Por Marcelo Sá
Equipe SNA
O Brasil é o líder mundial na produção e exportação de gêneros alimentícios, mas, infelizmente, também desperdiça boa parte desse montante. Um levantamento recente, feito pelo recém-criado Pacto Contra a Fome, aponta que pouco mais da metade do descarte acontece durante a produção e colheita, e no momento imediatamente posterior, que abrange o armazenamento e transporte. O movimento de entidades como essa visa mapear e corrigir os fatores que levam às perdas, no sentido de otimizar o aproveitamento da produção, estimulando também doações.
As frutas e hortaliças são os itens mais desperdiçados, seguidos por tubérculos e laticínios. Nas centrais atacadistas, como a CEAGESP, onde chegam os produtos das lavouras, já se vê um esforço para melhorar e padronizar as caixas de transporte, em materiais resistentes ao calor e manuseio, de modo a que os responsáveis pelo frete possam investir nesse aprimoramento sem elevar o custo final. Também se percebe maior preocupação na ordem de empilhamento e padronagem dos pallets. Isso minimiza a deterioração precoce das cargas.
Mesmo que o valor comercial se perca, alguns bancos de alimentos arrecadam doações nessas centrais para, após cuidadosa triagem, repassá-las a ONGs, que se encarregarão de matar a fome de quem precisa. Atualmente, cerca de 21 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar no País, segundo estimativas da FAO.
As pequenas propriedades rurais também desempenham papel importante nesse cenário. Um projeto piloto em Paranoá (DF), busca amenizar o desgaste das hortaliças com mudanças simples, tais como colher e embalar os itens em ato contínuo, geralmente no começo do dia, para poupar as plantas do sol forte e manuseio excessivo. Assim, pés de alface, por exemplo, já saem da lavoura preservadas, tendo sido tocadas por apenas dois funcionários. As sobras podem passar por beneficiamento para que possam seguir para o consumidor, ou então servem para alimentar o gado.
O cooperativismo rural é outro alicerce do combate à fome a ao desperdício. Isso porque essas associações conseguem captar subsídios de empresas interessadas em patrocinar projetos sociais, fazendo com que cooperados possam escoar, por um valor justo, partes de produção que estragaram ou foram rejeitadas por qualquer motivo. Assim, mais alimentos chegam a quem, em circunstâncias normais, não teria acesso a eles.
Uma queixa marcante de quem coordena essas iniciativas é a facilidade com que as redes varejistas rejeitam produtos em perfeito estado de consumo, muitas vezes por razões banais, como deformidades estéticas ou embalagens fora do padrão. Isso leva a maior desperdício porque são critérios de exigência que não estão atrelados à qualidade do alimento, fazendo com que muita comida boa acabe no lixo.
Os grãos não escapam do desperdício. Mesmo com o salto de produção dos últimos quatro anos, e expectativa de safra recorde para 2023, cerca de 30 kg ainda se perdem por hectare. O maquinário de ponta passa por constantes ajustes para monitorar e mitigar as perdas, através de controles digitais que nivelam as peças fundamentais para a colheita.
Segundo dados de um estudo da CONAB, apenas em 2020 o Brasil produziu 244,8 milhões de toneladas de grãos, sendo que 15% desse total ficou pelo caminho, nas diversas etapas do processo. O equivalente a quase R$ 85 bilhões perdidos, valor que poderia comprar 135 milhões de cestas básicas, alimentando 11 milhões de pessoas por ano. São números alarmantes, que atestam a contradição entre a capacidade produtiva do País e o contingente de brasileiros que ainda não se beneficiam dessa pujança.
Por outro lado, cada vez mais as empresas e agricultores empreendem esforços para mudar esse quadro. Transportadoras oferecem cursos de capacitação aos motoristas para que vedem as carrocerias adequadamente, evitando o desperdício das cargas pelo caminho. As rodovias, no entanto, não ajudam. Buracos e má conservação dificultam a integridade das carretas graneleiras. Os grãos que se quebram ou contêm impurezas passam por beneficiamento para alimentar rebanhos.
Todo esse conjunto de ações é fruto de conscientização, adoção de técnicas mais apuradas e tecnologia voltada para o maior aproveitamento possível da produção. Os investimentos são necessários, pois geram retorno para agricultores e comerciantes, uma vez que, com o mesmo aporte, pode se otimizar o volume das colheitas, a receita das transações e, consequentemente, a rapidez e frescor com que as mercadorias chegam ao consumidor.
Nesse ciclo virtuoso, todos ganham, inclusive aqueles em situação de vulnerabilidade, atendidos por louváveis movimentos da sociedade brasileira, ressaltando o cuidado distintivo da cultura nacional que faz do agronegócio um sucesso maior a cada safra.