Retrospectiva jurídica do agronegócio em 2020

Agro: ano marcado pelo novo Coronavírus e por questões contratuais, tributárias, ambientais e trabalhistas. Foto: Pixabay

 

Por Albenir Querubini*

O ano de 2020 foi marcado por uma série de acontecimentos jurídicos relacionados com o agronegócio e o Direito Agrário brasileiro, principalmente pela chamada pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), a qual perdura até o momento. Além disso, questões contratuais, tributárias, ambientais e trabalhistas também estiveram na pauta dos acontecimentos jurídicos mais relevantes para o agro.

Por conta da pandemia, com o Decreto nº 10.282/2020 surgiu no mundo jurídico o conceito de “atividade essencial”, e entre elas estava a atividade agrária (enquadrada no art. 3º, § 1º, inc. XII, do Decreto), razão pela qual o agronegócio brasileiro não parou, em que pese algumas cadeias produtivas tenham sido diretamente afetadas pela crise, a exemplo da cadeia das flores e a hortifruticultura.

Na mesma linha, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento editou a Portaria nº 116/2020, que dispõe sobre os serviços, atividades e produtos assessórios à produção de alimentos e bebidas, essenciais para garantir o abastecimento e a segurança alimentar da população.

Embora o Decreto nº 10.282/2020 tenha prestigiado as atividades agrárias como atividade essencial, registrou-se a ocorrência de conflitos legislativos entre entes federativos, especialmente com relação à comercialização e industrialização dos produtos agropecuários.

Contratos e empregos

No campo contratual, houve grande temor com os efeitos da pandemia sobre os contratos e o cumprimento das demais obrigações de natureza privada, razão pela qual a “teoria da imprevisão”, a “força maior” e o “caso fortuito” foram temas revisitados pelos juristas.

Na área trabalhista houve a edição das Medidas Provisórias nº 927, de 22 de março de 2020, e nº 936, de 1º de abril de 2020, essa última convertida na Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020, dispondo sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda dos trabalhadores.

Auxílio a agricultores

O abastecimento alimentar e a necessidade de auxílio na manutenção de programas de políticas agrícolas referentes aos pequenos produtores rurais também foi uma preocupação dentre as medidas de enfrentamento dos efeitos sociais e econômicos da pandemia.

Nesse sentido, foi publicada a Lei nº 14.016, de 23 de junho de 2020, a qual dispõe sobre medidas sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano.

Na sequência, merece registro a publicação da Lei nº 14.048, de 24 de agosto de 2020 (Lei Assis Carvalho), que trata de medidas emergenciais de amparo à agricultores familiares em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública relacionada ao Coronavírus e impossibilitados de comercializar sua produção também por medidas determinadas pelos executivos municipais.

ITR e Funrural

Na área tributária, um dos assuntos que ganhou a cena em 2020 foi o movimento dos municípios com relação ao aumento da arrecadação do Imposto Territorial Rural – ITR, mediante a reavaliação do Valor da Terra Nua – VTN. A problemática ocorre porque muitos municípios estão reajustando o VTN sem a observância de critérios técnicos e legais, ressaltando que a avaliação do VTN deve ser feita por profissional técnico habilitado (agrônomo).

Além disso, o ano de 2020 também foi marcado por importantes julgados do STF. Um deles se referiu à imunidade do Funrural sobre as exportações, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4735 e do Recurso Extraordinário nº 759.244.

Meio ambiente

O ano de 2020 também foi marcado por polêmicas envolvendo o meio ambiente e o agronegócio, principalmente pelas queimadas e o desmatamento, em especial na região amazônica e no Pantanal, que foram objeto de críticas internacionais contra o Brasil.

Por conta disso, no âmbito legislativo, houve a edição do Decreto nº 10.421, de 9 de julho de 2020, que autoriza o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos Estados da Amazônia Legal.

Em 2020, o STF concluiu o julgamento da ADI nº 5475, ajuizada em 17 de fevereiro de 2016, pelo então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, discutindo o artigo 12, inciso IV, § 7º, da Lei Complementar nº 5, de 1994, do Amapá, alterada pela Lei Complementar nº 70, de 2012, que cuidou da “Licença Ambiental Única (LAU)” para atividades e empreendimentos relacionados à agricultura, pecuária, avicultura e outras, além de extrativismo e de atividades agroindustriais, sem o prévio estudo de impacto ambiental.

O referido julgado merece destaque, uma vez que tramita no Legislativo o Projeto de Lei referente ao Licenciamento Ambiental, o qual poderá trazer reflexos diretos para as atividades agrárias.

No âmbito legislativo, merece grande destaque a edição do Decreto nº 10.375, de 26 de maio de 2020, que  instituiu o Programa Nacional de Bioinsumos e o Conselho Estratégico do Programa Nacional de Bioinsumos, o que pode alavancar o agronegócio brasileiro como potência mundial também em matéria de bioeconomia.

Lei do Agro

Também em 2020 o presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, a chamada MP do Agro (Medida Provisória nº 897/2019), que passou a ser a Lei nº 13.986, de 7 de abril de 2020, a qual foi pensada para modernizar o sistema financiamento privado do agronegócio e garantias prestadas para as operações de financiamento, buscando garantir mais acesso a recursos, ampliando o rol de opções no mercado e almejando como efeitos a redução das taxas de juros e encargos.

Recuperação judicial

Na retrospectiva jurídica do agronegócio brasileiro, o tema da recuperação judicial do produtor rural pessoa física foi objeto de análise de dois importantes julgados do Superior Tribunal de Justiça, que consolidaram a jurisprudência acerca do tema.

Nesse sentido, a Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020, que  altera as Leis 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, atualiza a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária.

Na esteira do entendimento consolidado pelo STJ, a lei prevê que, para atendimento da comprovação do prazo de dois anos de requisição da recuperação judicial, “o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente”.

Em que pese a atualização legislativa regulando a recuperação judicial dos produtores rurais pessoa física, ainda resta como ponto polêmico o veto ao art. 4º da Lei nº 14.112/2020, que afeta diretamente a Cédula de Produto Rural – CPR. Desta forma, caso não seja derrubado o veto pelo Congresso, cabe à atual “análise discricionária” do Juízo de Falências sobre a CPR se sujeitar ou não aos efeitos do processo de recuperação.

Regularização fundiária

Outro destaque desse ano foi a implementação do programa Titula Brasil, com o objetivo de aumentar a capacidade operacional dos procedimentos de titulação e regularização fundiária das áreas rurais sob domínio da União ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O programa, que deverá ser executado diretamente pelo Núcleo Municipal de Regularização Fundiária – NMRF, prevê a possibilidade de participação voluntária pelos municípios, por meio de parcerias com o Incra.

Outras medidas

Também merece menção a publicação do Decreto nº 10.586, de 18 de dezembro de 2020, o qual regulamenta Lei nº 10.711, de 5 de agosto de 2003, que dispõe sobre regras do Sistema Nacional de Sementes e Mudas.

Por fim, o Projeto de Lei nº 5.191/2020, que criou os Fundos de Investimento do Setor Agropecuário (FIAgro), foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 23 de dezembro, e que segue agora para o Senado Federal.

 

*Abernir Querubini é professor de Direito Agrário, membro da União Mundial dos Agraristas Universitários (UMAU), da União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU), além de autor, organizador e colaborador de diversas obras de referência na área agrária e ambiental.

Acesse aqui o artigo na íntegra.

 

Fonte: DireitoAgrário.com

Equipe SNA

 

 

 

 

 

 

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