Lançado duas safras atrás cercado de expectativas, o programa de incentivo à construção de armazéns tinha a missão de mitigar o déficit de estocagem agrícola no país, com a promessa de oferecer ao setor R$ 25 bilhões ao longo de cinco anos. Mas em meio à série de remanejamentos de crédito na nova safra 2015/16, o projeto ‘desidratou’ e, diante de uma oferta de recursos mais enxuta e juros elevados, cresce a expectativa de que produtores tenham de recorrer ao próprio bolso ou mesmo colocar o pé no freio nessa frente de investimentos.
Nas temporadas 2013/14 e 2014/15, o agricultor ou empresa agrícola interessado em reforçar suas estruturas de armazenagem tinha à disposição R$ 3,5 bilhões do Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), que era completado por R$ 1 bilhão do PSI-Cerealistas e de outras linhas menores. Assim, havia um montante próximo de R$ 5 bilhões – que, nas contas iniciais do governo, seria destinado anualmente ao setor até 2017/18.
No novo plano safra, que vigorará a partir de 1º de julho, esse pacote foi reduzido para menos de R$ 3 bilhões, com R$ 2 bilhões para o PCA e R$ 400 milhões para o PSI-Cerealistas. Já as taxas de juros dessas linhas, que até a safra passada variavam de 4% a 6% ao ano, subiram para 7,5% a 10%.
De acordo com uma fonte do governo, o Ministério da Agricultura realizou pesquisas com associações de produtores rurais e constatou “não haver o mesmo ímpeto de demanda por investimentos que se teve nos últimos anos”. E que, no caso do PCA, há um histórico de contratações abaixo do inicialmente ofertado.
De julho de 2014 a abril de 2015, foram aplicados R$ 3,08 bilhões pelo PCA (entre operações em análise, aprovadas e desembolsos efetuados), segundo dados do próprio ministério, valor que pode chegar próximo dos R$ 3,5 bilhões programados, tendo em vista que o ciclo se encerra no fim de junho. Desde o lançamento dos programas – portanto do início da safra 2013/14, em julho de 2013, até abril de 2015 – foram aplicados R$ 8,06 bilhões pelo PCA e o PSI-Cerealistas, ante uma oferta total de R$ 9 bilhões.
Procurado, o Ministério da Agricultura, por meio de sua assessoria de imprensa, informou não ter localizado um porta-voz para comentar o assunto.
Na avaliação de Adolfo Petry, coordenador da comissão de política agrícola da Aprosoja-MT, associação que representa o maior Estado produtor de grãos do país, houve uma “enorme procura” por esses recursos no Estado. “Tínhamos muitas propostas nas instituições financeiras, mas ficamos enrolados na burocracia”, disse.
Segundo Petry, o déficit de armazenagem em Mato Grosso está na casa de 30 milhões de toneladas. Em todo o Brasil, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) trabalha com um déficit de 52,5 milhões. “Mas a demanda [por infraestrutura de estocagem] continua latente. A questão é o cenário internacional desfavorável para as commodities, assim como para qualquer setor da economia brasileira. Então, não é o momento de fazer grandes investimentos”, concluiu.
Conforme o vice-presidente de agronegócios do Banco do Brasil, Osmar Dias, o governo buscou garantir mais recursos para o custeio no Plano Safra 2015/16. Não por acaso reduziu em R$ 10 bilhões o volume de crédito a juros subsidiados para investimentos, onde se encaixam o PCA e PSI.
Dias ressaltou que, nas duas últimas temporadas, os agricultores preferiram comprar máquinas a investir em silos ou armazéns. “Nas duas primeiras safras do PCA, não houve a demanda esperada, nunca liberamos [o Banco do Brasil] mais de R$ 3,5 bilhões por safra”, afirmou. O BB é o maior repassador do crédito rural. “Mas esperamos que esses R$ 2 bilhões para a próxima safra sejam todos contratados, assim como toda a oferta de crédito controlado para investimentos”, projetou Dias.
Para a Kepler Weber, uma das principais fornecedoras de equipamentos para armazenagem do país, o Plano Safra foi positivo ao manter no PCA o prazo de financiamento (15 anos), o tempo de carência (três anos) e a possibilidade de financiar a obra civil. O lado negativo, ressaltou Olivier Colas, vice-presidente e diretor de relações com investidores da empresa, é que de todas as linhas de investimento, essa foi a mais reduzida. “Não é um bom sinal mandado para o mercado, inclusive porque investir em armazenagem é uma solução eficiente para contornar gargalos dos portos”.
O executivo avalia que o segmento está passando de um sistema “altamente assistido, com taxas de juros baratíssimas”, para um mais criterioso – o que deve incluir maior seletividade dos bancos na concessão de crédito. “Não acho que o mercado vai cair na mesma proporção que a verba alocada por esses programas. Como a demanda ainda é alta, alguém terá que pôr mais a mão no bolso, por isso os recursos próprios tendem a circular mais”, previu.
O pacote de apoio à armazenagem do governo turbinou as vendas da Kepler. Nos últimos dois anos, o faturamento da empresa mais que dobrou, de R$ 424,4 milhões, em 2012, para R$ 905,8 milhões no ano passado. A companhia e suas rivais, juntas, ajudaram a ampliar entre 6 milhões e 8 milhões de toneladas a capacidade de estocagem do mercado, conforme Colas, menos do que o ritmo que a safra nacional avançou. Assim, o déficit não foi reduzido, apenas mantido, destacou ele. “Parece claro que a oferta de R$ 25 bilhões não vai ocorrer. Com isso, a indústria também terá de rever algumas prioridades de investimentos”.
Fonte: Valor Econômico