Pedro de Camargo Neto: “Governo não facilita diálogo com o agro, mas Conab é disputa equivocada”

Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da SRB. Foto: Acervo pessoal

Pecuarista e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o empresário Pedro de Camargo Neto tece críticas quanto à falta de clareza do governo federal sobre a política agrícola que será adotada, após pouco mais de 30 dias de gestão.

“Ainda não consegui vislumbrar nos pronunciamentos do ministro Carlos Fávaro qual será sua prioridade e ação. O terceiro escalão ainda não foi nomeado. Não se fala em implantação do autocontrole. Não há ainda política agrícola”, disse Camargo em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro.

“A interlocução depende mais do governo do que do setor. Cabe ao governo criar interlocução com o agro. O governo não tem facilitado o diálogo, quando se tem um ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, que fala que a regularização fundiária é papel de pão”.

O ex-presidente da SRB também defende que haja foco e posicionamento do agro nas pautas que são prioritárias ao setor. “Está faltando o setor se manifestar mais claramente quais são suas próprias prioridades”, disse.

“É preciso que o agro e as entidades se posicionem no caminho correto: da reforma tributária, do fortalecimento da política agrícola e da defesa agropecuária. Acho que é uma disputa equivocada brigar por Conab e Serviço Florestal Brasileiro (SFB)”, avaliou o pecuarista, fazendo referência aos pedidos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para o retorno da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do SFB para a gestão do Ministério da Agricultura.

Liderança ativa no setor, Camargo foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura no governo de Fernando Henrique Cardoso. Na sua avaliação, as preocupações do setor no momento não deveriam ser a retirada da Conab e do SFB da gestão do Ministério da Agricultura e sim o enfraquecimento das áreas de defesa agropecuária e política agrícola da pasta e a defesa de pautas prioritárias, como o seguro rural.

“O problema é o enfraquecimento da Agricultura e não a retirada da Conab e do SFB. Esse foco equivocado do setor em relação às suas prioridades junto ao governo me preocupa”, disse.

A seguir, os principais trechos de sua entrevista.

Broadcast Agro – Uma parcela do setor fala em oposição ao governo Lula, enquanto outra parte defende interlocução com o Executivo. Há espaço e o setor deve tentar uma aproximação com o governo?

Pedro de Camargo Neto – Acho que não é uma questão de oposição. Em qualquer governo, você tem de defender o setor. A defesa do setor pode implicar interlocução, apoio ou oposição. O importante é que o setor esteja representado e faça a defesa dos seus interesses, independentemente do governo que for. Serei contra o governo se tiver apoiando ideias equivocadas.

Broadcast Agro – O senhor vê o agronegócio disposto a diminuir essa distância com o governo para defender as suas pautas?

Camargo Neto – Não vejo oposição por oposição partidária. Vejo o setor disposto a sentar e defender seus interesses. Não vejo ninguém dando as costas ao governo e sem motivo. O governo não tem facilitado a interlocução, quando se tem um ministro do Desenvolvimento Agrário (Paulo Teixeira) que fala que a regularização fundiária é papel de pão. O terceiro escalão ainda não foi nomeado, em mais de 30 dias de governo. Isso é muito ruim. Acho que teremos de enfrentar muitas brigas do ponto de vista de interesses do setor.

Broadcast Agro – Como o senhor avalia esse início de governo Lula em relação ao agronegócio, com a nova estrutura ministerial?

Camargo Neto – Não consigo avaliar ainda. O próprio discurso do ministro Carlos Fávaro, que fiquei feliz com a nomeação, só o vi falar de desmatamento e ainda não sei o que ele vai fazer com vários pontos. Ainda não consegui vislumbrar nos pronunciamentos dele qual será sua prioridade e ação. A área de defesa ainda não tem terceiro escalão nomeado. Não se fala em implantação do autocontrole. Não tem ainda política agrícola.

E o ministro do Desenvolvimento Agrário fala que título agrícola para assentados é papel de pão. Gostaria de vê-lo falando em fortalecimento da agricultura fragilizada, dos assentamentos da agricultura familiar, em como poderia usar a Conab com a comercialização de produtos agrícolas familiares. Quem entra para falar em papel de pão não quer interlocução. É uma provocação inútil. A interlocução depende mais do governo do que do setor. Cabe ao governo criar a interlocução com o agro.

Broadcast Agro – Esse interlocutor por parte do governo é o ministro Carlos Fávaro?

Camargo Neto – Fávaro ajudará. Ele é do setor, mas ainda não mostrou a que veio. Ele tem um histórico positivo, mas as propostas do Ministério da Agricultura ainda não estão claras, embora tenha nomeados bons secretários. Trinta dias é pouco para avaliarmos a gestão de Fávaro. Falta entender com clareza o que ele pretende.

Broadcast Agro – O setor produtivo era contrário ao desmembramento do Ministério da Agricultura. A gestão do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) pelo Ministério do Meio Ambiente e da Conab pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) são mudanças que preocupam?

Camargo Neto – Não vejo como prioridade para o setor ter Serviço Florestal e Conab na Agricultura e o Departamento de Agronegócio no Itamaraty. Eu preferia o Ministério da Agricultura com a estrutura anterior, mais eficiente, com menos inchaço e mais coordenação. O Ministério da Agricultura dos últimos quatro anos era bem estruturado. O retorno, que vejo como retrocesso, para três ministérios, era esperado com a vitória do presidente Lula. Não vejo isso, porém, como a grande questão do agro moderno.

Entendo que, para os interesses do setor, a Conab não é prioritária. A Conab deixou de ser relevante para a agricultura moderna, à exceção dos levantamentos de safra. O atual setor moderno se descolou das antigas políticas de garantia de preços mínimos. A Conab se tornou um elefante branco. São mais de R$ 800 milhões de orçamento, vários prédios, armazéns e superintendências. Claro que gostaria de ter um ministério forte, de ter a Conab para modernizá-la e vender imóveis inúteis, mas não vejo essa disputa como prioridade.

Há outras prioridades a serem defendidas pelo setor. O mesmo vale para o Serviço Florestal. A questão ambiental era muito ruim no governo anterior e o Serviço Florestal não nos ajudou a conter os erros do governo anterior. Sobre o Cadastro Ambiental Rural, que fica sob a gestão do SFB, o estudo e a avaliação de terras são de responsabilidade dos órgãos estaduais sob a coordenação federal. Portanto, retomar a Conab e o SFB para a Agricultura não deveria ser disputa prioritária. O problema é o enfraquecimento da Agricultura e não a retirada da Conab e do SFB. Esse foco equivocado do setor em relação às suas prioridades junto ao governo me preocupa.

Broadcast Agro – Então, o que deve ser priorizado pelo setor na agenda com o governo?

Camargo Neto – Em primeiro lugar, que a reforma tributária seja moderna e que não tenha discurso de ranço. Os discursos estão sendo muito antigos. Em segundo lugar, é necessário que se reforce a estrutura da defesa agropecuária com a volta de cargos comissionados que foram extintos. Outros pontos são a implementação da lei do autocontrole, que foi aprovada, a elaboração de um Plano Safra moderno e consistente, o que exigirá recursos orçamentários que estão pressionados, e o seguro rural. O seguro é um dos poucos programas ainda essenciais para o setor que exige subsídio governamental. É uma grande preocupação ter recursos para seguro climático. Felizmente, grande parte do agro se descolou do subsídio do governo. O governo não pode atrapalhar.

Broadcast Agro – O senhor mencionou o reforço da defesa agropecuária. Houve uma redução de 30% em cargos em comissão e funções de confiança de no Ministério, sendo a defesa uma das áreas mais afetadas com o rebaixamento de cargos. É um ponto de atenção?

Camargo Neto – Isso é péssimo. A defesa perdeu vários cargos comissionados (DAS), o que dificulta montar as equipes e atrair pessoal. Essa perda de cargos ocorreu no período de transição quando foi montado o governo. Mas no grupo técnico da agricultura do governo de transição existia disputa para quem ia ser Ministro e não se discutiu claramente como seria o Ministério. Foi um erro. Era um momento de discutir como seria o Ministério da Agricultura, após o desmembramento.

As quatro secretarias que ficaram no Ministério da Agricultura deveriam ter ficado com a estrutura que tinham. O Ministério da Pesca, por exemplo, foi montado também com quatro secretarias e com números de DAS como nunca teve. Reduzir DAS na Agricultura foi um erro claro do governo Lula. Além da defesa, está faltando DAS na Secretaria de Política Agrícola. É uma questão que preocupa.

Levar a Conab e o Serviço Florestal para outros ministérios não me preocupa, mas fragilizar as Secretarias de Defesa Agropecuária e de Política Agrícola é preocupante. A defesa agropecuária dos últimos anos foi um grande sucesso. Precisamos consolidar e avançar mais. Falta também o ministério sinalizar como implementará a legislação do autocontrole sanitário e como enfrentará o desafio da legislação de agroquímicos.

Segundo o Decreto 11.332/2023 de reestruturação do governo, que vigora desde 24 de janeiro, o número total de cargos em comissão e funções de confiança diminuiu de 2.091 para 1.473. Dos 618 cargos retirados da Agricultura, 311 foram remanejados para o MDA, 191 para a Pesca e outros 116 extintos.

Broadcast Agro – E a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)?

Camargo Neto – Ainda precisamos ver o que vão fazer com a Embrapa. Aumentaram o orçamento, colocaram vários pesquisadores no grupo de transição, mas ainda falta definição mais clara também.

Broadcast Agro – A retomada da Conab e da gestão do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) para a Agricultura, as quais o senhor entende que não são prioritárias, são defendidas pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), agora presidida pelo Deputado Federal Pedro Lupion (PP-PR). Como o senhor avalia essa defesa da bancada ruralista quanto à estrutura do ministério?

Camargo Neto – Lupion é um bom nome. Trabalhei muito com o pai dele, o Abelardo Lupion, que era um deputado combativo e competente. Tudo indica que Lupion é um sucessor do pai e um nome coerente para a FPA, embora veja que as prioridades da bancada, que são as do setor, não deveriam ser essas. Está faltando o setor se manifestar mais claramente sobre quais são suas próprias prioridades e as entidades sobre o que o setor realmente quer. É preciso que o setor e a sociedade se posicionem no caminho correto: da reforma tributária, do fortalecimento da política agrícola e da defesa agropecuária. Serviço Florestal e Conab são brigas que a frente está comprando, aparentemente já comprou, que não são prioritárias. É uma disputa equivocada, enquanto deveriam comprar as brigas certas.

Broadcast Agro – O senhor foi uma das vozes dissonantes que defenderam o apoio do agro ao fortalecimento da democracia, em meados do ano passado, quando surgiram os manifestos pela democracia. As investigações em andamento apontam envolvimento de algumas pessoas relacionadas ao setor nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Trata-se de uma minoria? O setor está majoritariamente ao lado da democracia?

Camargo Neto – Naquele absurdo de 8 de janeiro, havia gente de todo o lugar. Não era dominado pelo agro, muito pelo contrário. A polarização está aí. O resultado da eleição, que quase deu empate, está aí, mas querer correlacionar os atos criminosos de 8 de janeiro com o agro é má fé e má vontade. Hoje, com os inquéritos encaminhados, se vê que os atos não estão caracterizados como do agro de forma alguma. É uma página virada. É preciso parar de jogar a culpa no agro. Há um ou outro do setor envolvido nisso, como tem gente de todos setores econômicos, que cometeram crime com os atos antidemocráticos e devem ser responsabilizados, mas não se pode relacionar o ocorrido com o agro.

O setor equivocadamente não apoiou os manifestos em prol da democracia. O governo Bolsonaro foi péssimo para etanol e biodiesel e poucos falaram, porque achavam que podia prejudicá-lo na eleição. O setor precisa ser a favor da democracia e de políticas que o beneficiem, independentemente do presidente e do governo que for, assim como da própria questão ambiental.

Fonte: Broadcast Agro
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