Países desenvolvidos podem trazer problemas para consenso na COP21

Se o Brasil conseguir alcançar sua meta, até 2020 deve praticamente zerar o desmatamento ilegal, o que proporcionará uma redução de emissões causadas por desmatamento na ordem de 400 milhões de toneladas de CO₂ equivalentes. Foto: Divulgação
Se o Brasil conseguir alcançar sua meta, até 2020 deve praticamente zerar o desmatamento ilegal, o que proporcionará uma redução de emissões causadas pelo problema na ordem de 400 milhões de toneladas de CO₂ equivalentes. Foto: Divulgação

A diferença entre os esforços de alguns países será o principal empecilho para se chegar a um consenso geral sobre a redução da emissão de gases de efeito estufa, durante a Conferência do Clima (COP 21), que acontecerá em Paris, em dezembro. A avaliação é do diretor-geral do AgroIcone, Ricardo Lima.

Ele acredita que nem todos farão o mesmo esforço, referindo-se aos países desenvolvidos. Por outro lado, diz ser plausível esperar que Brasil e Índia, considerados grandes emissores de CO₂, por meio de suas metas, especialmente as brasileiras, deem um passo além dos demais países em desenvolvimento.

Lima observa que, no momento, existe maior possibilidade de os países migrarem para a economia de baixo carbono, ou seja, adotarem novas tecnologias limpas, o que significa mudar para práticas agropecuárias que emitam gases em menor quantidade.

Em sua opinião, o Brasil já tem e adota tais tecnologias, no entanto, é necessário dar mais força ao Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), principalmente no que se refere à questão da recuperação de áreas de pastagens degradadas.

“Recuperar pastagem, hoje, é a tônica da discussão de sustentabilidade na pecuária, porque, se recuperar a pecuária, recupera-se também área para agricultura. Isso significa tirar muitos produtores de pecuária da baixíssima produtividade, da pobreza e ajudá-los a ganhar mais com a atividade”, salienta o diretor.

Diretor-geral do AgroIcone, Rodrigo Lima acredita na importância do setor agropecuário para a agenda de mitigação brasileira é inexorável, mas acredita ser importante discutir o tema internamente, após a reunião da COP 21, em dezembro. Foto: Divulgação AgroIcone
Diretor-geral do AgroIcone, Rodrigo Lima acredita na importância do setor agropecuário para a agenda de mitigação brasileira é inexorável, mas acredita ser importante discutir o tema internamente, após a reunião da COP 21, em dezembro. Foto: Divulgação AgroIcone

METAS EM NÚMEROS

Fazem parte da agenda brasileira na COP-21, até 2030, tomando o ano-base 2005, reduzir em 43% as emissões de gases do efeito estufa; colocar fim ao desmatamento ilegal; restaurar e reflorestar 12,5 milhões de hectares; recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; integrar cinco milhões de hectares de lavoura-pecuária; além de usar 45% das fontes renováveis no total da matriz energética.

Ex-ministro e membro da Academia Nacional de Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Roberto Rodrigues ressalta que o Brasil, apesar de ter um longo caminho a percorrer, até 2020 deve praticamente zerar o desmatamento ilegal, o que proporcionará uma redução de emissões causadas por desmatamento na ordem de 400 milhões de toneladas de CO₂ equivalentes.

“Se de fato, em 2030, tivermos mesmo convertido 12,5 milhões de hectares de terras degradadas em vegetação nativa restaurada, agricultura sustentável e silvicultura, sequestraremos mais 5,2 bilhões de toneladas de CO₂ equivalentes nas duas décadas seguintes”, calcula Rodrigues, que também é coordenador do Centro da Agronegócio da FGV (GV Agro), embaixador especial da FAO para as Cooperativas (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e presidente do LIDE Agronegócio.

 

Ex-ministro Roberto Rodrigues acredita que “se de fato, em 2030, tivermos mesmo convertido 12,5 milhões de hectares de terras degradadas em vegetação nativa restaurada, agricultura sustentável e silvicultura, sequestraremos mais 5,2 bilhões de toneladas de CO₂”. Foto: Divulgação FGV
Ex-ministro Roberto Rodrigues acredita que “se de fato, em 2030, tivermos mesmo convertido 12,5 milhões de hectares de terras degradadas em vegetação nativa restaurada, agricultura sustentável e silvicultura, sequestraremos mais 5,2 bilhões de toneladas de CO₂”. Foto: Divulgação FGV

DEPOIS DE PARIS

Para o diretor da AgroIcone, Rodrigo Lima, a importância do setor agropecuário para a agenda de mitigação brasileira é inexorável, no entanto, acredita ser importante discutir o tema internamente, após a reunião de Paris.

“Precisamos nos estruturar para colocar tudo isso em prática e conhecer quais são as políticas internas que permitem que isso aconteça. Não adianta o governo afirmar que vai restaurar dois milhões de hectares se não houver uma política que busque construir isso”, afirma.

Para ele, é preciso dar substância àquilo que o governo pretende fazer. “Vejo uma grande possibilidade para o setor agrícola agregar estas questões de sustentabilidade e migrar para uma produção de baixo carbono. Mas o Brasil precisa amadurecer muito suas políticas internas, ainda a partir do ano que vem. Isto porque, se o acordo for para valer a partir de 2020, o País terá quatro anos para se estruturar”, ressalta.

O Plano ABC, segundo Lima, é um exemplo claro, “porque tem um gargalo muito perigoso, que se chama a incapacidade de mensurar as reduções de emissões”.

“Se não consigo mensurar o que está sendo feito, não tenho como provar o quanto de CO₂ estou deixando de emitir. Em 2016, o Brasil terá de reportar como está cumprindo suas ações voluntárias. Como será feito isto, com o atual Plano ABC, eu não tenho ideia.”

O diretor ressalta que dá estes exemplos para tentar ilustrar o quanto a agenda da COP 21 poderá abrir oportunidades para o setor agrícola brasileiro.

“Aí entra toda esta discussão de capacidade de mensurações, entra a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a capacidade de monitorar o Plano ABC, definir o ABC regional. Ou seja, em certas regiões o que é mais importante? É dar um impulso na questão da restauração de pastagem.”

Outro ponto que precisa ser discutido, dentro do Plano ABC brasileiro, é a taxa de juros que, para o diretor geral do AgroIcone, dever ser diferenciada.

“Quando o produtor vai fazer restauração de pastagem tem de tomar um crédito elevado. Ele pode ter uma taxa de juros diferenciada para restauração de pastagem. O mesmo vale para o sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). É necessário um amadurecimento das políticas.”

 

AGROPECUÁRIA

Lima ainda destaca as críticas em relação à produção de carnes, o que considera “uma loucura”. “Temos capacidade técnica e científica de comprovar que se produzirmos carne em pastagem manejada, não em pastagem degradada, conseguimos abater gado em dois anos, porque ele está em uma pastagem manejada e que sequestra carbono. O quilo deste animal tem muito menos carbono por trás dele do que o animal que fica cinco anos lá, comendo pasto degradado”, esclarece.

Exatamente por isto, Eduardo Assad, colaborador do Observatório ABC, pesquisador da Embrapa, professor do GVAgro e membro do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança do Clima, acredita que a agropecuária será o principal setor na redução das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Isto porque são analisados dois grandes pontos que existem no inventário de gás de efeito estufa dentro da agropecuária brasileira: primeiro, a fermentação entérica do boi; e segundo, a emissão provocada pelos fertilizantes.

“Os dois têm peso equivalente. Quanto aos fertilizantes, não conseguimos substituí-lo rapidamente, de uma hora para outra. Aliás, consegue-se devagar, com bactérias fixadoras de nitrogênio, com adubos organominerais e algumas leguminosas”, salienta Assad.

Ele continua: “Na pecuária não, o problema é a fermentação entérica, é o metano emitido pelo boi. Isto visto de maneira isolada, só o boi emite, mas ninguém analisa o sistema. Quando se analisa o sistema, percebe-se que o bom pasto retira em termos de CO2 o equivalente àquilo que o boi emite”.

O pesquisador ainda ressalta que ”se o pecuarista fizer um bom manejo do pasto e adotar as boas práticas agrícolas, esta emissão por fermentação entérica é reduzida”. “Aí, sim, a pecuária brasileira pode ser o principal responsável nos próximos anos, em curto e médio prazos, pela redução de gases de efeito estufa.”

Se adotar bom manejo de pasto e boas práticas agrícolas, “a pecuária brasileira pode ser o principal responsável nos próximos anos, em curto e médio prazos, pela redução de gases de efeito estufa”, diz o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad. Foto: Divulgação Embrapa
Se adotar bom manejo de pasto e boas práticas agrícolas, “a pecuária brasileira pode ser o principal responsável nos próximos anos, em curto e médio prazos, pela redução de gases de efeito estufa”, diz o pesquisador da Embrapa Eduardo Assad. Foto: Divulgação Embrapa

CAPACIDADE BRASILEIRA

Para o ex-ministro Roberto Rodrigues, “se em 2050 o Brasil mantiver a taxa de crescimento da produtividade agrícola na área, hoje disponível, produzirá 350 milhões de toneladas de grãos, sem desmatamento”.

“A esta área serão acrescentados mais 60 milhões de hectares de baixa produtividade, transformados em áreas produtivas pelo Plano ABC, totalizando 180 milhões de toneladas de grãos.”

Rodrigues ainda acredita que outros 40 milhões de hectares desmatados na Amazônia serão produtivos, com mais de 120 milhões de toneladas de grãos ou equivalentes em carnes e fibras.

“Com tudo somado chegaremos, em 2050, a 650 milhões de toneladas de alimentos, sem desmatamento adicional. Além disto, vamos retirar da atmosfera pelo menos 180 milhões de CO₂ por ano, somente com atividade agrícola tecnificada”, preconiza.

 

Por equipe SNA/SP

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