Não está um pouquinho melhor. Está muito melhor. Estamos com a inflação em menos da metade do que estava havia um ano. Estamos com juros de um dígito. Os Estados produtores sentiram isso de forma muito forte. É um novo momento.” Em hipótese alguma a melhora é radical, ele admite. “Mas avançou muito. Os números hoje da economia são infinitamente melhores do que eram havia um ano. Então é claro que isso pesa, sem dúvida nenhuma”, analisa o parlamentar, que havia acabado de participar de uma reunião do Conselho Superior do Agronegócio da FIESP.
Naquela segunda-feira que antecedeu o fim do recesso parlamentar em Brasília e às vésperas da votação no Congresso da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer (PMDB) por obstrução à Justiça e corrupção passiva, não havia sinal de protestos na Paulista. Do prédio da FIESP, de onde partiram vozes estridentes de apoio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), nada se ouvia. Cheio de fôlego para cumprir uma agenda política exaustiva, o representante da bancada ruralista no Congresso justificava, sem receio de censura, as razões pelas quais o setor não quer ver Temer fora da Presidência. As reformas conduzidas pelo Palácio do Planalto, enfatizou Leitão, são o que garantem a qualidade momentânea do ar. “O setor produtivo tem colocado abertamente o pedido para manter o Temer, exatamente pelo histórico, pelo que vem vindo no último ano.”
No comando da hoje considerada uma das mais poderosas bancadas do Congresso, a frente do agronegócio, ou bancada ruralista, e também uma das principais fiadoras da sustentação de Temer no governo, Leitão tem acesso fácil ao Palácio do Planalto. A Frente Parlamentar Agropecuária conta hoje com 200 deputados e 24 senadores inscritos, de diferentes correntes partidárias. Em votações relevantes, geralmente a bancada levanta cerca de 140 a 160 votos fechados. No dia seguinte à reunião com a FIESP, o parlamentar, do Mato Grosso, já estava em Brasília.
A frente parlamentar do agronegócio “recebeu” Temer e seu séquito, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP), e o ministro da Secretaria do Governo, Antonio Imbassahy (PSDB), que cuida das articulações com o Congresso e liberações de emendas para parlamentares, para um almoço, encontro tradicional da bancada todo início de semana.
O movimento do presidente de ir até a bancada ruralista um dia antes da votação da denúncia contra ele no Congresso, ser recebido pelos parlamentares, e não recebê-los, é um evidente sinal da força dos ruralistas para pautar a agenda do Congresso. A Câmara dos Deputados, um dia depois da confraternização dos ruralistas com o presidente, poupou o chefe do Executivo de responder a um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por um placar de 263 votos a 227, e duas abstenções. O resultado fortaleceu ainda mais os ruralistas, que passaram a expor suas demandas, a fatura pelo apoio ao Palácio do Planalto, abertamente.
“A força da bancada ruralista se deve basicamente ao fato de ela ter sido decisiva para que Temer se tornasse presidente da República e continua sendo decisiva para que ele permaneça presidente, apesar do que cometeu”, disse o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, quase a antípoda dos ruralistas. “É uma bancada numerosa [a ruralista]”, continua Molon.
No momento político atual, em que a Procuradoria-Geral da República trabalha para enviar aos parlamentares outra denúncia contra Temer, a aritmética é sinônimo de poder no Congresso. Para que o presidente seja investigado no Supremo enquanto exerce o mandato é preciso que o Legislativo brasileiro conceda a autorização para abertura de processo.
“Na medida em que sabe disso, a bancada ruralista coloca suas demandas na mesa e a tendência é de que leve boa parte das suas demandas, senão todas, por conta da fragilidade de um governo chefiado por alguém que está denunciado por crimes e precisa do Parlamento para permanecer impune”, disse o deputado da Rede.
De fato, a bancada ruralista “já levou” muitas desde a posse de Temer. Logo no início do mandato do peemedebista, a Casa Civil suspendeu 13 processos de demarcações de terras indígenas que estavam prontos, apenas aguardando homologação presidencial. O Ministério da Justiça, que posteriormente seria comandado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDBRS), da bancada ruralista, também sustou outros seis processos de demarcação. Temer endossou meses depois um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que proíbe reconhecer como área indígena qualquer reserva que tenha se formado depois da Constituição de 1988, um entendimento que já tinha sido firmado pelo STF no caso da Raposa Serra do Sol.
O entendimento do Supremo, no entanto, não tinha efeito vinculante. Agora, porém, o governo Temer transformou a interpretação jurídica da corte em regra geral, dificultando, de maneira significativa, processos futuros de reconhecimento e demarcação de áreas indígenas.
Entidades ligadas à causa indígena consideram flagrante o desmonte da Funai sob a atual gestão presidencial. Em maio, o então presidente da fundação, Antônio Fernandes Costa, pastor evangélico filiado ao PSC, que chegou ao cargo por postulações políticas do partido, foi demitido. Costa afirmou que foi pressionado a colocar políticos na Funai e não cedeu, por isso teria sido afastado. Desde então, a Funai é presidida pelo general do Exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, também indicação do PSC. Não há sinais de que Temer fará mudanças no órgão, a despeito das duras críticas de ONGs e entidades indígenas e ambientalistas.
Mimo presidencial
Vinte e quatro horas antes do início da votação da denúncia de Temer no Congresso, os ruralistas foram agraciados com outro mimo presidencial: conseguiram negociar dívidas da previdência rural por meio de uma medida provisória sobre o Funrural. O Supremo decidiu, em março, que a cobrança da previdência rural de pessoas físicas era constitucional. Sob pressão, Temer editou a medida que reduziu a alíquota de contribuição e permitiu o pagamento de débitos em até 176 vezes. E o Congresso ainda pode amenizar ainda mais as regras, ao votar a medida provisória e modificá-la num projeto de conversão.
“Não tem como tratar isso como troca de favores”, disse Leitão. Segundo ele, “desde o primeiro dia” do mandato presidencial de Temer, a Frente Parlamentar da Agropecuária entregou uma pauta com os assuntos de interesse da bancada. “São temas que estavam na gaveta havia 30, 20 anos. Fizemos uma cronologia disso no início do mandato do Temer. E vem acontecendo normalmente. Não é algo que aconteceu nesta semana ou a partir da denúncia. É o que vinha acontecendo havia muito tempo, com várias reuniões [com o governo]. Algumas dessas ações entraram e saíram, e outras estão aí no forno para poder entrar. Mas nenhuma se iniciou com a denúncia, é muito claro isso”, disse o deputado ruralista.
Outra vitória da bancada ruralista foi a Medida Provisória 759, que tratou da regularização fundiária. Terrenos de até 2.500 hectares, que superam 3.400 campos de futebol e, portanto, segundo ambientalistas, está longe de significar áreas ocupadas por pequenos produtores, serão regularizados e os respectivos proprietários contarão com a posse da terra. A medida foi batizada, por entidades ambientais, de MP da Grilagem.
O presidente da FPA rebate as críticas. “Quem mora no Norte e Nordeste do País sabe o problema que é, você está há 40 anos na área, produz e não tem título, morre e não pode deixar de herança para seu filho. Não entendo como esses setores podem querer criticar a titularização de terra no Brasil. E quem está na favela? Ele invadiu há 50 anos, é a casa dele, não vai sair mais de lá. Não pode ter o título daquela propriedade? Ou vai passar de neto para bisneto morando em área ilegal?”, disse Leitão.
A medida provisória que tratou da regularização fundiária, segundo o diretor de políticas públicas do Greepeace, Márcio Astrini, revogou ou alterou seis legislações que tratavam do tema. “Legislações que foram discutidas e modificadas há cerca de 30 anos. E essa medida provisória não teve nenhum momento de debate com a sociedade. É um texto raso, com uma série de inconsistências constitucionais, inclusive a possibilidade de transferir patrimônio fundiário da União para o setor privado via pagamento em espécie, em dinheiro, o que é proibido pela Constituição”, disse Astrini.
Na boca do forno
A pauta da bancada ruralista está em alta e, como diz o próprio presidente da frente do agronegócio, há muitos projetos e medidas “na boca do forno” para serem aprovados, como quer o setor. Um caso iminente é o polêmico marco regulatório do licenciamento ambiental, a próxima batalha. O Projeto de Lei 3.729 tramita no Congresso desde 2004 e já houve inúmeras alterações (substitutivos) diante da polêmica do tema e falta de consenso. O relator é o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), também da bancada ruralista.
Pereira está otimista com a aprovação do projeto e afirma que a relação com o atual governo não poderia ser melhor. “Eu falo com o presidente Temer todos os dias. Tenho autorização para isso. É um governo parlamentarista. Então isso é muito bom.” O Brasil, segundo Pereira, é respeitado no mundo por sua produção de alimentos. Ele acrescenta que, no cenário de atual recessão econômica, quem impede o naufrágio e assegura algum crescimento do PIB é o agronegócio. “Então todos [no Congresso e no governo] tratam o agronegócio com a palma da mão”, disse.
“Estamos aí com 13 milhões de desempregados. Quem vai gerar emprego para esse povo é a iniciativa privada. Não é o presidente Temer, não. Todo mundo trata muito bem o povo do agronegócio. Todos. E o presidente Temer, nem se fala, porque Temer é uma pessoa muito educada, é um gentleman, uma pessoa fantástica. Isso aí é bem natural”, afirma o relator do projeto de licenciamento ambiental. Segundo ele, após inúmeros debates, chegou-se a um consenso sobre o tema. “Esse projeto já está pronto para ser votado. Depois de 12 anos, e de um ano sob minha relatoria, existe um consenso total.”
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que “o texto desenvolvido sob a coordenação do MMA está próximo de um consenso técnico e político”. Esse debate com os parlamentares, acrescentou o ministério, “será concluído o mais breve possível, com o cuidado de evitar açodamentos que possam resultar em retrocessos ambientais”. O objetivo do projeto, explicou o ministério, na nota, “é elaborar uma lei que balize o licenciamento ambiental no País, assegurando eficácia e consistência técnica”. “O licenciamento é uma das principais ferramentas da Política Nacional do Meio Ambiente e necessita de uma base legal adequada.”
O projeto é visto com ressalvas até mesmo dentro do setor financeiro, que teme nova onda de insegurança jurídica com a judicialização das questões ambientais no país. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), por exemplo, monitora com lupa o texto do licenciamento que está sendo debatido no Congresso.
“A Febraban entende que regras claras e transparentes para o Licenciamento Ambiental são de fundamental importância não só para a análise de risco socioambiental no financiamento de projetos, como para proporcionar segurança jurídica para o empreendedor e o financiador”, manifestou-se a entidade, sem se posicionar claramente se é a favor ou se tem ressalvas ao atual texto do projeto que tramita na Câmara dos Deputados.
O deputado relator confirma que teve muitas reuniões com “o pessoal da Febraban”. Questionado sobre quais pontos inquietam o setor financeiro, o parlamentar é vago: “A Febraban tem uma preocupação que é muito pertinente. Por exemplo: a pessoa compra um caminhão financiado. Aí ele está carregado de diesel. Tomba e derruba óleo. Em vez de entrar com ação contra o dono do caminhão, estão entrando contra a financeira que financiou o caminhão. Eu nunca tinha ouvido falar disso, mas isso aí existe”.
A corresponsabilidade em danos ambientais já é assunto recorrente nos tribunais e chegou ao Supremo. Resoluções recentes do Banco Central obrigam o setor financeiro a condicionar o crédito à responsabilidade ambiental. O tema ainda é nebuloso no meio jurídico e assusta bancos e investidores.
Especialista em finanças para a sustentabilidade e sustentabilidade empresarial, a professora Annelise Vendramini, da Fundação Getulio Vargas, alerta para o risco de se debater assuntos tão cruciais para a economia e o desenvolvimento brasileiro num momento político extremamente conturbado como o atual.
“Deveríamos olhar para os recursos naturais como o fator central da competitividade brasileira no futuro. Não está sendo feita uma discussão ampla com a sociedade sobre esses marcos e, sobretudo, não se olha para eles como elementos centrais do ponto de vista econômico e considerando o quanto podem de fato gerar insegurança jurídica, o que vai atrapalhar todas as decisões envolvendo o setor financeiro.”
A recomposição florestal, exemplifica a professora da FGV, exigirá financiamento de longo prazo, um crédito raro no Brasil. Se esses recursos não estiverem disponíveis no mercado, pelo temor de risco e altíssima insegurança jurídica, o avanço dessa agenda, pondera Vendramini, dependerá de recursos públicos. “O banco vai evitar colocar dinheiro nesse tipo de operação porque o risco é tão grande que não justifica. Você pode secar o crédito para esse tipo de atividade. E se você não tem crédito privado para esse tipo de atividade, a saída é crédito público. Isso significa o Tesouro Nacional bancando parte da conta. Ou seja, significa a sociedade pagando parte desta conta. Os desdobramentos são muito grandes.”
A agenda ambiental carrega impactos econômicos e para o desenvolvimento do País tão cruciais, que obrigam um debate transparente e aberto com a sociedade sobre quaisquer mudanças, advoga a professora da FGV. “É importante colocar esse contexto, porque senão fica parecendo uma conversa de Fla-Flu. A possibilidade de que retrocessos ocorram nessa agenda de Fla-Flu. A possibilidade de que retrocessos ocorram nessa agenda ambiental vão na direção oposta deste futuro que a gente enxerga, que é entender os recursos naturais como fator de competitividade do Brasil”, disse Annelise Vendramini.
A especialista em sustentabilidade pondera que o debate sobre a regularização fundiária é um problema histórico e extremamente complexo, sendo preciso reconhecer argumentos tanto dos ambientalistas quanto dos ruralistas. “Mas é claro que a solução não passa pela probabilidade de você desmatar mais. Unidades de conservação são fundamentais e são elas que têm assegurado, como elemento central, a cobertura vegetal no país. Não dá para entrar com produção sobre área de conservação. Mas precisamos olhar para a questão fundiária com seriedade. Como resolveremos isso no País? E a gente não vê avanços nesta discussão no Brasil”, disse.
Nesse embate, diz ela, “cada um acaba tentando puxar a brasa para a sua sardinha, e quem tem mais força política acaba puxando a brasa maior”. No momento, não há dúvidas sobre qual dos dois lados consegue manter a chama do fogo acesa.
Segundo Molon, um dos objetivos do projeto do licenciamento é deixar de responsabilizar credores por eventuais crimes ambientais. “Apesar de a frente do agronegócio ter a intenção de agradar a certos agentes econômicos, o texto pode acabar desorganizando o funcionamento do setor, piorando a insegurança jurídica”, disse.
Para representantes da frente do meio ambiente, há ainda outros dois aspectos do texto que merecem especial atenção e debate. Um deles é a possibilidade de ocorrer uma espécie de “autolicenciamento”. Na prática, o texto em discussão, disse Molon, torna o licenciamento uma ficção. “O responsável pelo empreendimento declara que está cumprindo as normas ambientais e em muitos casos é desnecessário qualquer manifestação do órgão licenciador até que se constate qualquer inconsistência [em uma obra].”
O projeto dispensa atividades agrosilvopastoris de se submeterem ao processo de licenciamento. O Ministério do Meio Ambiente advoga que essa dispensa só poderia ocorrer caso as atividades consolidadas até 2008 já tenham sido enquadradas no novo Código Florestal. A bancada ruralista defende a dispensa a qualquer tempo. Para o Greenpeace, essa regra pode significar sinal verde para o desmate ilegal, sobretudo na Amazônia, onde a fiscalização do poder público é ineficaz ou inexistente. Há também brechas para a dispensa de licenciamento em caso de obras de infraestrutura.
Outro aspecto extremamente controverso do marco regulatório do licenciamento ambiental é esvaziar o poder do Ibama no processo e conceder autonomia a Estados e municípios para autorizar investimentos. “Vai começar uma guerra ambiental, ao lado da guerra fiscal que já enfrentamos hoje. Ou seja, [se aprovado o texto] haverá concorrência desleal entre os Estados para ver quem reduz as regras de proteção do meio ambiente para atrair mais investimentos”, disse Alessandro Molon.
Não há como negar que o ritmo lento para concessão de licenças ambientais prejudica investidores e importantes empreendimentos, reconhece o diretor-executivo da WWF Brasil, Maurício Voivodic. Mas o texto em discussão no Congresso, disse, “desconsidera totalmente os ritos de licenciamento ambiental”. Dar aos Estados e municípios a prerrogativa de conceder o licenciamento sob o argumento de que o país precisa ser célere nos investimentos, pode ser um tiro no pé, disse Voivodic. “Absolutamente todos os processos de licenciamento serão judicializados. Isso, sim, vai parar o Brasil, e não a atual lei do licenciamento. É legítimo os empreendedores quererem processos de licenciamento mais ágeis, com clareza dos processos, prazos. Com tudo isso eu concordo. Mas da forma como está indo a discussão, vai pelo caminho contrário.”
Com seu pragmatismo ímpar, Leitão admite, ainda, que há outra polêmica sobre “uma tal de área de relevância”. E explica, didaticamente: “Você é dono de uma propriedade rural, produz mamão papaia. Descobriu que lá tem um de uma propriedade rural, produz mamão papaia. Descobriu que lá tem um passarinho do peito azul e bico amarelo que é uma raridade. Aí o Ibama tem todo o direito, de acordo com a proposta deles, de ir lá e cercar aquela propriedade como área de preservação e relevância. Mas a responsabilidade é sua, como produtor, de não deixar o passarinho morrer. O que não concordamos: isso não pode ser feito sem estudo. O Brasil tem que parar de fazer lei sem estudo”.
Se depender da bancada ruralista, qualquer menção sobre área de relevância deve passar longe do marco regulatório do licenciamento. “Tem que gastar dinheiro com tecnologia e fazer um plano diretor das áreas de preservação que precisam ser renovadas ou instaladas, e áreas de relevância. Com estudo técnico. Não pode é dizer: olha, apareceu um passarinho então vou criar uma área ali. E o proprietário, como é que faz? E o planejamento da vida dele?”, disse Leitão.
Há ainda dois temas que os ruralistas querem mexer até o fim do ano: autorizar a venda de terras brasileiras a estrangeiros e também mudar regras referentes ao uso de agrotóxicos no País. Terras estrangeiras é um assunto que só deve começar a ser debatido no mês que vem, diz Leitão. “No meio do caminho”, há ainda mais pólvora: as Medidas Provisórias, a 756 e a 758, que tratavam de novas reservas de preservação ambientais. Essas duas MPs, que tratavam de alterações em áreas ambientalmente protegidas no Norte do País, foram integralmente vetadas por Temer, um dia antes de o presidente embarcar para uma viagem pela Europa. Na Noruega, Temer passou pelo constrangimento de receber, durante a sua visita, o anúncio oficial de que o governo norueguês cortaria o repasse de auxílio ao Fundo para a Proteção da Amazônia por causa do aumento do desmatamento ilegal na região.
Ainda assim, após o evidente desgaste da imagem internacional no Brasil no quesito ambiental, Temer reenviou o tema ao Congresso, por meio de Projeto de Lei (nº 8.107/2017). Volta à pauta a redução da área de proteção da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no Pará. Cerca de 150 entidades ambientais assinam um manifesto contra o projeto, que permite que 354.000 hectares da área sejam transformados em Área de Proteção Ambiental (APA), permitindo assim atividades de pecuária e agricultura.
Os ambientalistas se reviram ao imaginar o impacto das medidas em longo prazo, mas sabem que a vitória dos ruralistas é praticamente garantida, sobretudo porque são altas as chances de o governo voltar a editar medidas provisórias sobre assuntos de interesse da bancada, caso a tramitação no Congresso, via projeto de lei, se mostre um pouco mais lenta ou complexa.
‘Sem profundidade’
O presidente da FPA reagiu com sinceridade rara na política quando questionado se via de fato gravidade na denúncia contra o presidente Temer, ou se, somente por conveniências econômicas, ela perdera relevância. “É o que aconteceu até agora, né? Tanto que na questão da Dilma só cresceu o quórum dentro da Câmara para fazer o impeachment quando a denúncia se somou ao momento econômico, quando estava muito ruim, aí aconteceu essa denúncia.” Por analogia, entende-se que enquanto a economia der sinais de que está prosperando, Temer se salva.
É “relevante” que a denúncia contra o presidente Temer seja apurada, disse Nilson Leitão. Mas a bancada ruralista quer ter o comando do tempo. “Na verdade, o que nós estamos fazendo, é não aceitando a denúncia agora. Mas é apenas um adiamento dela, porque ela vai ocorrer no dia 1º de janeiro de 2019 [quando Temer deixa o cargo] de toda forma”. A pressa do Ministério Público é o que deixa a Frente Parlamentar do Agronegócio incomodada. “O que não pode acontecer é o Ministério Público parar o Brasil, mudar o presidente da República por causa de uma denúncia que não tem nem essa profundidade toda. Mas não é nem essa a questão. O Ministério Público tem lá denúncias de 16 anos atrás que até hoje não desengavetou. Ficou com a do Renan [Calheiros] cinco anos. Ficou com a do Lula desde o mensalão”, justificou, citando justamente o senador peemedebista que rompeu com o governo Temer.
Leitão lista “o que pesou” para o setor produtivo vetar novos turbilhões políticos no país que podem, segundo sua visão, alterar a qualidade do ar. “São projetos importantes, como foi a terceirização, a reforma trabalhista, agora essa resolução que tem força de lei nos condicionantes da Raposa Serra do Sol, a Medida Provisória 759, da regularização fundiária. São temas que estavam na gaveta havia 30, 20 anos.”
Com o vento soprando claramente a favor dos ruralistas na política, Molon admite que “é difícil imaginar avanços na área ambiental neste governo”. “Mas se conseguirmos impedir esses retrocessos já seremos heróis.”
O diretor-executivo da WWF afirma que o desgaste da imagem pública dos políticos, até então, vinha sendo uma ferramenta de resistência dos ambientalistas para barrar projetos no Congresso. Atualmente, observa ele, a avaliação que a sociedade faz dos seus representantes está tão no fundo no poço, que isso deixou de ter efeito. “Estes que nos governam já estão tão manchados por questões de corrupção, que manchar a imagem deles por questões ambientais nem faz tanta diferença.” Realista sobre a força do exército ruralista no Congresso, Voivodic disse que o momento é de controle e minimização de danos. “Hoje o melhor dos mundos é perder de menos. Sabemos que nos próximos 18 meses, muito do que se conquistou na agenda socioambiental brasileira está sob risco e deve ser comprometida. E nada está tão ruim que não possa piorar.”
Fonte: Valor