O aumento da oferta de leite no mercado produtor desde o segundo semestre do ano passado fez despencar os preços pagos pelo produto, agravando a situação financeira de muitos pecuaristas, especialmente os do Sul do país, onde predomina a produção de base familiar. Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, apontam que de junho de 2014 a janeiro deste ano os preços ao produtor caíram 18,5%, passando de R$ 1,0128 o litro para R$ 0,8446, segundo a média Brasil do preço líquido nominal — que considera os valores comercializados em sete regiões produtoras do país.
Com as margens de lucro comprometidas, a saída para muitos pecuaristas de gado leiteiro têm sido arrendar suas terras para a produção de cana-de-açúcar, vender o rebanho ou migrar para a pecuária de corte, aproveitando a valorização dos preços da carne bovina no mercado externo, segundo o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite, a Leite Brasil, Jorge Rubez. “Houve uma queda das vendas nos supermercados e, havendo queda no consumo, existe um desinteresse das indústrias de pagar bem pelo leite. Nessa sobrevivência, o produtor acaba empobrecendo o trato com os animais e eles entram em queda de produção”, diz.
Muito além de uma retração da demanda, para o engenheiro Agrônomo da Esalq/USP, Wagner Hiroshi Yanaguizawa, o mercado consumidor de leite não conseguiu fazer frente a um aumento forte da produção, o que acabou por puxar para baixo os preços do produto pagos na fazenda. “Em 2013, os preços pagos aos produtores se mantiveram em patamares muito elevados com relação a anos anteriores. Com a margem de lucro maior, o produtor investiu na própria atividade, na forma de infraestrutura, genética de animal ou adubação do solo. Consequentemente, em 2014 tivemos essa alta oferta de leite, o que levou para baixo os preços”, avalia.
O Índice de Captação de Leite do Cepea (ICAP-L) mostra uma aceleração mensal, a partir de junho de 2014, com uma pequena retração em outubro, de 0,40%. No acumulado de junho a dezembro de 2014, a captação aumentou 25,66%. “Não houve teoricamente queda na demanda. Na verdade, a demanda não acompanhou a oferta elevada de leite. Como houve um acúmulo de estoques na indústria, a queda sazonal do período de dezembro a fevereiro veio muito mais forte”, acrescenta Yanaguizawa, apontando que só na passagem de dezembro para janeiro os preços recuaram 5,82%.
Segundo o especialista, a retração há oito meses seguidos tem se tornado insustentável para os produtores familiares, típicos do Sul do país. “Com as margens apertadas e o preço caindo mês a mês os produtores se vêm obrigados a lidar com os custos altos de produção, especialmente os do farelo de soja e milho, que respondem por 43% dos gastos. Em Minas e São Paulo, onde o tipo de produção é maior, a rentabilidade vem por escala e se consegue segurar um pouco mais essa queda nos preços. No entanto, a situação é mais difícil no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde as propriedades são menores e a produção do tipo familiar”, observa.
As fraudes na produção de leite também tornaram a situação dos produtores do Sul ainda mais complicada. Com o boicote à compra de leite nessas regiões, os produtores se vêm obrigados a tentar liquidar o produto em mercados próximos, como São Paulo, o que acaba por rebaixar ainda mais o preço do produto. “Lá o desafio dos produtores se agrava, pois eles tem que lidar também com essa interferência”, diz Yanaguizawa.
O cenário ao produtor, no entanto, deve ser de melhora a partir de março. Analista da Scot Consultoria, Rafael Ribeiro avalia que o consumo tende a aumentar com o fim das férias escolares e o período de entressafra, que deve vir a reduzir os estoques no mercado. “Já se percebe essa estabilização nos preços do leite nessas primeiras semanas de fevereiro. Logo, tudo isso reforça que os preços parecem ter chegado ao piso nessa temporada”, afirma.
Já para o consumidor, o leite deve continuar com preços baixos. Segundo cálculos da consultoria, da primeira quinzena setembro de 2014 até a segunda quinzena de janeiro de 2015, o leite longa-vida caiu 19,9% no atacado e, no varejo, a retração chegou a 7%.
Fonte: Brasil Econômico