Um eventual acordo entre Estados Unidos e China para encerrar suas disputas comerciais não será suficiente para abrir espaço às altas expressivas dos preços internacionais da soja nos próximos meses. Isso porque, como lembram analistas, não há armistício que possa se sobrepor à lei da oferta e da demanda.
Enquanto a oferta conjunta de Brasil e EUA, que lideram as exportações mundiais do grão, é ampla, a demanda da China, que responde por 60% das importações, arrefeceu diante de um crescimento menor de sua economia e dos problemas causados pela peste suína africana.
A última janela de onde ainda se vislumbrava uma possível valorização relevante aos poucos está se fechando. Por causa de inundações em regiões produtoras de grãos do Meio-Oeste americano, as estimativas de redução da área plantada no país na safra 2019/20, em decorrência dos preços pouco atraentes na bolsa de Chicago, começam a ser revistas.
Na semana passada, a consultoria AgriCensus ainda apontava para uma redução de 1.2 milhão de hectares em relação à safra 2018/19, para 34.9 milhões de hectares, em benefício do plantio de milho, cuja área foi estimada em 37 milhões de hectares, um aumento de 890.000 hectares. Ocorre que o milho é plantado antes da soja nos EUA e as inundações tendem a limitar essa migração.
Se essa expectativa se confirmar, o copo, que já está cheio, poderá transbordar. No mercado, estima-se que o USDA mostrará no relatório que será divulgado na sexta-feira, que os estoques americanos de soja estavam com 73.1 milhões de toneladas de soja no início deste mês, 15.7 milhões de toneladas a mais que em 1º de março de 2018.
Esse volume se somará ao atual forte ritmo de vendas de Brasil e Argentina, que ontem derrubou as cotações em Chicago, mas que também tende a arrefecer diante do enfraquecimento da demanda chinesa.
O USDA estima que nesta temporada internacional 2018/19, que terminará em agosto, a oferta total de soja no mundo, somando os estoques iniciais e produção, alcançará a 458.6 milhões de toneladas, contra uma demanda de 348.5 milhões de toneladas. Dessa forma, os estoques finais no ano comercial deverão chegar a 107.2 milhões de toneladas, quase dez milhões de toneladas a mais que no fim do ciclo 2017/18.
Diante desse quadro, no Brasil, a Abiove, que representa as indústrias exportadoras, estima que as exportações do grão ficarão em 70.1 milhões de toneladas no ano de 2019, quase 13 milhões de toneladas a menos do que no ano passado. Na mesma comparação, informa a entidade, a receita das vendas deve recuar 20%, para US$ 33.2 bilhões.
O cenário já se reflete nos prêmios pagos pela soja do país. Estes explodiram nos primeiros meses das disputas de Pequim e Washington e compensaram as quedas das cotações em Chicago, que acusa sobretudo a realidade dos EUA, mas já voltaram a níveis considerados normais.
“Os contratos futuros de soja não vão chegar aos US$ 10,00 o bushel (27,2 quilos) apenas com um acordo comercial entre EUA e China. Há ainda uma oferta muito grande”, disse Luiz Fernando Roque, analista da Safras & Mercado. Ontem, com a queda registrada, o vencimento julho/19 fechou cotado a US$ 9,01 o bushel, em queda de 1% neste mês e de 12,6% nos últimos 12 meses, segundo os cálculos do Valor Data.
No que depender dos mais recentes movimentos dos fundos que atuam nesse mercado, novas quedas estão por vir. Segundo o relatório divulgado na sexta-feira pela Comissão de Comércio de Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês), no dia 19 os investidores institucionais detinham uma posição líquida vendida de 63.992 contratos.
O número corresponde à diferença entre o número de posições compradas (com as quais os fundos tentam lucrar com a alta dos preços) e o de posições vendidas (com os quais tentam ganhar com a queda). No fim de 2018, o saldo líquido vendido era de 18.136 contratos.
“Essas expectativas indicam que os fundos não acreditam numa retomada concreta de compras da China”, disse Roque. “E mais da metade dos contratos negociados em Chicago estão nas mãos dos fundos, o que indica que dificilmente a soja subirá expressivamente”. O analista avalia que, em caso de acordo entre as potências, o grão pode chegar aos US$ 9,50 o bushel, mas dificilmente a escalada irá superar muito esse patamar.
A China não ajuda a tornar o cenário menos baixista. Com o surto de peste suína africana, que eleva a demanda por carne, mas reduz as compras de soja para a produção de ração, e a desaceleração da economia, o país asiático importou 11.8 milhões de toneladas de soja no primeiro bimestre do ano, com queda de 14,9% na comparação com o mesmo período de 2018. Em 2018/19, o USDA estima que as importações chinesas ficarão em 88 milhões de toneladas, 6,5% menos que na safra passada.
Segundo Steve Bruce, analista da Walsh Trading sediada em Chicago, o mundo está diante de uma oferta confortável de soja e de proteína animal. Do lado micro, isso ajuda a explicar a posição vendida dos fundos. Mas ele ressalva que esses fundos estão vulneráveis a uma alta de preços, já que estão em nível “vendido o suficiente”. Mas não significaria muito mais que um alento para as cotações.
Noves fora, concordam os analistas, é bom não esperar muito da visita da delegação americana à Pequim, no fim desta semana, nem da delegação chinesa que desembarcará em Washington na semana que vem. Se a soja disparar em razão de um acordo, será um voo de galinha.
Valor Econômico