Política agrícola na Amazônia

Rachael Garrett*

Dos discursos políticos aos posts em redes sociais, é comum justificar o desmatamento na Amazônia pela necessidade urgente e inevitável de desenvolvimento econômico e geração de riqueza. Mas o que acontece quando estudos científicos demonstram que a maior parte da produção agrícola na região não gera riqueza?

Muitos pequenos e médios agricultores da zona rural amazônica não saem do estado de pobreza por apostarem insistentemente em atividades rudimentares marcadas por baixos rendimentos, embora muito prejudiciais ao meio ambiente.

A falta de uso de tecnologia leva ao declínio da qualidade da terra, frequentemente resultando em seu abandono. Tal ciclo vicioso representa um problema grave, pois o abandono das terras leva os agricultores a desmatar novas áreas para seguir produzindo.

Dado o alto impacto ambiental e o baixo rendimento econômico, os pesquisadores têm procurado entender por que a pecuária ainda domina a região. Recentemente, publiquei um artigo científico na revista Ecology and Society demonstrando que parte da resposta está em uma melhor compreensão das necessidades e aspirações dos agricultores. Uma coisa é certa: não se trata apenas de dinheiro.

Durante uma década, entrevistei agricultores da Amazônia brasileira sobre os fatores que influenciam sua renda. Se pudesse compreender o que limita a rentabilidade dos pequenos produtores e a adoção de práticas mais sustentáveis, poderia desenvolver recomendações para políticas públicas capazes de promover a inserção de atividades mais rentáveis e menos destrutivas do ponto de vista ambiental. Ao longo do tempo, tornou-se evidente que não é só o retorno econômico que explica suas escolhas.

Para entender quais outros fatores exercem influência, uma equipe internacional, formada por cientistas da Embrapa Amazônia Oriental, Universidade Federal do ABC e outras instituições, coletou dados abrangentes de mais de 600 lares rurais no leste e sudeste do Pará, em uma pesquisa que integra o esforço da Rede Amazônia Sustentável (RAS) para promover a conservação e o uso mais sustentável do solo na região.

Os dados levantados incluíram aspectos sociais e ambientais das famílias, como as características das propriedades, ativos, redes sociais e de conhecimento e bem-estar social, índice usado para avaliar o quão felizes eles sentem que são.

Primeiro, analisamos a variação da renda em diferentes sistemas agrícolas para descobrir se havia melhores oportunidades de ganho já presentes na região. Em seguida, procuramos identificar as razões que levam alguns agricultores a optar por usos da terra de baixa rentabilidade, em detrimento de melhores opções, e como essas escolhas influenciam o seu bem-estar.

A pesquisa descobriu que 75% das famílias na área do estudo ganhavam menos do que US$ 10.000,00 por ano. Que a pecuária é uma atividade de baixa renda, já sabíamos, mas foi chocante descobrir que, nas propriedades onde essa atividade é predominante, a renda anual não ultrapassa os R$ 416,00 por hectare.

A soja, apesar de ser um produto valioso para a exportação, proporciona uma receita de modestos R$ 1.600,00 anuais por hectare. Por outro lado, os agricultores envolvidos na produção de frutas e horticultura atingem ganhos de mais de R$ 5.500,00 por hectare, 12 vezes mais do que os pecuaristas.

Por meio de modelos estatísticos de comportamento dos fazendeiros, foi possível concluir que os agricultores não estavam adotando atividades geradoras de melhor renda em função da falta de acesso aos mercados externos e da ausência de infraestrutura adequada (por exemplo, estradas e transporte refrigerado) para o escoamento da produção.

Surpreendente foi descobrir a falta de conexão entre a renda das propriedades e a felicidade das famílias. Em vez de ganhar dinheiro, os agricultores priorizam (o que entendem por) segurança e qualidade de vida. Eles privilegiam práticas nas quais são experientes e que representam as tradições de suas famílias. Evitam o que entendem como complexo e incerto, dando preferência à manutenção de atividades conhecidas, mesmo com retorno financeiro mais baixo e ainda que suas ações contribuam para a degradação da terra e para o desmatamento.

As motivações que influenciam o comportamento dos produtores estão completamente ausente de estudos e discussões sobre como reduzir o desmatamento na Amazônia e, ao mesmo tempo, promover a qualidade de vida das pessoas.

Nos últimos 15 anos, o governo brasileiro forneceu recursos substanciais para combater o desmatamento na Amazônia, promoveu novas pesquisas e liberou incentivos financeiros para impulsionar práticas mais sustentáveis. Mas é improvável que um foco contínuo em linhas de crédito subsidiado para os agricultores resolva a pobreza e a degradação ambiental.

Essas ações não atendem às principais reivindicações dos produtores, que não são monetárias, nem promovem a mudança das barreiras reais – a falta de infraestrutura adequada para práticas mais sustentáveis e culturas de maior valor.

É urgente repensar radicalmente a política agrícola na Amazônia. As soluções promissoras para pequenas propriedades, como a produção de frutas de alto valor comercial, permanecerão inacessíveis se o acesso a mercados distantes não for melhorado por meio de investimentos em processamento, armazenamento e infraestrutura de mercado.

Para afastar efetivamente os pecuaristas do modelo extensivo e insustentável e fazê-los migrar para um uso mais rentável da terra, as futuras políticas públicas precisarão identificar e discriminar as famílias com base em um conjunto mais amplo de informações, tais como características culturais e aspirações pessoais. Essa análise mais refinada é fundamental para combinar melhor as soluções propostas contra o desmatamento com o que realmente faz as famílias rurais felizes.

 

*Rachael Garrett é professora assistente da Universidade de Boston

e pesquisadora da Rede Amazônia Sustentável 

 

Fonte: Valor Econômico

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