PIB do Brasil pode encolher 21% em cinco anos

“Dor, angústia, medo, revolta e fragilização dos laços familiares são sentimentos por trás da supersafra de 250 milhões de toneladas anunciada aos quatro ventos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)”. Assim começa o artigo* que avalia os impactos do endividamento no agronegócio diante de uma safra recorde. Produtores, analistas e entidades analisaram dívidas que chegam a R$ 700 bilhões no setor, antes da pandemia de Covid-19.

Aparentemente tudo caminha bem no agronegócio, responsável por itens indispensáveis para a alimentação humana e nutrição animal. Dados divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) estimam um aumento nas exportações de soja em grão e de óleo de soja para o ano, que devem atingir 77 milhões de toneladas em 2020, uma alta de 2,25% em relação ao volume anteriormente previsto. Já as vendas de óleo de soja totalizarão 700.000 toneladas, com aumento de 32% em relação ao ano anterior.

A justificativa é a elevação da demanda nos principais mercados importadores. O milho também vai bem, com preços aquecidos, assim como o mercado de exportação de proteína animal, com habilitação de várias plantas para exportação, conforme analisado recentemente na reportagem “Mercosul: Brasil terá mais destaque no agronegócio”.

Para o produtor de soja Adilson Érida Borges, que possui fazenda no Estado do Mato Grosso, o cenário do grão não é tão positivo. Com uma dívida de R$ 4 milhões, o produtor aguardava mais um recorde de produtividade que não se confirmou, e há oito anos briga na Justiça para não perder a propriedade para bancos. “Alienação fiduciária permite requerer apenas o bem financiado, mas, nas operações agrícolas, os bancos tomam as próprias fazendas como garantia”, disse o agricultor.

Segundo um estudo realizado pela Egrégora Consultoria Empresarial, até janeiro de 2019, o setor devia um valor equivalente a uma safra inteira. “Demonstrativo do Banco Central mostrava uma posição devedora de R$ 306.8 bilhões junto aos bancos nacionais”, afirmou o diretor da consultoria, Anisio Carossini, ex-superintendente regional do Banco do Brasil e responsável pela análise.

Somam-se a esse montante, débitos de R$ 153 bilhões junto às 60 maiores tradings agrícolas, R$ 53 bilhões pendentes com cooperativas e outros R$ 100 bilhões devidos a bancos estrangeiros. Com correções, o montante deve ultrapassar os R$ 700 bilhões.

Situações críticas na quebra de safra 

Segundo o artigo, apesar de ocorrer mais chuva neste ano, sete quebras de safra consecutivas no Nordeste, de 2012 a 2018, inviabilizaram a permanência de muita gente na atividade. Cerca de um milhão de produtores ainda luta para manter posse da propriedade. O presidente da Cooperativa Agropecuária e Industrial de Arapiraca, em Alagoas, Francisco de Souza Irmão, faz duras críticas à Lei 13.340. “Criada em 2016, ela simplesmente, ignorou o grande período de colapso hídrico. Os produtores estão perdendo suas terras para os bancos”.

No Sul do Brasil, a situação também é crítica com a estiagem. Quase a totalidade dos municípios decretou situação de emergência (355 dos 497).

O Centro Oeste, onde estão os maiores produtores de grãos e gado do Brasil, estão igualmente no vermelho. Goiás responde por 11% do montante total de dívidas: R$ 77 bilhões. São R$ 42.8 bilhões junto aos bancos e R$ 35 bilhões junto a cooperativas e tradings. Os números são fornecidos por Eurico Velasco, advogado e pecuarista, vice-presidente da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA).

O agro representa 21,40% do PIB nacional (R$ 1.5 trilhão), segundo dados recentes do Centro de Estudos e Pesquisas Avançadas (Cepea/USP). “Imagina o PIB do Brasil sem a contribuição de 21% do agro”, questionou Jeferson da Rocha, diretor jurídico da Associação Nacional de Defesa dos Agricultores (Andaterra), alertando para um possível êxodo rural de 30% a 40%. Serão de 1.5 a 2 milhões de famílias migrando do campo para cidades. Pecuária de corte, leite, café, arroz, cana-de-açúcar, citros, hortifrúti, coco e cacau são os setores mais afetados.

Perda da terra para estrangeiros 

O artigo segue adiante abordando outro tema que também impacta o endividamento. “Na medida em que as execuções avançam, a tendência é de as terras serem adjudicadas pelos credores ou leiloadas. Com a sanção da Lei do Agro n°13.986 (antiga MP do Agro), comemorada pelo Ministério da Agricultura, os artigos 51 e 52 permitem que estrangeiros sejam os novos donos destas áreas”.

“Em 1995, a securitização foi utilizada por força de lei e, hoje, os produtores rurais precisam de um novo fôlego, repactuando dívidas por 25 anos ou mais, com juros de 3%”. A política agrícola atual privilegia alguns poucos conglomerados empresariais voltados à exportação, enquanto pequenos e médios agropecuaristas são subjugados”.

Raízes do endividamento 

A agropecuária é sujeita à seca, chuva, geada ou granizo. Agricultores podem perder a safra do dia para noite. “O seguro agrícola é caríssimo e concentrado na mão de poucos”, revelou o diretor jurídico da Andaterra.

Segundo ele, o produtor demora até dez anos para se recuperar de uma frustração de safra. É por conta disso que existe a Lei de Crédito Rural (nº 4.829/65). “O produtor é tratado de forma especial porque produz alimento. Trata-se da segurança alimentar e soberania nacional”, disse.

Infração à lei de crédito rural 

Apesar de a legislação vigente limitar a taxa de mora a 2,50% e juros no máximo de 12% ao ano, além do direito de a dívida, por frustração de safra, ser prorrogada nos encargos iniciais acordados (MCR 2.6.9), não é o que se vê nos bancos.

“Contratei financiamento com correção de 5,50% ao ano. Tive quebra por 40 dias de estiagem e na renegociação subiram a taxa para 19,50%. Depois disso usaram toda a dívida vencida para tentar elevar para 27% e 33%”, afirmou o fazendeiro Antônio Abrão Zardin.

No terceiro ano, o principal cliente dele quebrou, dando calote. O produtor tem documentos comprobatórios, entre laudos técnicos de frustração de safra e recusas do seguro pró-agro. “Em 300 hectares de feijão acumulei uma dívida de R$ 900.000,00”.

Zardin condena a arbitrariedade dos bancos. Eles asseguram apenas operações de baixo risco, a soja e o milho. Ainda assim a taxas de 8% a 10% e ainda são autorizados a renegociar como bem entendem. Além de recusar as operações de alto risco, hipotecam as terras, prática proibida na Lei de Crédito Rural, mas autorizada pelo Banco Central, em vez de optar pelo seguro agrícola.

Na prática, as cédulas de crédito rural (CDRs) estão sendo convertidas em cédulas de crédito imobiliário (CCIs). “Quem não se endivida desse jeito”, disse Zardin. Como saída, o agropecuarista recorre a um financiamento de juros caros para pagar outro de juros baratos, operação apelidada de “mata-mata”.

“Apenas se posterga a quebra da propriedade, mas a conta deste ciclo sem fim de refinanciamentos vai chegar. E quem vai pagar é o cidadão brasileiro”, advertiu Rocha, da Andaterra.

“Em 27 de abril de 2019 peguei no banco R$ 798.000,00 a taxa de 9,50% ao ano. Hoje, devo R$ 1.002.000,00. O custo do dinheiro bate os 27%, fora custeios de projeto e cartório, cerca de 2% extras”, afirmou o agricultor José Alípio Fernandes da Silveira, que apresentou todos esses números em reunião no Mapa e nada aconteceu.

*O artigo é assinado pela Andaterra. 

 

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