O Brasil tem um papel crucial diante da emergência de três questões globais: segurança alimentar, segurança climática e segurança energética. “Temos esses três problemas ocorrendo ao mesmo tempo no mundo — e o Brasil pode ter um papel relevante na solução de todos os três”, afirmou o professor Marcos Jank, coordenador do centro Insper Agro Global, durante um painel no Brazil Climate Summit, organizado por alunos e ex-alunos brasileiros da Universidade Colúmbia, nos dias 13 e 14 de setembro.
O evento, que antecede a Semana do Clima de Nova York (NYC Climate Week), abordou o papel do Brasil na corrida por emissões líquidas zero de gases de efeito estufa, discutindo como o país pode se posicionar como um centro de soluções globais, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento econômico sustentável. Além disso, debateu estratégias para atrair investimentos verdes para o Brasil, bem como o papel do setor privado para garantir a sustentabilidade do planeta.
Jank participou do painel “Sistemas Agrícolas Sustentáveis e Resilientes: Melhorando a pegada de carbono do uso da terra” e dividiu o palco com Marta Giannichi, diretora executiva de operações da MyCarbon, subsidiária da Minerva Foods voltada à comercialização de créditos de carbono; Paula Costa, fundadora da consultoria em sistemas agroflorestais regenerativos Pretaterra; e Plínio Ribeiro, cofundador da Biofílica Ambipar, empresa especializada em conservação florestal e comercialização de serviços ambientais. O bate-papo foi mediado por João Adrien, head de Estratégia ESG do Itaú BBA.
Durante o painel, Jank ressaltou que a segurança alimentar está na pauta global há séculos, mas ganhou relevância nos últimos três anos em função de uma combinação de fatores, incluindo os impactos da pandemia, a guerra na Ucrânia e eventos climáticos adversos em várias partes do mundo. “Além disso, a alta da inflação, especialmente com o aumento nos preços de alimentos e energia, agravou ainda mais essa preocupação. Nesse contexto, tivemos problemas de segurança alimentar, especialmente na África e na Ásia, onde a situação ainda se mostra particularmente crítica”, disse Jank.
O professor do Insper destacou o papel estratégico do Brasil para a segurança alimentar global — o país é o quarto maior produtor agrícola do mundo, o terceiro em exportações e o primeiro em superávit comercial no setor. “Temos a maior taxa de crescimento da produtividade total dos fatores entre os grandes players do agro mundial. Em 2022, exportamos 160 bilhões de dólares em produtos agrícolas, ante 101 bilhões em 2020. Portanto, em apenas dois anos de pandemia, tivemos um avanço de 60% nas exportações agrícolas.”
Jank salientou também o papel importante do país na luta contra as mudanças climáticas, dado que 66% do território brasileiro é coberto por vegetação nativa. Lembrou a liderança do país no desenvolvimento de tecnologia agrícola tropical, um processo que começou com a melhoria dos solos ácidos e pobres em nutrientes, particularmente no Cerrado, e incluiu avanços como o aprimoramento de variedades genéticas adaptadas ao clima brasileiro, a adoção generalizada do plantio direto (com o revolvimento mínimo do solo), práticas de rotação de culturas que permitem o cultivo de soja, milho e algodão na mesma safra e o sistema de integração lavoura-pecuária, que possibilita expandir a agricultura em áreas de pastagem. O Brasil também tem presença importante em biocombustíveis, com 46% de sua matriz energética proveniente de fontes renováveis.
“Dois terços do desmatamento no Brasil ocorrem em terras que deveriam ser controladas pelo setor público, como territórios indígenas, unidades de conservação, assentamentos rurais e terras devolutas [não designadas]”, disse Jank. “A solução desse problema envolve comando e controle, algo que falhou nos últimos anos, a implementação plena do Código Florestal e a regularização dos direitos de propriedade da terra.” E acrescentou: “Quando se fala em desmatamento, não somos apenas vilões; somos também a melhor solução conhecida em condições tropicais”.
Para Marta Giannichi, da MyCarbon, a produção sustentável de carne bovina não apenas desempenha um papel importante na segurança alimentar global, mas também pode ser neutra em carbono, desde que sejam aplicadas as melhores práticas e tecnologias, como a agricultura regenerativa e a integração de sistemas pecuários com cultivos agrícolas e florestas. “Cerca de 25% das emissões globais poderiam ser evitadas com boas práticas na agricultura e no manejo de pastagens”, disse. “Há muitas oportunidades no setor, mas há também muitos desafios relacionados ao acesso a capital e à garantia de preços premium para produtos sustentáveis.”
Por sua vez, Paula Costa, da consultoria Pretaterra, destacou a importância de reconhecer o papel crucial que a agrofloresta (produção de alimentos associada à conservação florestal) pode desempenhar na mitigação das mudanças climáticas. “Árvores são uma das melhores tecnologias para sequestrar carbono e, quando integradas a sistemas de produção, se tornam uma parte valiosa da solução para reduzir as emissões de carbono e promover uma bioeconomia sustentável”, afirmou. “A agrofloresta não é apenas sobre agricultura, mas também sobre uma mudança cultural rumo a uma agricultura mais sustentável e resiliente.”
Já Plínio Ribeiro, da Biofílica Ambipar, chamou atenção para o imenso potencial do Brasil para se tornar líder no mercado global de carbono. “Atualmente, o mercado de créditos de carbono no Brasil é relativamente pequeno”, disse.
No entanto, ele frisou que o país possui uma vantagem única, representada pelo potencial global de sequestro de carbono no solo — o processo pelo qual o carbono atmosférico, em forma de dióxido de carbono (CO2), é capturado e armazenado nos solos terrestres, reduzindo assim o efeito estufa e o aquecimento global.
“O sequestro de carbono no solo não apenas contribui para a mitigação das mudanças climáticas, mas também aumenta a produtividade agrícola, tornando as áreas mais resistentes às condições climáticas adversas. Isso, por sua vez, ajuda a evitar a expansão agrícola para novas áreas, evitando a destruição de florestas.”
Ao concluir sua participação no painel, Marcos Jank salientou dois pontos que considera importantes. O primeiro é que os desafios climáticos demandam soluções globais, e não apenas nacionais. Devemos concentrar nossos esforços em subsidiar as práticas de mitigação de carbono mais eficientes globalmente, em vez de gastar recursos em projetos que não fazem sentido ou que são limitados apenas ao território de um país”, disse Jank.
Em segundo lugar, o professor do Insper destacou a necessidade de essas soluções chegarem até os agricultores. “Muitas discussões ocorrem em níveis mais altos, mas, quando você vai à fazenda, os agricultores geralmente não conhecem ou não estão preocupados com carbono, porque não veem a sua mitigação como um negócio lucrativo para eles. Precisamos encontrar maneiras de incentivar os produtores, talvez por meio de prêmios ou recompensas, a adotar práticas sustentáveis”, disse Jank.
“Por fim, acredito que o Brasil tem potencial para liderar, mundialmente, as discussões sobre soluções baseadas na natureza [conhecidas pela sigla NBC – nature based solutions], especialmente em virtude da nossa posição em energia e agricultura sustentáveis. Se eliminarmos o desmatamento e cumprirmos nossas responsabilidades, podemos liderar essas discussões globais com sucesso.”