por Marco Fujihara* ///
Os desafios relacionados ao crescimento populacional e às mudanças climáticas exigem que o Brasil dê um novo salto na qualidade de sua agricultura. Enquanto a revolução “verde” iniciada nos anos 1970 possibilitou que o país deixasse de ser um importador líquido de alimentos e se tornasse um dos gigantes globais no segmento, hoje a saída para a manutenção desse status passa fundamentalmente por uma nova revolução rumo à agricultura de precisão. É hora de os computadores e sensores superarem tratores, fertilizantes e o capital como protagonistas do trabalho do campo.
Nas últimas décadas, o Brasil desenvolveu um modelo de agricultura e pecuária tropical tipicamente brasileiro, superando diversas barreiras que limitavam a produção de alimentos no país. De acordo com informações da Embrapa, esse processo viabilizou a incorporação de uma larga extensão de terras degradadas aos sistemas produtivos e permitiu inúmeros avanços. Alguns exemplos: a oferta de carne bovina e suína foi multiplicada por quatro, enquanto a produção de frango aumentou 22 vezes. O país passou da condição de importador de alimentos básicos para um dos maiores produtores e exportadores globais.
Além da pesquisa científica – impulsionada particularmente pela Embrapa, diga-se de passagem -, esse desenvolvimento baseou-se em investimentos significativos de capital, na estruturação de amplas propriedades rurais e na adoção maciça de fertilizantes e agrotóxicos.
Uso de mapeamento por drones ou por satélite auxiliará na definição dos cultivares mais adequados
Essa expansão vai de encontro às teorias do Clube de Roma que, em “O Limite do Crescimento”, argumentava que o mundo corria sério risco de não ter mais matérias primas e que a humanidade poderia sucumbir no século XXI.
Mais de quarenta anos depois, nos deparamos com análises da mesma natureza, que escancaram o desafio da manutenção do crescimento do consumo frente à realidade da limitação de recursos naturais e aos efeitos das mudanças climáticas, inclusive no que se refere ao aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos (como secas e tempestades mais agressivas). A boa notícia é que temos disponibilidade tecnológica que certamente nos permitirá, mais uma vez, mostrar aos catastrofistas que é possível ampliar ainda mais a produtividade do campo, garantindo mais alimentos e produtos com mais eficiência e sustentabilidade.
Baseada no princípio da variabilidade do clima e também do solo, a agricultura de precisão utiliza a tecnologia de informação e opera a partir de dados específicos de áreas geograficamente referenciadas, implantando o processo de automação agrícola e fazendo uso de dosagens precisas de adubos e agrotóxicos, por exemplo.
Por meio da geoestatística, esse tipo de agricultura procura estabelecer condições químicas, físicas e biológicas ideais às espécies cultivadas. Para isso, parte da ideia de que cada ponto de um terreno é único e passa assim a buscar a correlação entre ele e os pontos vizinhos. Ao contrário do estabelecimento de médias e do pensamento de “bloco” – em que se considera que o terreno consiste de um todo igualitário -, as estatísticas que são geradas permitem uma agricultura personalizada e mais eficiente, apta para lidar com um mundo em constante transformação.
Nesse contexto, o desenvolvimento de novos cultivares também deve manter sua importância. Além do aumento do uso da tecnologia, as técnicas tradicionais devem ser cada vez mais combinadas com a engenharia genética para o agricultor dispor de plantas mais resistentes às novas condições climáticas das várias regiões do país. Ou seja, variedades que dependam menos de chuvas ou que suportem melhor condições climáticas extremas.
Ao mesmo tempo, tais mecanismos serão fundamentais para que o campo atenda a crescente demanda da sociedade por alimentos considerando as futuras limitações de espaço. Ou seja, é preciso que os cultivares também permitam colheitas mais fartas. O aumento da expectativa de vida da população, que exigirá que cada vez mais se invista em prevenção do que em tratamento de doenças, abrirá espaço para o fornecimento de alimentos não só com melhores teores de fertilizantes e agrotóxicos, mas, principalmente, por comida que já venha, da própria planta, enriquecida com vitaminas e sais minerais específicos.
Junto ao desenvolvimento de novos cultivares, esse processo terá como aliado fundamental o mapeamento das áreas. O uso de análises de ressonância magnética combinado com o mapeamento por drones ou por satélite auxiliará na definição das espécies ou cultivares mais adequados para cada local, o que também ajudará a reduzir o acréscimo de substâncias à lavoura – em prol da economia de insumos, inclusive de água. A economia deste recurso, aliás, também poderia se dar com a adoção de técnicas de microgotejamento, reduzindo desperdício e garantindo a quantidade adequada para cada planta. Por trás de tudo isso, funcionários de fazendas mais preparados para lidar com informações e muito menos mão de obra barata e pouco qualificada.
Evidentemente que tudo isso será feito considerando as bases da agricultura. O avanço tecnológico nos permitirá, no entanto, tirar o melhor de cada um de seus componentes e combiná-los de maneira decisiva em favor da qualidade e das novas condições de vida na Terra. Água, ar, terra e o agricultor permanecerão por trás de tudo o que chega à nossa mesa, assim como o Teorema de Pitágoras que serviu de base para o sextante (instrumento de medição desenvolvido no século XVIII) e continua por trás de todos os modernos equipamentos para medição de distâncias: com eficiência e qualidade incomparáveis.
*Marco Antonio Fujihara é diretor da Keyassociados e consultor do Banco Mundial.
Fonte: Valor Econômico