Plataforma negocia venda de ‘crédito verde’

Conhecida na última década por certificar a produção da cadeia da cana-de-açúcar com critérios de sustentabilidade ambiental e social, a iniciativa Bonsucro, sediada em Londres, quer agora alavancar a participação de produtores e consumidores por meio de sua nova plataforma de negociação de créditos atrelados aos certificados.

Atualmente, apenas 4% da área de cana do mundo é certificada pela organização, sendo que só 24% dos produtos certificados são vendidos com “prêmio” pelo cumprimento dos requisitos de sustentabilidade.

Lançada no fim de outubro, a plataforma online da Bonsucro é um marketplace de créditos de sustentabilidade associados à produção de cana, açúcar, etanol e melaço da cana.

Com o mecanismo, os compradores-membros da organização, usinas que adquirem cana de fornecedores, indústrias de alimentação, de combustíveis e tradings representando seus clientes, podem comprar créditos Bonsucro sem terem de comprar o produto certificado.

Os produtores, por sua vez, podem vender créditos associados à parcela de sua produção que é certificada pela organização, enquanto os produtos físicos podem ser negociados normalmente no mercado, mas sem eventuais prêmios associados, dado que o “serviço” de sustentabilidade é negociado na plataforma.

Um crédito Bonsucro corresponde a uma tonelada de cana, açúcar ou melaço certificados, ou a um metro cúbico de etanol.

A ideia de dissociar o produto certificado do “serviço sustentável” (os créditos Bonsucro) surgiu diante da dificuldade que compradores encontram ao tentar comprar açúcar certificado, já que muitos países impõem restrições à compra da commodity, como cotas por país, enquanto os certificados estão concentrados no Brasil.

“O mercado de açúcar é um dos mais regulados. Por isso, a compra de produto certificado não cresce tão rápido quanto o não certificado”, disse Rafael Seixas, responsável pelo monitoramento e avaliação da certificação global.

A concentração no Brasil, que responde por 80% a 90% das certificações Bonsucro, não se dá apenas por causa da liderança do País nesse mercado, até porque a Índia tem disputado com o Brasil este lugar nas últimas duas safras.

Segundo Lívia Ignácio, coordenadora regional da Bonsucro, as usinas brasileiras têm facilidade para conseguir a certificação porque 80% dos requisitos já estão na lei. “O que geralmente falta é um plano de atuação ambiental”.

“Já em outros países, sobretudo na Ásia e na África, a legislação é mais frouxa quanto às regras ambientais e trabalhistas, como a ausência de políticas de salário mínimo ou de limites de carga horária semanal, o que distancia mais as usinas de outros países para o atendimento dos requisitos da Bonsucro”, diz Ignácio.

“Algumas negociações de créditos Bonsucro dissociados da produção já vinham ocorrendo nos últimos anos, mas eram feitas de forma mais ‘artesanal’ e sem referência de preços, o que gerava distorção nos valores atribuídos aos créditos”, afirma Seixas. Com a plataforma, produtores e compradores apresentam suas ofertas e podem determinar os valores conforme parâmetros desse mercado, que serão mais transparentes.

Mesmo manualmente, as negociações de créditos Bonsucro mais do que dobraram no ano passado, passando de 300.000 créditos em 2017 para 700.000 créditos em 2018. Neste ano, o volume deve chegar a mais de 800.000, e a expectativa é que supere 1 milhão em 2020.

Com a plataforma, a Bonsucro vai além do objetivo de reconhecer boas práticas dos produtores. Parte dos recursos negociados irão a um fundo que financiará projetos de impacto, incentivando práticas para quem ainda não é certificado.

Ignácio reconhece que a expansão da certificação ainda depende do aumento da demanda dos compradores, hoje limitada às grandes multinacionais que têm compromissos e metas de sustentabilidade para reportar todo ano.

Apenas 21 compradores industriais são hoje membros da organização e podem participar do marketplace de créditos Bonsucro. “Nossa estratégia agora é ampliar esse interesse para os compradores regionais, até porque o mercado global de açúcar não é tão livre”, conclui Ignácio.

 

Valor Econômico

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