Peste suína x demanda por soja: batalha deve durar anos e impactar preços

Iniciada há mais de um ano, a guerra comercial entre China e Estados Unidos era o fator que mais influía nos preços, provocando uma profunda mudança no mercado mundial da soja. No meio do caminho, porém, a peste suína africana chegou com impacto bem maior do que o previsto. Agora, nessa batalha, as consequências da doença para os preços da soja podem ter mais força do que o próprio conflito entre as duas maiores economias do mundo.

Analistas e consultores nacionais e internacionais dizem que a China perdeu um trunfo importante no jogo da guerra comercial e vai ter de sair às compras. Do lado americano, Trump passou a ter a produção ao seu lado. A balança, portanto, pende para os EUA.

Embora a demanda da carne suína pela China seja imensuravelmente forte, ela também irá exigir mais dos países produtores de soja. No meio da batalha entra agora um componente fundamental: o ciclo das cadeias produtivas, seja na nação asiática e, principalmente, nos demais países produtores, o Brasil incluído.

Por isso há que se ter cautela. Na visão de Marcos Araújo, analista da Agrinvest, a demanda maior pela soja ou até mesmo pelo farelo, talvez sirva apenas como um colchão para os preços da commodity e não como uma mola propulsora, como é esperado por alguns, principalmente pelos sojicultores.

“Não vejo nenhum país em condições de ter um poder de resposta tão rápida para atender essa lacuna da doença na China ao ponto de que a demanda da soja mundial vá para esse país com tempo suficiente para que se faça a produção de carne aumentar por lá”, disse Araújo.

A oferta global de soja, no presente momento, faz o quadro se desenhar de forma completamente diferente.

Estoques estão altos

Na temporada 2018/19, os EUA colheram uma safra de 123.67 milhões de toneladas e, sem a demanda da China, seus estoques finais são estimados em 24.36 milhões de toneladas, os maiores da história.

Na América do Sul, a recuperação da Argentina, depois dos problemas climáticos do ano anterior, deverá resultar em uma colheita de 55 milhões de toneladas. No Brasil, mesmo com as perdas pontuais causadas pela adversidades climáticas, a produção está estimada em 117 milhões de toneladas. Os números são do último boletim mensal de oferta e demanda do USDA.

Com estes números, a produção mundial estimada, também pelo USDA, é de 360.58 milhões de toneladas, contra 341.67 milhões de toneladas de 2017/18. Os estoques finais mundiais, consequentemente, também deverão ser maiores, passando de 99.05 para 107.36 milhões de toneladas.

Ao mesmo tempo, diante de todos estes impactos, o USDA também estima uma redução nas importações de soja da China no ano comercial presente para 88 milhões de toneladas, contra 94.1 milhões de toneladas no ano anterior.

Demanda demorada

Na outra ponta, analistas internacionais acreditam que uma recuperação do rebanho de suínos da China poderá levar de três a cinco anos, mantendo sua demanda por soja em grão limitada neste mesmo período. Nos últimos 12 meses, o esmagamento de soja nos EUA, que é primariamente para a produção de farelo utilizado nas rações, caiu quatro milhões de toneladas.

A consultoria internacional INTL FCStone estima que as compras chinesas da oleaginosa deverão recuar ou apresentar um crescimento bem menor pelo menos nos próximos dois anos.

“Hoje, a peste suína africana é o principal fator relacionado à demanda. Isso irá impactar os EUA, principalmente, por um ano safra ou mais. Este não é um evento restrito a 2019”, disse à Bloomberg o presidente da consultoria internacional The Andersons Inc.

A Cargill, uma das maiores tradings de alimentos do mundo, já anunciou uma redução em seus rendimentos no setor de alimentação animal e esmagamento chinês de oleaginosas.

“Hoje o produtor americano está no quinto ano de redução em suas receitas e temos de tomar muito cuidado também com o Brasil. Estamos num momento de transição do agronegócio o mais forte dos últimos anos, ou seja, vivemos um cenário de excesso de soja e com uma demanda limitada neste momento”, afirmou Araújo.

Assim, o analista da Agrinvest alerta para o comportamento incerto vivenciado pelo mercado face a todas estas mudanças. Diante dessa falta de perspectivas, o produtor brasileiro terá de se ajustar à uma nova realidade.

“Vemos o mercado comprando da mão-para-a-boca, a soja argentina concorrendo com a brasileira, e há todo o volume da soja americana estocada (…) portanto, eu acredito que o mercado deverá trabalhar com suas mínimas, como foi no ano passado, de US$ 8,50/bushel”, disse o analista.

“Consequentemente haverá o desestímulo no plantio, promovendo um enxugamento dessas ofertas mundiais (…) e só depois os preços voltarão a subir. Não é uma regra, mas tudo indica que esse será o comportamento do mercado”, declarou Araújo.

China reduz em 14% as compras de soja

No primeiro trimestre de 2019, as importações de soja da China recuaram 14%, em parte devido à guerra comercial e à busca de alternativas ao produto, mas também muito motivadas pela questão da doença. E essa queda esperada para as compras da nação asiática em um ano, para 88 milhões de toneladas, acontece pela primeira vez em 15 anos.

Caso os impactos continuem, da peste e do conflito comercial, a INTL FCStone estima que as importações de soja da China possam cair para impressionantes 71 milhões de toneladas no ano comercial 2019/20.

Segundo declaração do economista Alan Suderman à Bloomberg, “a China está comprando soja apenas o suficiente para não influenciar as negociações comerciais (com os EUA). Isso está mascarando uma queda momentânea do consumo, mas significa que eles terão mais soja armazenada para utilizá-la no futuro, o que poderia justificar uma demanda menor mais a frente”, afirmou o analista da FCStone.

Tanto é que a Central de Inteligência da Bloomberg acredita “ser improvável que toda essa demanda chinesa maior por carne suína seja suficiente para enxugar os altos estoques norte-americanos de soja”.

A peste suína africana é uma doença datada de 1900 e que mata os animais em cerca de dez dias. Em contrapartida, o “parto de uma suína demora três meses, três semanas e três dias”, disse Marcos Araujo, da Agrinvest.

Somente até o fim de 2019, o rebanho de matrizes caiu 19% em relação ao mesmo período de 2018, e o de suínos, 17%, conforme mostra o gráfico abaixo, com dados do Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China.

Ainda segundo números do USDA, a produção mundial de carne de porco deverá apresentar queda de 4% em 2019, liderada, é claro, pela redução na China. “Fora da China, a produção está crescendo moderadamente, mas os destaques são os aumentos observados nos EUA, de 4%, e no Brasil, de 6%. Na União Europeia, a produção está estável”, informou o USDA.

Seus especialistas acreditam, no entanto, que o aumento das exportações pode incentivar a expansão dos rebanhos em alguns países. A estimativa é de que as vendas externas globais de carne suína aumentem 8% este ano, também motivada pela necessidade maior dos chineses.

China amplia participação nas importações mundiais de carne suína – Fonte: USDA

Se todo esse quadro preocupa os produtores de soja e de grãos, na outra ponta os consumidores acreditam que há uma boa oportunidade diante, principalmente, de custos menores e margens que podem ser melhoradas em todo o setor de proteínas animais.

Troca favorável para os granjeiros do Brasil

Com milho e soja mais baratos, as margens dos esmagadores em países produtores de suínos, frangos e bovinos já começam a apresentar leves melhoras. O Brasil, que deverá se consolidar como um dos principais fornecedores da nação asiática, também já apresenta relações de troca bem mais atrativas.

“Há ainda muita dependência de questões políticas, mas os ventos sopram a favor do Brasil e dos produtores de proteínas”, disse Douglas Coelho, da Radar Investimentos.

Informações do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) indicam que em Santa Catarina, por exemplo, as relações de troca nos suínos são as melhores desde 2017. Em abril, até o dia 24, a média parcial com a venda de um quilo do animal vivo permitiu ao produtor do oeste catarinense a aquisição de 6,89 quilos de milho ou de 3,43 quilos de farelo de soja – 8,3% e 4,2%, respectivamente a mais do que em março de 2019.

“Com o aumento nos preços do suíno vivo e a queda nas cotações dos principais insumos utilizados na atividade (milho e farelo de soja), o poder de compra de suinocultores paulistas e catarinenses vem aumentando neste mês de abril”, explicaram os pesquisadores do Cepea.

“O produtor paulista, por sua vez, consegue adquirir neste mês 7,15 quilos de milho ou 3,8 quilos de farelo de soja com a venda de um quilo de suíno vivo, o maior poder de compra desde janeiro de 2018, quando o quilo do suíno comprava 7,2 quilos de milho ou 3,82 quilos de farelo de soja”, informaram  os especialistas.

 

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