A cadeia produtiva do leite no Estado do Rio deverá ganhar maior força nos próximos anos com a fabricação de queijos artesanais. É cada vez maior a preocupação do governo estadual em garantir incentivos para os produtores desse segmento, a fim de tornar a atividade mais competitiva economicamente.
Além disso, os queijos especiais poderão abrir novas oportunidades de mercado. Para o secretário estadual de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento, Marcelo Queiroz, o Rio tem grande potencial para despontar na elaboração desses produtos.
“O estímulo à produção de queijos artesanais possibilitará agregar valor ao produto, além de permitir o reconhecimento de valores culturais locais e também o desenvolvimento econômico”, destaca o secretário.
Segundo ele, a Secretaria de Agricultura está trabalhando na valorização e no incentivo desta produção, com o objetivo de garantir qualidade e segurança para o consumidor.
“Hoje, em nosso estado, temos mais de 100 laticínios registrados no Serviço de Inspeção Estadual que fabricam algum tipo de queijo, muitos destes com registro pelo Prosperar (programa de incentivo à agroindústria familiar)”, afirma Queiroz.
Lei
Atualmente, a atividade está amparada pela Lei estadual 9059, de 15 de outubro de 2020, que dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais no Rio. Segundo a legislação, os queijos especiais, além de receberem o selo do serviço de inspeção oficial, devem ser identificados por um selo único denominado Arte, com observância aos procedimentos definidos pelo Ministério da Agricultura.
Ainda de acordo com a Lei, os produtos que recebem o selo Arte poderão ser comercializados para outros estados, para o Distrito Federal e também exportados, desde que em conformidade com o previsto na Lei Federal nº 7.889, de 23 de novembro de 1989.
O diretor jurídico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Frederico Price Grechi, afirma que a Lei 9059/2020 está em sintonia com as finalidades da política agrícola ao estimular a produção e comercialização dos queijos artesanais pelos pequenos produtores rurais, “sem prejuízo de assegurar o direito à informação ao consumidor final dos dados necessários, desde que estampados no produto”.
Estímulo e desafios
Para o diretor técnico da SNA, Alberto Figueiredo, a produção de lácteos artesanais, principalmente queijos, é uma importante alternativa para estimular os produtores no estado, que, segundo ele, sofrem com o baixo preço final pago pelo litro do leite – fato que gera desestímulo e muitas vezes o abandono da atividade.
No entanto, Figueiredo assinala que, nesse contexto, alguns obstáculos precisam ser superados. “Não há técnicos especializados para orientar os produtores quanto à construção do espaço físico da produção artesanal, e nem receitas para a formulação desses produtos em condições adequadas de higiene, sabor e conservação.”
Outro desafio, segundo o diretor da SNA, é o da comercialização. “Não há a menor condição dos produtores isolados atingirem o mercado final e aí eles são induzidos à clandestinidade. Aqueles que possuem veículo colocam os produtos na mala do carro, estacionam em uma praça de um município do interior, por exemplo, e tentam vender aos consumidores.”
Porém, assinala Figueiredo, “esses produtos não têm legalidade para estarem numa lojinha e nem na gôndola de um supermercado.”
Esforços conjuntos
Em defesa da regulamentação do setor, o especialista observa que o estado ainda conta com um “serviço frágil” de inspeção de produtos de origem animal e que a Lei 9059/2020 poderá, de certa forma, suprir essa lacuna.
Além disso, afirma Figueiredo, “a maioria das prefeituras não possui um serviço de inspeção que possa legalizar a atividade dos pequenos produtores”.
Diante desse quadro, o diretor da SNA enfatiza a necessidade de uma coordenação de esforços entre entidades públicas e privadas, para estimular a produção de lácteos artesanais, principalmente na agricultura familiar, com a garantia de assistência técnica e consultorias, e promover um ambiente de inspeção mais adequado para a legalização, de forma menos burocrática, dos estabelecimentos produtivos.
Cooperativas
Figueiredo chama também a atenção para a necessidade de um trabalho paralelo junto à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) para a criação de cooperativas destinadas à comercialização.
“Neste caso, será uma cooperativa virtual que irá receber pelo WhatsApp informações sobre a disponibilidade dos produtos, e que pelo mesmo aplicativo irá entrar em contato com os consumidores, sejam eles pequenas padarias, mercearias ou grandes supermercados. Essa mesma cooperativa irá definir um sistema logística para colocar esses produtos no mercado.”
Iniciativas
Parte dessas propostas já começam a ser delineadas. Recentemente, a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) solicitou à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a criação de um programa de assistência técnica aos produtores agroartesanais, nos mesmos moldes do projeto Balde Cheio.
Outra proposta prevê a criação do Rispoarte (Regulamento de Inspeção Sanitária de Produtos de Origem Animal Artesanais), que deve contribuir para ampliar a concessão do selo Arte.
Ambas as iniciativas deverão beneficiar 175 mil famílias produtoras de queijos e outros derivados lácteos artesanais. Para Geraldo Borges, presidente da Abraleite, a criação do Rispoarte oferecerá orientações específicas para os produtos artesanais. “Teremos um regulamento mais atualizado e adequado.” As propostas, lembra o executivo, vêm sendo discutidas com a Embrapa desde março.
Pecuária leiteira
De forma geral, a pecuária leiteira no Estado do Rio vem perdendo espaço no mercado interno nos últimos anos. “Nós já produzimos 70% daquilo que era consumido no estado, e hoje não conseguimos atingir o patamar de 20% de nosso consumo. Mas temos potencial para produzir mais”, ressalta Figueiredo.
Segundo o diretor da SNA, o leite que é importado para consumo, a granel ou industrializado, “concorre com as indústrias tradicionais do estado, tanto pela economia de escala quanto por incentivos concedidos pelo próprio governo estadual, para a implantação de escritórios dessas indústrias, que pela simples troca de notas fiscais, acabam usufruindo de benefícios tributários”.
Por conta disso, acrescenta Figueiredo , “os produtores vinculados a essas indústrias, e principalmente às cooperativas estaduais, obtém uma remuneração pelo produto menor do que precisariam”.
Subsídio
O diretor lembra que, há mais de 20 anos, o estado criou um programa de subsídio à produção interna por meio do crédito presumido. Neste caso, as indústrias recebem o leite do produtor isento de ICMS, mas o governo do estado concede autorização para que elas abonem um valor próximo a 14% dessa compra, com a condição de que esse recurso seja totalmente devolvido ao produtor.
“Infelizmente, isso não acontece”, adverte Figueiredo. “As indústrias usufruem desse benefício, mas não devolvem o valor ao produtor. Até aparece no contracheque dos produtores o valor correspondente a esse incentivo fiscal, mas se formos analisar o valor final pago pelo litro de leite, ele é igual ou um pouco menor em relação a outros estados como Minas, São Paulo ou Rio Grande do Sul, por exemplo”.