Em junho, os Estados Unidos suspenderam todas as importações de carne fresca do Brasil, alegando “recorrentes preocupações sobre a segurança dos alimentos destinados ao mercado norte-americano”, de acordo com publicação da conceituada agência Reuters. O Departamento de Agricultura do país informou que o motivo da suspensão envolveria o fato de terem sido identificados abscessos na carne importada pelos norte-americanos, supostamente decorrentes de uma reação da vacina contra a febre aftosa no rebanho. Porém, especialistas alertam que esse episódio pode estar mais ligado à atual política protecionista do governo norte-americano do que à qualidade do produto nacional. O que está por traz desse embargo?
Vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Hélio Sirimarco é economista especialista em agronegócio, mercado e grãos. Também tem extensa carreira acadêmica, lecionando em diversas universidades dedicadas à economia, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com décadas de experiência no ramo, o especialista já viu o setor passar por vários ciclos, e acredita que o campo irá superar mais esse momento conturbado.
Pecuária Brasil: Hoje, como está a imagem da carne brasileira no exterior?
Hélio Sirimarco: No geral, a imagem dos produtos agropecuários brasileiros costuma ser bem positiva lá fora. Porém, não podemos ignorar os problemas recentes quando o assunto é carne. As últimas notícias, com certeza, prejudicaram a imagem do nosso produto, até mesmo descabidamente. O recente caso dos Estados Unidos, por exemplo, foi peculiarmente muito alarmado na mídia mundial, sendo que o problema não era, de fato, tão temeroso assim. Foi apenas uma questão de não conformidade. Temos relatos de especialistas veterinários afirmando que o problema encontrado naquele lote é comum e um erro apenas de manipulação, não produção. Sendo assim, acredito que a verdade sobre a carne brasileira prevalecerá e, embora esse não seja o melhor momento publicitário desse produto, a qualidade existe, e prova disso são os números das nossas exportações, que crescem a cada ano.
PB: Qual a possibilidade de estarmos sendo embargados por grandes mercados propositalmente, com objetivo de manchar a imagem da nossa carne para outros mercados em potencial, como a China?
HS: No mais recente caso, do embargo dos Estados Unidos à nossa carne, tem grandes chances de podermos falar até mesmo em boicote. Foi um episódio curioso, de interesses fortemente comerciais. Levamos 16 anos para abrir o mercado chinês, o que aconteceu o ano passado, e foi quando nos tornamos concorrentes diretos dos Estados Unidos, que há pouco também tinham reaberto esse mercado. Esse é o ponto crucial da discussão. Se nossa carne é barrada no país norte-americano, cria-se um problema relativo à imagem do produto, o que pode inibir outros mercados, deixando mais espaço para os Estados Unidos venderem a carne deles.
Uma semana depois da suspensão da importação de carne brasileira, o Secretário de Agricultura norte-americano viajou para China para participar de eventos do setor cárneo e promover os produtos de lá. Claramente, o componente comercial é muito forte nessa história. É uma situação preocupante porque os Estados Unidos não demonstram nenhuma pressa de resolver o problema, muito pelo contrário, e o que poderia ser algo simples, se torna uma história sem fim, que acaba por nos prejudicar muito além do que não está sendo exportado para lá.
Na verdade, se pensarmos em questão de volume, a China é para o Brasil um mercado consumidor muito maior que os Estados Unidos, e é isso que corremos o risco de perder. De janeiro a maio desse ano, o Brasil exportou 4,8 mil toneladas de carne bovina para os Estados Unidos, enquanto para China foram mais de 55 mil toneladas no mesmo período. O mercado americano não é relevante no cenário brasileiro, mas no ponto de vista de imagem, é inegável sua relevância. Isso cria uma série de dificuldades e tumultua toda nossa cadeia produtiva.
PB: Somos o único país livre de aftosa com vacinação que exporta aos Estados Unidos. Isso diz mais sobre nossa produção ou sobre a exigência deles? Em outras palavras: nosso produto e nossos métodos de produção são bons o suficiente para aquele mercado?
HS: Sim, nossos produtos são mais do que bons o suficiente. Nós temos uma preocupação muito grande com nossa produção. Abastecemos o mercado externo com a mesma matéria prima que o interno, para sempre existir a possibilidade dessa versatilidade de mercado. O produtor brasileiro tem como parâmetro o comprador do mercado mais exigente, então nosso produto é diferenciado porque atende qualquer mercado.
PB: Nesse cenário, como o senhor enxerga a posição do Governo Federal brasileiro diante dos obstáculos que vem sendo impostos ao crescimento da agropecuária?
HS: O governo federal tem agido. É claro que não é uma situação fácil. Se algum inimigo do país escolhesse eventos para criar problemas em um setor, certamente não conseguiria elencar todos que aconteceram esse ano. É a tempestade perfeita. O Governo Federal sabe a importância crucial do setor de carnes para o país, então está fazendo a sua parte, tentando reparar os estragos, mas, não tem muito o que fazer. Agora é o mercado que precisa reagir. Porém, acredito que estamos no bom caminho.
PB: Até que ponto a Operação “Carne Fraca” é culpada por todas as mazelas do setor pecuário brasileiro atualmente? Por que, e até quando, os pecuaristas ainda sentirão o baque desse episódio?
HS: A operação Carne Fraca foi um grande alarde que, depois que perdeu a atenção da mídia, deixou mais rastros na imagem e economia do que na indústria de carne brasileira. Nesse momento, a situação econômica do país está influenciando mais do que qualquer outra coisa. O consumidor está comprando menos, é preciso reverter primeiro era situação.
PB: Economicamente, qual o caminho a pecuária terá que trilhar para fechar o ano no azul?
HS: Esperamos que a situação das exportações seja resolvida em breve, e que o mercado interno melhore. Temos que tomar todos os cuidados necessários com a nossa produção e continuar fazendo o que melhor sabemos fazer: trabalhar. No Norte os pecuaristas já estão respirando melhor, o impacto maior já passou. Gradativamente, as coisas estão sendo normatizadas. Já é possível vislumbrar alguma melhora no horizonte, e acredito que até o fechamento de 2017 as coisas estejam mais tranquilas para o pecuaristas.