A Inflation Reduction Act (IRA) é uma política pública dos Estados Unidos, proposta em 2021 pelo governo Joe Biden e assinada como lei em agosto de 2023. Foi criada com o objetivo de atenuar a escalada da inflação no país, com a previsão de investimentos verdes para ampliação da oferta interna, fomentando a produção de energia, o aumento da capacidade industrial, a aquisição de suprimentos críticos e a realização de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias.
Os investimentos previstos totalizam aproximadamente US$ 500 bilhões, entre subsídios, redução de taxas e subvenções. A política também prevê uma série de ações para redução de déficit público e aumento de receitas estimado em US$ 738 bilhões, que preveem um saldo líquido positivo de US$238 bilhões, sem juros adicionados, entre 2022 e 2031 no programa.
Do total de investimentos, US$ 391 bilhões serão destinados exclusivamente à redução dos custos em energia, com a aceleração dos investimentos em soluções de energia limpa. Pelo grande volume envolvido, a IRA pode ser considerada a maior ação histórica dos Estados Unidos em prol das mudanças climáticas e da transição energética, pelo fato de seu compromisso de investimentos resultar na redução de 40% das emissões do país até 2030, tomando 2005 como ano-base.
Tabela 1. Resumo dos investimentos que compõem o IRA (US$ bilhões)
Setorialmente, os incentivos em políticas de energia limpa totalizam US$ 391 bilhões, sendo que energia, manufatura e meio ambiente compõem a maior parcela dos recursos alocados. Aproximadamente US$ 342 bilhões, o que corresponde a 88% desse total, serão destinados a investimentos em eletricidade e transmissão. Entre os tipos de políticas de incentivos, os créditos fiscais ocupam a maior parcela para a realização de investimentos. As corporações são as maiores beneficiárias, com aproximadamente 55% do orçamento, o que corresponde a US$ 214 bilhões. O desenho da IRA prevê que os incentivos fiscais sejam pagos diretamente, ou seja, uma entidade pode requerer o valor total, mesmo que sua obrigação fiscal seja menor que o crédito. Isso tem levado a uma verdadeira euforia empresarial em relação aos incentivos previstos.
No entanto, para além da descarbonização da economia, os investimentos visam sobretudo promover a redução da dependência das cadeias produtivas com o mercado externo. Esse movimento objetiva, por um lado, minimizar a influência de turbulências do mercado global sobre os preços internos dos EUA. Por outro, tem também um caráter altamente protecionista.
No caso das indústrias manufatureiras, a elegibilidade é integral aos incentivos provenientes da IRA caso se cumpram requisitos que envolvem, entre outros aspectos, a produção e a aquisição de matéria-prima local ou de parceiros comerciais. Por exemplo, para o desbloqueio de crédito ao consumo de veículos elétricos (EVs), um percentual dos minerais críticos na bateria precisa ser extraído ou reciclado nos EUA, e/ou em um país que ele tenha acordo comercial.
Isso vale também para incentivos à produção de biocombustíveis. O programa de biocombustíveis conta com créditos fiscais importantes, atribuídos com base nas reduções de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Esses créditos são válidos para o estabelecimento e o desenvolvimento de biocombustíveis em transportes, como Sustainable Aviation Fuels (SAF), hidrogênio verde, diesel verde (HVO) e misturas de biocombustíveis já existentes. Apenas para o SAF, há US$ 250 milhões em financiamento disponíveis para projetos e mais US$ 500 milhões para infraestrutura e suas adequações.
O Brasil, como grande produtor de biocombustíveis poderia se beneficiar com a previsão de maior demanda e estímulos ao setor nos EUA. No entanto, as regras do programa exigem que eles tenham conteúdo local ou sejam oriundos de países que tenham acordos de comercio com os EUA podem limitar esse potencial.
Dentro da política de energia e clima, além dos investimentos corporativos, as subvenções somam aproximadamente US$ 84 bilhões, enquanto os incentivos aos consumidores atingem US$ 42,7 bilhões. Os créditos têm o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa por meio de modificações na estrutura de consumo de veículos, instalações em casas e edifícios, novas aplicações para geração de energia, como geotérmicas, solar e baterias domésticas.
A IRA faz parte de uma sequência de políticas que, desde 2021, vêm impulsionando a competitividade, a inovação e a produtividade da indústria dos Estados Unidos. Em conjunto com a Bipartisan Infrastructure Law (BIL)[1] e com a CHIPS & Science Act[2], que parcialmente se complementam e sobrepõem prioridades, a IRA injetará na economia US$ 2 trilhões em despesas federais na próxima década. Especificamente no contexto de transição energética, a China, os Estados Unidos e a União Europeia estão vivendo uma “corrida” de investimentos em eletrificação, inovação e centralidade industrial. Nessa “disputa”, a China se encontra à frente dos Estados Unidos, como reflete o gráfico abaixo.
EUA e China: Concentração das principais fontes energéticas
Em porcentagem do consumo e capacidade de produção*, em 2021
Esse cenário não se deu por acidente, mas por um esforço contínuo do governo chinês para expandir suas indústrias e realizar programas de descarbonização — facilitado pelo caráter de objetivos centralizados e estratégia de longo prazo. Os norte-americanos buscam agora, com a IRA, gerar um movimento de reindustrialização verde sob o codinome de “lei de redução de inflação”. Trata-se de um plano cujos incentivos e benefícios estão vinculados a posições protecionistas de criação de cadeias de suprimentos essencialmente nacionais. Essa iniciativa pode gerar movimentos importantes de reconcentração de capital e dos fluxos de comércio no mundo, afetando o Brasil e outros países em desenvolvimento que teriam potencial de se beneficiar com investimentos globais na área de biomassa e bioenergia.
Fonte: Insper