Os preços elevados do milho no mercado doméstico estão mudando o planejamento de frigoríficos de aves e suínos e grandes tradings. A escassez do cereal, fruto da quebra da safra brasileira e principalmente do forte ritmo dos embarques, deu início a um movimento de cancelamentos de contratos de exportação. Na ponta do lápis, já compensa pagar as multas embutidas no cancelamento dos contratos e vender o grão no País.
De acordo com fontes do alto escalão de grandes tradings de grãos com atuação no país, ainda é cedo para saber a dimensão do movimento. Na opinião de um desses executivos, porém, os chamados “wash outs” – cancelamentos de contratos – poderão chegar a 20% ou 30% do total de milho que já estava contratado para a exportação.
Líder na produção brasileira de frango, a BRF já comprou pelo menos 40 mil toneladas de milho de Mato Grosso que estavam contratadas para a exportação por meio de tradings, apurou o Valor. A empresa adquiriu parte desse volume de Bunge e Cargill, segundo uma fonte. Procurada, a BRF informou “que não comenta suas estratégias de mercado para aquisição de grãos”. Representantes de Bunge e Cargill não foram localizados.
Os cancelamentos de contratos fazem sentido financeiro tanto para a indústria que está comprando milho quanto para quem está vendendo. Os preços do milho negociados nas praças do país já mais que cobrem as multas contratuais previstas. A multa é aplicada no frete interno e varia conforme a extensão do trajeto. No trecho Rondonópolis a Santos, pode superar com folga US$ 20 por tonelada.
Apesar do movimento de cancelamentos, o milho comprometido com o exterior será honrado, sustentam as tradings, através do redirecionamento do grão de outros mercados, como o argentino e o americano. Se atingir mesmo a taxa de 20% dos contratos de exportação, a oferta de milho para a indústria de aves e suíno, que se tornou uma preocupação, estaria assegurada. “Mas a indústria terá de pagar o mesmo preço das exportações”, disse uma fonte.
Alguns agricultores de pequeno e médio porte que venderam o milho antecipadamente e a preços mais baratos do que os atuais também sinalizam que não cumprirão os contratos. Em Goiás, produtores avisaram aos responsáveis da cooperativa Comigo, a maior do Estado, que não vão entregar todo o milho colhido. A cooperativa calcula que produtores não devem honrar 80% do milho negociado.
Segundo Francisco José dos Santos, que é responsável pela captação de grãos da Comigo, cerca de 60% da produção estimada para a região de Jataí [a principal de Goiás] foi negociada com preços entre R$ 22 e R$ 26 a saca. Mas hoje há, diz ele, “granjeiros desesperados” ofertando até R$ 48 pela saca de milho.
Nas tradings, o comportamento dos agricultores é avaliado caso a caso. Enquanto há produtores que de fato perderam parte importante da safra de milho em razão do clima, outros têm no clima apenas uma desculpa.
Conforme o Valor apurou, produtores que não preferirem o mercado doméstico em detrimento das exportações e que não conseguirem entregar o volume prometido devido ao clima não serão penalizados. Para se certificarem disso, técnicos das tradings têm avaliado a dimensão das quebras nas lavouras dos clientes.
Fonte: Valor Econômico