Sojicultores do Brasil têm retido as vendas de sua produção o máximo possível, esperando por um “milagre” de recuperação dos preços, em uma estratégia de apostar contra os fundamentos de baixa do mercado, que pode levar a perdas ainda maiores até o fim do ano.
Uma das poucas hipóteses de repique nas cotações seria a ocorrência de problemas no clima durante o desenvolvimento das lavouras dos Estados Unidos, uma aposta de produtores brasileiros que se mostrou acertada em vários anos.
Mas a questão é que neste ano, os fundamentos apontam para fortes fatores baixistas, como um plantio de área recorde nos EUA, maiores produtores globais, enquanto a safra do Brasil, maior exportador mundial, deverá superar 110 milhões de toneladas.
“A safra 2016/17 já teve seu momento bom de preços. Para os novos negócios, os produtores estão à espera de um milagre”, disse o diretor da corretora ASP, Ademir Sari, que negocia a safra de produtores da região de Primavera do Leste, em Mato Grosso.
Desde meados do ano passado, quando alguns produtores já fechavam negócios de venda antecipada, os preços no mercado brasileiro só fizeram cair, pressionados pela combinação do dólar e das cotações de Chicago em queda. A saca da soja negociada no porto de Paranaguá, um termômetro dos preços no mercado doméstico, chegou a uma máxima histórica de R$ 93 em junho, tendo despencado para cerca de R$ 64 atualmente, segundo o Indicador Esalq/BM&FBovespa.
Segundo o corretor, houve negócios fechados meses atrás acima de R$ 80 por saca, enquanto os preços atuais, com a safra toda colhida em Primavera do Leste, giram em torno de R$ 53, o que provoca um efeito psicológico muito forte sobre a decisão de vendas dos produtores.
Na região Sul, que inclui dois dos três maiores estados produtores de soja do país, Paraná e Rio Grande do Sul, a retração dos sojicultores é ainda mais expressiva. A comercialização por lá alcançou apenas 27% da safra, contra 49% da média dos últimos cinco anos, segundo dados da consultoria AgRural.
“Aqui no Paraná, a produção é baseada em pequenas propriedades, mais diversificada. A soja não é a única fonte de renda, então os produtores estão tranquilos, à espera de preços melhores”, disse Dilvo Grolli, presidente da Coopavel, cooperativa que reúne cinco mil agricultores.
Por outro lado, estudo da consultoria Céleres mostra que há muitas chances de os preços no futuro ficarem abaixo do custo de manutenção dos grãos em estoque até o final do ano. A avaliação considera valores de comercialização e os custos de armazenagem e de oportunidade.
Em um cenário baixista de preços, que é o mais provável no momento, um produtor de Rondonópolis (MT) conseguirá vender sua produção a R$ 48,75 por saca em novembro de 2017, enquanto ele poderia ter obtido um valor de R$ 60,56 por saca se tivesse vendido a soja em março, investindo o dinheiro e evitando qualquer gasto com armazenagem.
“Não vale a pena guardar soja este ano”, disse o diretor da Céleres, Anderson Galvão, em entrevista à Reuters.
Ele revelou, no entanto, que o produtor ganhou dinheiro na maioria das vezes em que guardou a soja para vender mais à frente nesta década. “O produtor perdeu dinheiro deixando a soja armazenada para vender mais adiante em apenas três safras desde 2009/10”.
TENDÊNCIA DE PREÇOS
Enquanto diversas consultorias têm elevado suas previsões para a atual safra brasileira, que está no fim da colheita, para um recorde de mais de 110 milhões de toneladas, o USDA estimou o plantio da nova safra norte-americana de 2017 em uma área recorde.
Os preços de soja para entrega em novembro de 2017, com isso, acumulam perdas de mais de 5% na bolsa de Chicago nos últimos 30 dias. Já o dólar deverá manter uma relativa estabilidade até o fim do ano, segundo o boletim Focus, do Banco Central, minando esperanças de alta expressiva dos preços da soja no mercado brasileiro.
“A evolução da comercialização (no Brasil) vai depender agora de quanto os produtores estarão dispostos a esperar para vender mais adiante, numa eventual recuperação dos preços. Quem estiver mais capitalizado tende a segurar”, disse a analista Daniele Siqueira, da AgRural.
Segundo a consultoria, as vendas de produtores brasileiros atingiram 49% da safra até o fim de março, contra 63% da média histórica. É o menor percentual para este período desde a safra 2009/10.
MERCADO CLIMÁTICO
O “milagre” que os produtores esperam, na palavra do corretor de Primavera do Leste, seria traduzido em um problema climático no decorrer da safra norte-americana, que está começando a ser plantada.
“Estamos entrando em pleno ‘mercado climático’ para a safra 2017/18 dos EUA. Se focarmos somente na realidade do que hoje acontece no mundo, temos muita soja e este número pode ficar ainda maior. No entanto, principalmente durante o mercado climático para os EUA, a percepção várias vezes toma, pelo menos temporariamente, o lugar da realidade”, disse o diretor da consultoria MD Commodities, Pedro Dejneka, em Chicago.
Segundo ele, os preços em Chicago subiram no período de abril a julho em 16 oportunidades nos últimos 20 anos, mesmo em safras de grande oferta global.
“O mercado acaba dando algumas oportunidades (com repique de preços) entre este período de abril e julho. Esta possível alta deve ser aproveitada por produtores globais para a trava de preços”, disse o analista.
A retração das vendas dos produtores, neste cenário de incertezas sobre os preços, já tem mostrado pelo menos um efeito prático: as filas de navios para embarques de soja nos portos brasileiros estão menores do que no ano passado, com as tradings focando em acordos para exportações mais próximas.
Esse movimento não tem afetado, no entanto, as previsões de exportações para o ano. As associações dos exportadores estimam embarques recordes de cerca de 60 milhões de toneladas de soja do Brasil.
Fonte: Reuters