A recuperação judicial de produtores rurais ameaça o sistema de financiamento do agronegócio no Brasil, especialmente se uma corte superior decidir ser favorável aos fazendeiros endividados que atuaram como pessoa física. A constatação é de um estudo realizado pela MB Associados.
O trabalho, feito a pedido da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) antes da decisão de um “leading case” no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alerta que, no caso de uma jurisprudência favorável a agricultores, credores passariam a ter uma nova postura, reduzindo o crédito e elevando taxas de juros, o que poderia ter impacto na produção brasileira.
Além disso, estaria em risco o principal instrumento viabilizador do acesso ao crédito, a chamada Cédula de Produtor Rural (CPR), que alguns querem incluir no processo de recuperação judicial. É por meio da CPR que fica garantida a entrega da colheita no futuro em troca do recebimento, pelo fazendeiro, de recursos antecipados para financiar a safra.
“Nos processos em andamento, os produtores envolvidos têm solicitado que os volumes comprados antecipadamente sejam incluídos na recuperação judicial para, com isso, evitar o cumprimento da obrigação de entregar o produto, e abrir a possibilidade de realizar a venda por mais uma vez”, apontou o estudo.
Segundo a MB Associados, não há dúvida de que o impacto sobre esse mecanismo de financiamento será amplo, transformando a CPR em algo marginal. “Se isso acabar sendo validado, o impacto na concessão de crédito vai ser enorme. Daí a preocupação de todos envolvidos nesta área”, disse à Reuters o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.
A consultoria apontou cerca de 60 processos de recuperação judicial de produtores rurais tramitando em tribunais estaduais e cortes superiores. Embora sejam apenas algumas dezenas de processos, eles poderiam ter repercussão em todo o setor, dependendo da decisão do STJ relacionada ao Grupo J. Pupin, caso emblemático pautado para dia 5 de novembro.
O STJ vai definir se dívidas contraídas antes do pedido de recuperação judicial, quando o agricultor era pessoa física, poderão integrar o processo de RJ. “Entendemos que ao empresário rural não é obrigatório o registro na Junta Comercial”, argumentou a advogada Joana D’Arc Amaral Bortone, do Trindade & Reis Advogados Associados, que está à frente do caso de J. Pupin. Segundo ela, até o momento há um empate em um a um neste processo no STJ e outros três ministros deverão votar.
A advogada esclareceu que o STJ não vai analisar se o agricultor precisa ter o registro como pessoa jurídica por dois anos para entrar com pedido de recuperação judicial, até porque, para entrar com um novo processo, o grupo J. Pupin cumpriu esse prazo como PJ.
Mas, para Mendonça de Barros, as recuperações judiciais de produtores rurais denotam uma “enorme dose de oportunismo”, pois, ainda que alguns agricultores se registrem como pessoa jurídica para fazer jus à proteção contra credores, seu “único objetivo é ter um desconto na dívida”.
Desde 2016, segundo a MB Associados, alguns produtores pessoa física têm subitamente se registrado como pessoa jurídica com pedidos de recuperação judicial, buscando contornar um impedimento legal da pessoa física para acessar os benefícios da chamada RJ.
Pela legislação, destaca o estudo, para ter direito a recuperação judicial, o agricultor precisaria ter dois anos de atividade como pessoa jurídica.
A possibilidade de a RJ abarcar operações realizadas quando o produtor era pessoa física atinge todos os agentes do setor, mas especialmente as associadas da Abiove e fornecedores de insumos, que fazem operações de “barter”, ou seja, a troca de insumos por quantidades pré-estabelecidas de grãos a serem colhidos no futuro.
Mendonça de Barros disse que a partir do pronunciamento do STJ, haverá mais clareza sobre os riscos da recuperação judicial para o setor. Ainda assim, ele acredita que as tradings já foram mais cautelosas na concessão de crédito na safra atual.
Caso o STJ decida favoravelmente ao produtor, especificamente no caso do Grupo J. Pupin, todo o setor, inclusive fornecedores de insumos e bancos, vão elevar as exigências para ofertar o crédito. “A primeira reação, o sarrafo para concessão de crédito será muito elevado”, disse o consultor.
Na avaliação da MB Associados, cada 10% de diminuição na oferta de crédito gera um impacto negativo proporcional no volume a ser produzido. O impacto pode ser grande, considerando que, nas condições atuais, o produtor brasileiro financia 60% de uma safra.
Explodir CPR?
Para o presidente da Abiove, André Nassar, se o STJ considerar válido o caso do grupo J. Pupin, a CPR, um dos pilares da concessão de crédito do setor, “vai perder totalmente a credibilidade”. “Ali é um caso decisivo, dependendo da decisão, vai criar uma jurisprudência. Se os ministros votarem a favor do caso do Pupin, vai explodir para todo mundo”, afirmou.
“Ninguém vai acreditar (em CPR) como garantia, porque ele (produtor) vai poder vender duas vezes o produto, se ele quiser”, afirmou Nassar, acrescentando que alternativas de legislação estão sendo discutidas junto ao Ministério da Economia.
O Presidente da Abiove mencionou que há uma proposta do setor de desenvolver uma legislação de recuperação creditícia do produtor pessoa física, mas não uma que configure recuperação judicial.
Para Antonio Galvan, presidente da Aprosoja-MT (associação de produtores de Mato Grosso), os integrantes do setor devem ter a possibilidade de entrar em recuperação judicial.
“Não abrimos mão do direito. Até porque, como pessoa física, nós levamos calote da pessoa jurídica. Tem de envolver toda a dívida. Os direitos têm de ser iguais”, disse ele, lembrando que seus negócios também foram afetados pelos efeitos de uma RJ de empresa de fertilizante.
Reuters