A cultura da mamona está despontando como uma nova opção de cultivo para os produtores rurais do Cerrado. Um passo importante para que a cultura possa ganhar escala já foi dado: o desenvolvimento de uma plataforma para a colheita mecanizada. Os próximos desafios são o manejo de doenças e o ajuste do sistema de produção para a rotação com a soja.
Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa e instituições parceiras indicam que a mamona poderá ser, nos próximos anos, uma alternativa para controlar alguns nematoides, parasitas de plantas que estão causando danos econômicos na região, além de tolerar períodos de seca, comuns na segunda safra ou “safrinha”.
“Soja, milho e algodão são favoráveis a alguns nematoides, então é preciso introduzir na rotação alguma cultura que baixe essa população de nematoides e a mamona pode fazer isso com algumas espécies do parasita que estão causando danos econômicos”, assegura o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Algodão, Liv Severino.
Com o objetivo de alavancar a cultura no Brasil, no final do ano passado a Embrapa uniu forças com a Evogene, companhia israelense especializada em genômica vegetal, por meio de sua subsidiária Evofuel, que desenvolve cultivares de mamoneira de alta produtividade. Os experimentos com a cultura da mamona estão em andamento em Rio Verde (GO) e em Balsas, sul do Maranhão.
A pesquisa em conjunto com a Embrapa tem como foco o controle de doenças como o mofo-cinzento e ajustes no sistema de produção para a rotação com a soja. A área-alvo para o cultivo em sistema de rotação de culturas é a região do Matopiba (que envolve os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde se estima que cinco milhões de hectares sejam adequados ao plantio de mamoneira após a colheita da safra de soja, em segunda safra. “Mas, tecnicamente, em toda a região do Cerrado onde já se planta soja, a mamona também pode vir a ser cultivada”, afirma Liv Severino.
Estão sendo avaliadas variedades da Evofuel já adaptadas para colheita mecanizada. “Três anos de ensaios demonstraram a sustentabilidade e os benefícios econômicos das variedades da Evofuel na segunda safra em sistema de sucessão com a soja para a produção de óleo, biocombustíveis e outros usos industriais”, declara o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Evofuel, Shai Leviatov. A meta da Evofuel é ter seu primeiro campo comercial em 2016. “Estimamos que a área ocupada com a cultura da mamona tenha um crescimento rápido nos anos seguintes”, acrescenta.
COLHEITADEIRA PARA MAMONA
Para Liv Severino, um dos principais entraves para que a cultura pudesse ganhar escala era a mecanização da colheita, mas esse desafio já foi superado. “No passado, foram testadas adaptações de colheitadeiras de milho e feijão, mas havia muitas perdas. Agora, já está disponível para o produtor uma máquina desenvolvida especificamente para a mamona e que tem revelado bons resultados”, relata Liv Severino.
A plataforma para a colheita da mamona foi desenvolvida pela empresa Jorge Máquinas, em Rondonópolis (MT), com apoio do Instituto Mato-Grossense do Algodão (IMAmt) e da Embrapa, com recursos da Heliagro Agricultura e Pecuária. A Evofuel também está trabalhando em parceria com a empresa de máquinas agrícolas Case New Holland (CNH) há dois anos para desenvolver novas tecnologias de colheita em grande escala. O projeto encontra-se em fase de protótipo e deve chegar ao mercado com a marca Case IH.
NO MERCADO EM 2016
Em outra frente, o IMAmt em parceria com a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (Unesp), está apostando no desenvolvimento de materiais genéticos híbridos de mamona, específicos para a colheita mecanizada. Estão sendo cultivadas áreas experimentais de 1.500 hectares nos municípios mato-grossenses: Campo Verde, Primavera do Leste, Sorriso, Campo Novo do Parecis e Sapezal. A previsão do instituto é que o lançamento dos híbridos de mamona aconteça ainda neste ano e em 2016 a mamona esteja sendo cultivada comercialmente no Cerrado.
O diretor-executivo do IMAmt, Álvaro Sales, conta que o projeto nasceu da necessidade de inserir outras opções de culturas no sistema de produção do Cerrado. “Nós buscamos, principalmente, culturas com grande capacidade de tolerar estresses hídricos para o plantio depois de fevereiro-março, época em que ainda tem umidade, mas não dá para plantar uma cultura tradicional como milho, algodão, soja”, diz.
Em 2008, os pesquisadores do IMAmt partiram de 26 culturas até chegar a três – mamona, cártamo e gergelim. Sales aponta os fatores decisivos para optarem pela mamona: “A tolerância a estresses hídricos foi o primeiro fator, em seguida, a capacidade de controlar nematoides-de-galha, do gênero Meloidogyne, em terceiro, o valor agregado e, em quarto, a possibilidade de aproveitar as máquinas já existentes”.
O pesquisador do IMAmt Rogério Sá explica que o material genético híbrido foi a alternativa encontrada para conseguir homogeneidade e facilitar a colheita mecanizada. “O material híbrido também favorece o pós-cultivo porque as plantas nascem uniformemente, evitando a dormência das sementes e que elas possam nascer durante o ciclo da cultura subsequente”, afirma.
Conforme Sá, a cultura também ajuda na quebra do ciclo de pragas comuns nas culturas de soja, milho e algodão. “Atualmente, se planta a crotalária para quebrar o ciclo dos nematoides, mas a cultura não tem retorno econômico imediato para o produtor, como é o caso da mamona”, observa.
O enraizamento profundo da mamoneira traz outros benefícios como a descompactação do solo e reciclagem de nutrientes, proporcionando um aumento na produtividade da soja cultivada após a colheita da mamona.
DE OLHO NO MOFO-CINZENTO
Um dos maiores desafios da pesquisa agora é descobrir como manejar ou controlar o mofo-cinzento, uma das principais doenças da mamoneira, que aumenta o custo de produção e limita o cultivo em regiões favoráveis ao fungo, como o Cerrado e a região Sudeste.
“Alguns fungicidas têm se mostrado promissores para o manejo do mofo-cinzento, mas é preciso mais pesquisas para se estabelecer um protocolo eficiente. Em condições experimentais já temos respostas muito boas, mas precisamos fazer testes em campo”, diz o pesquisador da Embrapa Algodão, Dartanhã Soares.
A mecanização também exigirá a adaptação de novas variedades para este sistema de cultivo e o desenvolvimento de máquinas para diferentes perfis de produtores.
O programa de melhoramento genético da mamoneira da Embrapa está trabalhando para melhorar a arquitetura das plantas para que elas possam ser colhidas mecanicamente. “Visando à colheita mecanizada, estamos avaliando linhagens de porte baixo e precoces que se mostram promissoras em condições controladas. Mas precisamos avaliá-las ainda em grandes áreas, em vários pontos de pesquisa para verificar se elas mantêm a produtividade, além de avaliar o desempenho dos materiais sob colheita mecanizada”, explica a pesquisadora da Embrapa Algodão, Máira Milani.
Na linha da fertilidade do solo, é preciso estabelecer a quantidade exata de nutrientes necessária para otimizar os custos de produção. Os pesquisadores acreditam que a mamoneira consiga aproveitar os resíduos de fertilizantes deixados pela soja, além de aproveitar o nitrogênio que é fixado por essa cultura.
POTENCIAL BRASILEIRO
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil é o quarto produtor mundial de mamona, com cerca de 20 mil toneladas, atrás da Índia, com mais de 1,6 milhão de toneladas, China e Moçambique, ambos com 60 mil toneladas. Mas esses países estão passando por dificuldades para manter a produção porque dependem de colheita manual e o custo da mão de obra está inviável.
“O Brasil é o país que está mais avançado no desenvolvimento de um modelo de produção mecanizada que poderá aumentar a área plantada e atender a essa demanda crescente”, avalia o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Algodão.
Atualmente, a mamona é cultivada em cerca de 100 mil hectares no Brasil. A região de Irecê (BA) concentra 80% da produção. A produtividade média dos últimos cinco anos é de apenas 365 kg/ha, prejudicada principalmente pela seca dos últimos três anos. “Hoje, a produtividade brasileira é extremamente baixa. Para comparação, uma produtividade que consideramos adequada seria de pelo menos 1.800 quilos por hectare”, diz Severino.
Ele acredita que o Brasil pode aumentar substancialmente a produtividade com a introdução de novas variedades e tratos culturais modernos. “Contribui para a baixa produtividade o perfil dos atuais plantadores de mamona, que se localizam em região de alto risco climático e baixo emprego de tecnologias modernas de produção”, analisa.
Segundo Shai Leviatov, o mercado de óleo de mamona hoje é de aproximadamente 700 mil toneladas por ano e é um dos óleos vegetais mais caros por suas inúmeras aplicabilidades, desde lubrificantes, cosméticos, produtos farmacêuticos, biopolímeros, entre outros.
“Com base em discussões com vários produtores de óleo de mamona e consumidores, parece que o principal fator limitante do crescimento do uso desse óleo é a estabilidade da oferta e os altos preços. A Evofuel aposta na alta eficiência na produção de mamona, que vai garantir o fornecimento anual de óleo e permitirá redução de preço”, declara.
Para Severino, mesmo que os principais países produtores aumentassem significativamente sua produção, a indústria química tem condição de continuar comprando o óleo de mamona. “O mercado existe e é muito grande, mas é preciso que os produtores procurem fazer acertos prévios para onde farão as vendas”, destaca.
Entre 2007 e 2014, de acordo com dados da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), o Brasil importou cerca de 45 mil toneladas de óleo de mamona para atender a demanda interna ao custo de 64 milhões de dólares. Essa importação equivale a cerca de 20% da produção brasileira no mesmo período. O principal país fornecedor foi a Índia.
Fonte: Embrapa Algodão