Racha agrícola na OMC opõe Brasil e EUA contra aliança entre Índia e UE

Em meio a uma forte confrontação na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil juntou forças com os EUA e outros exportadores agrícolas ontem e reagiu à demanda da Índia, apoiada pela União Europeia (UE), que ampliaria distorções no comércio agrícola internacional, segundo fontes.

As divergências entre dois grandes emergentes sócios do Brics (grupo que inclui Rússia, China e África do Sul) ilustra a dificuldade de acordos, mesmo modesto, não só em agricultura, como em todos os temas da agenda, quebra de patente para remédios contra o Covid-19, corte de subsídios no setor de pesca, moratória para transmissões eletrônicas e reforma da OMC.

“A tensão existe em todos os temas e temos que continuar dançando, porque ninguém sabe até onde é blefe ou posição final de certos países’’, disse um Embaixador. Mesmo a conclusão da conferência com mais de 100 Ministros estava incerta. O prazo termina hoje às 13h do Brasil (18h em Genebra). Mas a Diretora-Geral, Ngozi Okonjo-Oweala, disse ter recebido pedido de algumas delegações para a conferência ser estendida por mais um dia e colocou o tema em consideração até a manhã de hoje.

“Ainda estamos otimistas”, resumiu o porta-voz da OMC, Daniel Pruzin. “A boa notícia é a disposição de todos de trabalhar. A má notícia é que o tempo está correndo.” Intensas negociações prosseguiam em grupos pequenos. A representante comercial dos EUA (USTR), Katherine Tai, voltou à OMC quase às 23h de ontem para novas barganhas.

Na sensível questão sobre estoques de alimentos, em meio à explosão da inflação e iminente crise alimentar global, a Índia continuou elevando as demandas. Por exemplo, permitir que um país possa exportar de governo a governo (G2G) alimentos de seus estoques públicos, vendendo abaixo do preço mundial. Na prática, isso permitiria o retorno de subsídios à exportação agrícola cuja interdição foi um dos avanços ocorridos nos últimos anos na OMC.

A União Europeia passou a apoiar a Índia para obter um “waiver” (suspensão de certas regras) nessa direção. Com isso, a Índia não poderia ser questionada pelos outros países diante dos juízes da OMC nesse período. Além disso, a UE apoiaria um mandato para revisão das atuais regras de subsídios à exportação agrícola na OMC, para prever condições particulares para um país poder vender produtos eventualmente a preços subsidiados em momentos de crise, como a atual.

Segundo fontes, em troca os europeus esperavam que Nova Déli não bloqueie possibilidades de acordos em outras áreas. Na OMC, as decisões são tomadas por consenso. Se a Índia bloquear sozinha um acordo, os outros 163 países não conseguem fazer valer o entendimento.

Mas não passou despercebido para ninguém que a UE anunciará nesta sexta-feira a retomada de negociação de acordo de livre comércio com a Índia, país que cresceu 8,70% no ano passado e com estimativa de expandir 6,90% neste ano, e é atraente para empresas europeias em busca de novos negócios.

O Brasil reagiu logo cedo com uma contraproposta à da Índia, copatrocinada pelos EUA, Canadá, Argentina, Uruguai, Paraguai, Austrália, Nova Zelândia e México. A avaliação é de que a proposta indiana estimularia a acumulação de estoques públicos de alimentos para fins de exportação e não para fins de segurança alimentar, como é o objetivo oficial. Desajustaria mercados em situação normal e, em momentos de crise, inundaria o mercado. E também deslocaria mercados. Ou seja, a Índia acumula estoques públicos de alimentos que depois poderia exportar, sobretudo em tempos de crise. Com isso, consolida uma posição em outros mercados em detrimento de países que não subsidiam a agricultura, como é o caso do Brasil.

O Secretário de Comércio Exterior e de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Sarquis J.B. Sarquis, disse ter constado nas discussões sobre agricultura “apoio amplo para a aprovação de mandato abrangente de negociações a partir dessa conferência sobre diferentes modalidades em agricultura: apoio doméstico, acesso a mercados, estoques públicos, transparência e restrições a exportações”.

Segundo o Secretário, países da América Latina e do grupo de Cairns (cujos membros fazem 25% das exportações agrícolas globais) conseguiram avançar teses sobre a necessidade de garantir comércio agrícola mais livre. Segundo ele, se for aprovado o mandato (na mesa), segundo texto proposto pela diretora da OMC, esses países poderão submeter novas propostas em cada modalidade e seguir discutindo sobre estoques públicos com base nas propostas do Brasil e da Índia-G33 já apresentadas. Mas a Índia tem outra visão do tema.

Fonte: Valor 
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp