Tradings, bancos, indústrias de insumos e entidades ligadas ao setor de agronegócios deflagraram uma ofensiva para tentar convencer o Judiciário a não permitir que produtores rurais sem cadastro no Registro Público de Empresas Mercantis por pelo menos um ano possam pedir recuperação judicial sem serem contestados pelos credores.
Dois enunciados aprovados em junho na III Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal abrem esse caminho, embora uma decisão definitiva sobre a questão ainda não tenha sido tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa decisão virá do julgamento do caso do empresário rural José Pupin, um dos maiores produtores de algodão do país, e de sua esposa, Vera Lúcia Camargo Pupin.
O plano de recuperação do casal, que tem dívidas de R$ 92.7 milhões em nome da empresa J. Pupin e de R$ 1.3 bilhão em suas contas pessoais, foi aprovado pela Justiça em junho do ano passado. Mas credores recorreram da decisão sob a alegação de que “não se submete aos efeitos da recuperação judicial o crédito constituído sob o regime não empresarial”. Defenderam, ainda, que seria necessário que os Pupin tivessem inscrição no registro público por pelo menos dois anos.
Renato Buranello, sócio do escritório VBSO Advogados e diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), afirmou que esse período de dois anos pode ser reduzido para um ano, mas sustenta que, sem isso, a estrutura de financiamento do setor, formada por bancos, agroindústrias e tradings, sofrerá sérios danos.
“Não se pode privar o produtor de pedir recuperação judicial. Mas para gerar um ambiente positivo para o crédito privado, é preciso segurança. Hoje estamos sendo obrigados a monitorar os pedidos de registro dos produtores, porque muitas vezes eles são seguidos de uma recuperação judicial”, disse Buranello.
Quando um produtor é financiado na pessoa física e não cumpre seus compromissos com os credores, explica ele, fica sujeito a punições previstas no Código Civil. “Mas se, de um dia para o outro, ele se registra e entra com pedido de recuperação judicial, os credores não conseguem mais receber o que emprestaram”.
Por isso é preciso um prazo mínimo de registro, defende Buranello. “Pelo menos um ano, para que os financiadores possam calcular seus riscos”. Por causa do grande número de pedidos de recuperação judicial de produtores em 2018 e nos primeiros meses deste ano, todos contestados por credores, as tradings anunciaram recentemente que vão reduzir a concessão de crédito aos agricultores na próxima safra de grãos (2019/20).
Como já informou o Valor, cálculos do advogado Euclides Ribeiro da Silva Junior, do escritório ERS Advocacia, de São Paulo, mostram que nos primeiros cinco meses de 2019 houve 43 novos pedidos de RJ de produtores rurais no país, contra 68 em 2018 e apenas 16 em 2017.
Na quarta-feira (26/6), um grupo de representantes de bancos e agroindústrias se reuniu em Brasília com o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), líder da bancada ruralista no Congresso, para tratar do assunto.
Marco Túlio Moraes da Costa, diretor de Agronegócios do Banco do Brasil, que lidera o mercado de crédito rural no país, participou da reunião e saiu bem impressionado. Ele diz que é preciso garantir a previsibilidade do sistema e reduzir riscos para bancos e agroindústrias que financiam os produtores, inclusive com “barter” (troca de insumos pela colheita futura).
Outro participante da reunião, que pediu anonimato, afirmou que bancos e tradings gostariam de resolver a questão das recuperações judiciais com alterações em um projeto de lei (11.101/2015) de autoria do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), cujo texto permite a RJ de produtores apenas com a comprovação de imposto de renda, sem tempo definido de atuação na atividade rural.
Goergen admitiu ao Valor que, diante das queixas de bancos e tradings, deverá começar em breve a discutir possíveis mudanças no texto. Segundo ele, outro problema relatado é que muitos juízes aprovam recuperações de produtores sem os credores terem conhecimento das condições. “Quero propor que o pedido da RJ seja precedido de uma audiência de conciliação entre as partes”, disse.
Segundo um terceiro participante da reunião de quarta-feira, Alceu Moreira pediu aos presentes um projeto que contemple não apenas as recuperações judiciais. Ele quer um pacote completo com medidas para melhorar o sistema, que inclua seguro de renda e mais alternativas para os produtores se financiarem. E, aos bancos, voltou a pedir a redução dos juros nas operações com recursos livres, cujas taxas não são equalizadas pelo Tesouro.
Valor Econômico