Orlando Ribeiro: “É hora de mostrarmos no exterior resultados do combate ao desmatamento”

O secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Orlando Ribeiro, avalia que a imagem do agronegócio brasileiro no exterior não foi afetada pelos dados sobre desmatamento, mas, se o governo não agir, haverá reflexos comerciais.

“Está na hora de começarmos a apresentar os resultados e não somente compromissos de políticas futuras”, disse ele em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro.

Para Ribeiro, que é diplomata, a repercussão internacional do aumento do desmatamento ilegal na Amazônia e dos questionamentos à política ambiental do governo Bolsonaro foi positiva, pois recolocou a sustentabilidade no centro da pauta do governo.

“Serviu para mobilizar o governo em torno da necessidade de implantar medidas efetivas no combate ao desmatamento e aos incêndios ilegais”, afirma.

Ainda que “uma pequena parcela de produtores” desmatem de forma ilegal, Ribeiro diz que a questão não pode ser minimizada. “Internacionalmente, é muito negativo defender a ideia de que o problema é pequeno, porque parece que estamos dando uma autorização para continuar desmatando. E esse não é nosso objetivo”, enfatiza.

O ministério deve reforçar trabalhos de divulgação de ações contra a queima ilegal e esclarecimentos sobre o assunto. “Entendemos que a ausência de informações permite que versões não necessariamente calcadas na realidade acabem se disseminando”, destaca Ribeiro.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Broadcast Agro – Com os crescentes questionamentos à política ambiental do Brasil e a volta do desmatamento da Amazônia aos holofotes, como fica a posição comercial do Brasil no exterior, em especial a do agronegócio?

Orlando Ribeiro – Ainda não há efeito sobre o agronegócio. No primeiro semestre de 2020 registramos o maior valor médio de exportações, com receita de US$ 51.63 bilhões e crescimento de 9,70% em relação aos US$ 47.09 bilhões exportados no primeiro semestre de 2019. Mas precisamos avaliar quais são os possíveis efeitos futuros.

De fato, temos um problema futuro de imagem. Ainda que o problema das queimadas e do desmatamento seja percentualmente pequeno, se levada em conta a extensão do território brasileiro, o governo não está tentando minimizar o problema. Nós reconhecemos a existência do problema e buscamos encontrar as melhores formas de solucioná-lo.

Broadcast Agro – O que o ministério tem feito para reduzir o desmatamento ilegal?

Ribeiro – O vice-presidente, general Hamilton Mourão, coordena o Conselho da Amazônia, do qual o Ministério da Agricultura faz parte, e que concentra as demandas da região. A contribuição do ministério passa pela questão da regularização fundiária, porque identificamos que a maior parte desse desmatamento e dos focos de incêndio ocorre em terras devolutas ou ocupações ilegais.

É como você ter um carro sem placa andando em alta velocidade na estrada e você não tem como multá-lo, não tem como punir aquele motorista. Por isso é preciso colocar placa naquele carro. Ou seja, quando você dá a titularização da terra ao proprietário, ele é obrigado a seguir o rigoroso regramento jurídico brasileiro.

Temos um Código Florestal que é muito rígido e, se o produtor é titular da terra, ele é obrigado a seguir a legislação ou pagar multa relacionada às infrações que estejam cometendo. Daí a importância da regularização fundiária.

Broadcast Agro – Quando a regularização fundiária ainda era tratada no âmbito da Medida Provisória 910/2019, houve reação forte contra o assunto. A MP chegou a ser apelidada de MP da Grilagem. Hoje, como o ministério está tratando essa pauta?

Ribeiro – Se você não faz o trabalho de comunicação, abre possibilidade para isso acontecer. Líderes contrários à regularização fundiária atuaram fortemente para disseminar essa falsa ideia de que estaríamos de alguma forma privilegiando a grilagem e não é isso. Buscamos ordenar a situação que existe. Para muitas pessoas, do jeito que está é bastante conveniente. Para o governo, não, pois atrapalha o controle do desmatamento ilegal.

Vamos também fazer um trabalho de comunicação no sentido de desmitificar a regularização fundiária. Já lançamos uma série de vídeos sobre o real agronegócio brasileiro. O terceiro deles é sobre esse tema e, pelo menos, dará às pessoas uma visão alternativa do que o governo realmente pretende fazer.

Broadcast Agro – E no exterior, o ministério tem trabalhado a questão da regularização fundiária e do desmatamento ilegal?

Ribeiro – Sim, mas não adianta conversar com parceiros internacionais a respeito de políticas que queremos fazer. Está na hora de começarmos a apresentar os resultados e não somente compromissos de políticas futuras. A temperatura subiu em relação a esse tema, o que ajudou o governo, porque recolocou a sustentabilidade no centro das discussões. Pessoas que não davam a devida importância a esse assunto. Agora, estão dando. A mobilização internacional serviu para mobilizar o governo em torno da necessidade de implantar medidas efetivas no combate ao desmatamento e incêndios ilegais.

Broadcast Agro – Então, há uma mudança de postura do governo, que antes negava o desmatamento? É uma nova estratégia de abordagem?

Ribeiro – Temos excelentes programas em funcionamento há muitos anos, como o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC). É um projeto que tem registrado bons resultados ano após ano, o qual reforçamos na nossa gestão. Há outras iniciativas que estão dando resultado e apresentamos quando vamos ao exterior.

O que ocorre é que não vamos minimizar o problema de desmatamento ilegal. É muito ruim a narrativa de que apenas determinada porcentagem das propriedades brasileiras apresenta problemas, porque dá uma ideia de minimização da questão. Internacionalmente, é muito negativo defender a ideia de que o problema é pequeno, porque parece que estamos dando uma autorização para continuar desmatando.

A conversa com os pares internacionais tem de ser nesse sentido: o problema existe, reconhecemos, vamos tratar dele e essas são as políticas que serão implementadas. É preciso também dar a eles a dimensão real do problema do desmatamento, mostrando o tamanho do Brasil e a dificuldade em resolver a questão.

Broadcast Agro – Recentemente um grupo de empresários brasileiros esteve com o Conselho da Amazônia na tentativa de minimizar os riscos comerciais. O senhor percebe um maior engajamento do setor produtivo em reconhecer o desmatamento e tentar resolvê-lo?

Ribeiro – O setor produtivo sempre esteve engajado no combate ao desmatamento ilegal. A Moratória da Soja, por exemplo, foi conduzida pelo setor produtivo. Reconheço que a situação pode ter piorado na Região Amazônica, mas é preciso lembrar que o tema alcançou uma atenção que não tinha antes. Essa atenção veio especialmente após o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Há uma preocupação dos europeus com a competitividade da agricultura brasileira. Até porque não há agricultura de exportação no bioma Amazônia. Há agricultura de subsistência na região. Não queremos minimizar o problema, mas, do outro lado, tem quem maximize o problema para misturar com as questões comerciais. Estamos implementando medidas para acabar com o desmatamento ilegal e esperamos apresentar resultados promissores. Contudo, não podemos ignorar o outro lado da equação que é a ambição comercial, por isso a atenção mundial se volta para o Brasil.

Broadcast Agro – O governo lançou a campanha “The Real Brazilian Agribusiness” e já teve antes a Brasil by Brazil. O que mais está sendo estudado?

Ribeiro – Todas estratégias de divulgação da realidade brasileira são importantes, mas, no momento, estamos focando a implantação de medidas que efetivamente reduzam o desmatamento e o combate aos focos do incêndio. Nossa maior campanha serão os resultados que alcançaremos no enfrentamento desses problemas, porque contra números não há argumentos.

Estamos organizando também uma série de webinars que contarão com a participação da ministra Tereza Cristina, de técnicos do ministério e de formadores de opinião internacionais. A ideia é debater o tema do desmatamento e a sustentabilidade do agronegócio brasileiro com total liberdade. Entendemos que a ausência de informações permite que versões não necessariamente calcadas na realidade acabem se disseminando. A pretensão é abordar informações com fontes verificáveis.

Serão videoconferências com especialistas, pesquisadores científicos e formadores de opinião internacionais de todo o mundo. A intenção não é somente esclarecer, mas trocar ideias porque há sempre espaço para a melhoria das políticas estatais ouvindo especialistas de outros países.

Broadcast Agro – Na semana passada, a revista Science divulgou estudo relacionando o desmatamento no Brasil com a exportação de soja e carne do País. O setor produtivo viu equívocos na pesquisa. Na sua visão, o País deve estar pronto para responder rapidamente a esses questionamentos?

Ribeiro – Este estudo da Science ajuda a moldar políticas para o combate ao desmatamento ilegal, porém, tem conclusões que devem ser aprofundadas. A função do ministério não é debater estudos acadêmicos. Nossa tarefa é recolher essa inteligência científica e utilizar o que for interessante para direcionar políticas públicas. Sempre houve questionamentos internacionais e continuará havendo.

Não vamos ignorar o mercado consumidor, à medida em que as exigências dos compradores vão aumentando com a criação de certificados para determinadas características de produtos exportados. O produto brasileiro vai se adequando. É natural também que o consumidor pague um preço adicional por esse produto com determinado certificado. O Brasil produz alimentos em qualidade e grande quantidade. Não há dificuldade de atender a esse consumidor mais exigente com sustentabilidade.

Broadcast Agro – Que impactos o senhor tem observado na imagem do agronegócio brasileiro e no processo de abertura e ampliação de mercados?

Ribeiro – Desde janeiro de 2019 até 20 de julho deste ano obtivemos 85 ações de aberturas ou ampliações de mercado. Não houve reflexos negativos. No momento, temos uma campanha internacional ambiental e números preliminares de desmatamento que não são favoráveis, mas isso ainda não se materializou em problemas no comércio ou na negociação das aberturas. Buscamos equacionar o problema antes que de fato tenhamos efetivamente reflexos comerciais. Se o governo não agir, haverá impacto, mas o problema é sério e o governo está mobilizado para evitar que esse cenário se materialize.

Broadcast Agro – No início da pandemia da Covid-19, países com dificuldade de abastecimento buscaram fornecimento no Brasil. Isso continua?

Ribeiro – Sim, há muito interesse em relações comerciais com o Brasil, principalmente de países asiáticos. O Brasil é um dos poucos países do mundo que pode fornecer alimentos em quantidade e qualidade. A China respondeu por 40% das exportações do agronegócio brasileiro no primeiro semestre deste ano, superando em mais de US$ 5 bilhões a soma das exportações brasileiras para União Europeia, América do Norte, Oriente Médio, América do Sul e África.

Para cada US$ 1,00 que exportamos para os Estados Unidos, exportamos US$ 6,66 para a China. Do volume exportado de soja no acumulado do ano, 72% foi para a China. O desafio hoje é a concentração das nossas exportações em um produto e um destino, o que não faz sentido economicamente.

Broadcast Agro – Dado o peso da China nas exportações agrícolas brasileiras, como o senhor avalia o fato de o Brasil ter se aliado aos Estados Unidos contra a China na Organização Mundial do Comércio (OMC). Há riscos para a relação Brasil/China?

Ribeiro – O documento que circulou na OMC foi negociado exclusivamente entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Economia. O Ministério da Agricultura não foi consultado e, por isso, não comento a questão. De nossa parte, reconhecemos a China como nosso principal parceiro comercial e mantemos esforços na aproximação com o país.

Broadcast Agro – Como está a relação do ministério com a China especificamente na questão de suspensão de frigoríficos brasileiros para exportação em meio aos surtos no novo Coronavírus?

Ribeiro – Temos um canal aberto entre técnicos do Departamento de Defesa Sanitária com o Departamento de Alfândegas da China (GAAC). Diariamente há troca de informações em inglês. Abrimos este chat exclusivamente para tratar as questões decorrentes da Covid-19, agilizar a relação e evitar dificuldades de tradução de idioma.

Broadcast Agro – A retirada da suspensão das exportações do frigorífico Agra Agroindustrial para a China, divulgada nesta semana, é resultado dessa relação entre os governos?

Ribeiro – Não. A reabertura decorre de dinâmica interna do GAAC, sobre a qual não temos completa compreensão. Não sabemos o que motivou a reabertura e nem a suspensão. Também não concordamos com a suspensão de outros cinco estabelecimentos, porque o entendimento de órgãos internacionais é de que alimentos e embalagens não são portadores do vírus. Não existe possibilidade de transmissão do vírus por alimentos. As suspensões feitas pela China atendem a uma questão de satisfação do público interno do que a real preocupação com o risco de contaminação.

 

Fonte: Broadcast Agro

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