A pecuária de corte brasileira, mesmo enfrentando grandes desafios devido a problemas internos de ordem técnica, político-econômica, sanitária e cambial, ou por causa de políticas externas protecionistas e de crises econômicas globais, vem apresentando resultados que têm surpreendido o mundo moderno.
Saindo de uma condição de carência de alimento e dependência externa, na década de 70 do século passado, o país vem mantendo, desde 2004, a posição de maior exportador mundial de carne bovina, mesmo tendo que alocar 80% de sua produção para o abastecimento do respeitável mercado interno de cerca de 200 milhões de habitantes.
Com um efetivo total de 208 milhões de cabeças e com abate de 42 milhões de animais, foram produzidas, em 2014, 10,07 milhões de toneladas-equivalente carcaça, com exportação de 2,09 milhões de toneladas pelo valor de 7,1 bilhões de dólares, enquanto o consumo médio anual per capita foi de 39 kg. Chegar a este ponto, no entanto, em espaço de tempo relativamente curto para a história de um país, não foi tão simples.
De colonização portuguesa e mesmo com a maior parte do território situado na região tropical do planeta, a indústria pecuária brasileira foi iniciada com animais da espécie Bos taurus taurus, provenientes da península ibérica, trazidos pelos colonizadores no início do século XVI. Após adaptação ao novo ambiente, estes animais vieram a formar os biótipos regionais denominados “crioulos”, dentre os quais Caracu, no Sudeste; Curraleiro, no Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste; Lageano, nos planaltos do Centro-Sul brasileiro e Pantaneiro, no Pantanal dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Somente depois de cerca de 300 anos, com uma pecuária até então calcada exclusivamente neste gado de origem europeia, é que foram introduzidos no país os primeiros animais zebuínos da espécie Bos taurus indicus provenientes, em sua maioria, da Índia, representados principalmente pelas raças básicas Gir (Gyr), Guzerá (Kankrej) e Nelore (Ongole).
Sendo o Brasil um país predominantemente tropical, com clima semelhante ao da região de origem destes animais, além de se encontrar por aqui boas condições de criação, em termos de pastagens e manejo, de um modo geral, o zebu foi, aos poucos, absorvendo a população crioula original. Atualmente, de um rebanho de corte de 166,4 milhões de cabeças, 80% do efetivo total de 208 milhões, mesmo excluindo-se todo o rebanho da região Sul do País, onde predomina o gado de origem europeia, estima-se que 148 milhões de animais sejam de origem zebuína, descendentes de cerca de apenas 8 mil reses importadas da Índia até o ano de 1962. Destes, 133 milhões, cerca de 64% de todo o rebanho nacional e 80% do rebanho destinado a produção de carne, são da raça Nelore ou dela apresentam grande influência em sua composição genética.
Outro dado que demonstra a expressão econômica da raça Nelore é que, mesmo predominando no país o sistema de reprodução natural, com o uso de touros em monta a campo, com demanda anual de cerca de 340 mil touros Nelore na pecuária zebuína, esta raça ocupa a primeira posição no mercado de sêmen no Brasil, tendo sido produzidas em 2014, 3,4 milhões de doses, 58% de um total de 5,9 milhões de doses para as raças de corte. Merece destaque ainda, as raças zebuínas Brahman, Guzerá e Tabapuã com produção conjunta de, aproximadamente, meio milhão de doses de sêmen, representando 7,5% do mercado nacional para as raças de corte. Estes valores indicam que cerca de dois terços de todo sêmen bovino para corte produzido no Brasil são de origem zebuína.
Não há dúvidas de que a adaptação do zebu às condições de criação brasileiras foi ponto chave para o protagonismo que este tem no país. No entanto, é necessário reconhecer o excelente trabalho de seleção genética que vem sendo conduzido há décadas por criadores e técnicos brasileiros, o qual tem promovido significativo progresso genético dos rebanhos, tornando-os cada vez mais eficientes e produtivos. Cabe aqui, destaque para o pioneirismo da Embrapa e da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ) que, a partir de cooperação técnica iniciada em 1979, apresentaram à cadeia produtiva, já no início da década de 80, as primeiras avaliações genéticas no país, com lançamento dos sumários nacionais de touros, hoje tecnologia consagrada junto à cadeia produtiva.
Esta tecnologia abriu caminho para diversas outras ações subsequentes, tais como o Programa de Avaliação de Touros Jovens (ATJ), criado pioneiramente pela Embrapa em 1991, e o Programa de Melhoramento Genético Geneplus-Embrapa, lançado em 1996, iniciativas que, juntamente com várias outras semelhantes, de outras instituições, fazem, atualmente, do Brasil o principal fornecedor de genética zebuína do mundo.
Por um privilégio de nossa natureza, com abundância de luz solar, terra, água e contando com um setor produtivo que evolui, a cada ano, na aplicação de técnicas desenvolvidas pela pesquisa nas áreas de solos, pastagens, genética, nutrição, saúde, manejo e gestão, de um modo geral, o Brasil ainda pode se orgulhar de apresentar custos de produção competitivos, mundialmente, e elevada qualidade de produto final.
Ao longo do ano de 2015, o consumo interno e a atividade da indústria vêm sofrendo algumas retrações, como reflexos da atual conjuntura econômica. No entanto, em médio e longo prazo, as expectativas são positivas, tendo em vista o cenário de aumento de demanda de carne no mercado externo, como comprovam os recentes acordos de exportação para China, Estados Unidos e, mais recentemente, para a Arábia Saudita.
Atender as metas de demandas de carne para o mercado interno e para o mundo não será uma tarefa simples. Por outro lado, a utilização dos recursos genéticos zebuínos, sem dúvida, continuará sendo cada vez mais imprescindível nesse processo, seja como raça pura ou em cruzamentos com raças taurinas.
Antônio do Nascimento Ferreira Rosa e Gilberto Romeiro de Oliveira Menezes
Pesquisadores da Embrapa Gado de Corte, Campo Grande (MS)
Fonte: Embrapa Gado de Corte (MS)