A colheita da atual safra 2015/16 de grãos no Brasil ainda não terminou, mas uma onda de problemas financeiros começa a tomar força, em um ambiente de crédito já restrito ao campo. Financiadores do agronegócio, ressabiados após a recuperação judicial de grandes produtores em 2015, lidam agora com um cenário de fortes quedas de produtividade em importantes regiões de cultivo, como o oeste da Bahia e o médio-norte de Mato Grosso. O resultado é uma onda crescente de renegociações de dívidas, mas alguns credores estão indo à Justiça executar garantias.
Arrestos estão em curso no norte de Mato Grosso, onde a colheita está na reta final, e há bancos, em especial estrangeiros, com mandados prontos para executar garantias também no oeste da Bahia, onde a colheita está começando, relata o advogado Domício dos Santos Neto, do Santos Neto Advogados.
O escritório, que tem entre seus clientes seis tradings agrícolas e 12 bancos que atuam no setor, protocolou neste ano oito pedidos de arresto contra produtores de Mato Grosso que tiveram perda de produtividade devido à estiagem. “Em linhas gerais, são casos em que a primeira parcela do financiamento venceu no fim do ano passado ou no começo deste ano e não foi paga”, resume Santos Neto.
Bancos estrangeiros estão partindo para a briga judicial por questões relacionadas ao modelo de negócio de cada instituição, explicou o advogado. Já a sinalização de bancos nacionais e tradings neste momento é de renegociar as dívidas, segundo ele. Santos Neto acrescenta que, em alguns casos, a proposta tem sido a de conceder dois anos de carência e pagamento em cinco anos.
Líder na produção de soja no País, o município de Sorriso, no médio-norte mato-grossense, teve decretado estado de emergência pela prefeitura no mês de fevereiro, devido às perdas causadas pela seca. Segundo o presidente do sindicato rural local, Laércio Pedro Lenz, a quebra de produtividade foi, em média, de 15% e se estendeu a outros quatro municípios da região – Ipiranga do Norte, Vera, Gaúcha do Norte e Nova Ubiratã, que também decretaram estado de emergência. Juntas, essas cidades cultivaram em 2015/16 cerca de 1.2 milhão de hectares de soja.
“A decretação do estado de emergência ajuda o produtor a dialogar melhor com os credores privados e é essencial na negociação com o governo”, disse Lenz. Nas contas do sindicato, a frustração na colheita afetou cerca de 50 sojicultores de Sorriso, o equivalente a 10% do total de produtores do município.
Sem mencionar o nome de seus clientes, Névio Manfio, dono do escritório de advocacia que leva seu sobrenome em Sorriso, diz que está defendendo cinco produtores de execuções judiciais movidas por credores. Em todos os casos, houve quebra de rendimento devido à seca. Um desses produtores, conta Manfio, perdeu 29% da lavoura – esperava colher 62 sacas por hectare, mas acabou com 44 sacas. “Está havendo um aumento brutal do número de arrestos. Há cinco ou seis anos não se via isso por aqui”.
Sindicatos rurais do oeste da Bahia também estão pleiteando junto ao Ministério da Agricultura apoio na decretação do estado de emergência em 9 municípios da região, devido à seca que arrasou as lavouras de soja e milho neste ciclo e deve causar perdas de R$ 2 bilhões, nas contas de associações locais.
Uma reunião estava marcada para esta semana com a ministra Kátia Abreu, mas foi adiada, conforme a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA). “A idéia não é perdão de dívida. É apenas uma prorrogação [de pagamentos] aos que necessitarem”, disse Júlio César Busato, presidente da entidade.
Segundo Busato, o alto custo do seguro rural inviabiliza a cobertura dos produtores locais, que acabam dando suas terras em garantia – o que agrava a possibilidade de que muitos tenham de deixar a atividade caso não haja uma renegociação de pagamentos. Os municípios que buscam ser contemplados pela decisão são Barreiras, São Desidério, Riachão das Neves, Formosa do Rio Preto, Baianópolis, Cocos, Correntina, Jaborandi e Luís Eduardo Magalhães.
O clima adverso deve reduzir a produtividade da soja no oeste da Bahia em 33%, em relação ao esperado inicialmente, para uma média de 37 sacas por hectare, calcula a AIBA. No caso do milho, a queda esperada é ainda maior: de 39%, a 115 sacas. A colheita dos dois produtos teve início nos últimos dias, e de forma antecipada, porque muitas lavouras morreram antes do tempo. “No algodão, a perda foi menor, mas as lavouras estão muito novas, ainda não temos uma estimativa”, disse Busato.
A quebra em importantes regiões produtoras de grãos agrava uma situação já delicada vivida por parte dos agricultores do país. A guinada do dólar no ano passado descortinou grandes produtores e empresas do setor (muitos considerados referência no mercado) alavancados na moeda estrangeira e recorrendo à recuperação judicial, caso do Grupo Pinesso e da J.Pupin.
A crise já extrapola a porteira e afeta outros elos da cadeia. Na semana passada, o Grupo Aurora-Sërios, um dos mais importantes produtores de sementes de soja do Brasil, sediado no oeste baiano, ajuizou pedido de recuperação judicial na comarca de Brasília (DF), com dívidas de R$ 298 milhões. “Começamos a ver a crise se mover para fornecedores de insumos. Venho recebendo muitas consultas de interessados em pedir recuperação”, afirma José Luís Finocchio, do escritório Finocchio & Ustra Advogados, que defende a Aurora-Sërios.
O Grupo Bom Jesus, um dos cinco maiores conglomerados agrícolas de Mato Grosso, é outro exemplo. Apesar de grande produtora agrícola, com 250.000 hectares e faturamento de R$ 2.3 bilhões, a empresa foi fragilizada pelos calotes em sua divisão de revenda de insumos. Com uma dívida bancária que supera R$ 2 bilhões, o grupo deve assinar um acordo com bancos credores para reestruturar o passivo, plano que passará também pela venda de ativos, sobretudo terras.
Fonte: Valor Econômico