As incertezas que ainda travam a economia global e a tendência de acomodação das cotações das commodities em geral em patamares mais baixos esfriaram os ânimos no campo brasileiro. O claro otimismo dos últimos anos deu lugar à cautela, e os investimentos tendem a ser mais comedidos e focados em frentes capazes de conferir maior segurança às atividades.
Essas são algumas das conclusões que podem ser extraídas das informações coletadas por uma pesquisa de campo realizada entre novembro e janeiro em todo o país para o lançamento, nesta segunda-feira na capital paulista, do novo Índice de Confiança do Agronegócio (IC Agro) da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
“O IC AGRO será uma ferramenta essencial para toda a cadeia produtiva. É um material de referência e sem dúvida será usado para auxiliar a tomada de decisões de indústrias, empresários e cooperativas”, afirma o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. “Por outro lado, ele também poderá ser usado pelo governo como um termômetro, já que permite apontar as necessidades de implementação e melhoria de políticas públicas para o setor”, diz ele.
Gestado por quase dois anos, patrocinado pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) e pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e realizado pelo instituto de pesquisa Agroipes – um dos braços da Plataforma Agro, grupo cujo carro-chefe é a consultoria Agroconsult -, o trabalho ganhou seus contornos a partir de entrevistas com mais de 1,5 mil produtores agropecuários (645 válidas) e 40 empresas de insumos.
Com uma escala que vai do deprimido zero, passa pelo neutro 100 e termina no eufórico 200, o primeiro IC Agro de Fiesp e OCB ficou em 104,5 pontos. Esse resultado indica um “otimismo moderado”, segundo Antonio Carlos Costa, gerente do Departamento do Agronegócio (Deagro) da Fiesp, sustentado pelas indústrias de insumos, que viram as vendas de fertilizantes, defensivos e máquinas baterem recorde no ano passado.
Essas empresas não estão confiantes na economia do país como um todo – o resultado médio das respostas nesta frente foi de 84,9 pontos -, mas confiam no setor de agronegócios (123,5). As companhias e grupos que atuam “antes da porteira” estão mais otimistas (109,8) que as indústrias cujo foco está depois dela (109,3), também influenciadas pela tendência de queda dos preços em alguns segmentos. O trabalho realça que as cooperativas atuam antes e depois da porteira.
Já os produtores agropecuários estão ressabiados. O índice de confiança médio da categoria ficou em 97,5 pontos, abaixo do ponto neutro, e foi pressionado pelos pecuaristas (96,9) – entre os agricultores, o resultado ficou em 97,6 pontos. Em geral, os produtores estão pessimistas quanto a seus custos (61,6 pontos) e sobre a economia brasileira (84,9), mas também confiam no setor (105,1) e veem com bons olhos suas produtividades (105,1).
Na agricultura, mostra a pesquisa, os mais preocupados são os produtores de café, cana e laranja, em contraste com os de soja e algodão. André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, pondera, contudo, que esses resultados poderão mudar quando o índice for atualizado – o trabalho, que estará disponível no site da Fiesp, será feito trimestralmente -, já que a pesquisa foi feita antes do recrudescimento da seca em regiões do Centro-Sul do país.
Por causa da seca, lavouras de café, cana e laranja foram prejudicadas e as próximas colheitas serão menores que as inicialmente esperadas. No mercado de café, por exemplo, os preços deixaram os baixos níveis de 2013 para trás e já subiram mais 50% neste ano na bolsa de Nova York.
Em contrapartida, durante a pesquisa os sojicultores ainda trabalhavam com a perspectiva de preços internacionais mais firmes ao longo do ano do que sugerem as atuais projeções, sobretudo após a confirmação, pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), do aumento da área de plantio no país na safra (2014/15). Depois dela, divulgada na semana passada, o próprio USDA passou a estimar preços da soja quase 30% inferiores aos atuais no mercado internacional.
Entre os três maiores problemas para os negócios revelados pelos produtores agropecuários, o clima foi citado por 46,8% dos entrevistados. Em seguida aparecem o preço de venda dos produtos (38,8%), o aumento dos custos de produção (33,8%), a alta incidência de pragas e doenças (31,9%) e a falta de trabalhadores qualificados (25,6%), a legislação ambiental (23,9%), a infraestrutura logística (21,2%) e a legislação trabalhista (21,1%).
Exceção feita ao clima, são fatores que, em geral, podem ser administrados pelos produtores ou impressões que servem como subsídio para políticas públicas. “Informações como essas são insumos importantes para a definição das políticas comerciais e de investimentos das cooperativas”, reforça Renato Nobile, superintendente da OCB.
Nessa seara, o novo índice de confiança carrega como subproduto um “painel de investimentos” que reforça e ajuda a entender seus resultados. Ele mostra que 52,7% dos agricultores entrevistados pretendem ampliar os aportes em custeio, com foco em controle fitossanitário, sementes e mão de obra. Aponta que 35,2% deles investirão mais em máquinas e equipamentos, especialmente tratores, e que 35% planejam elevar gastos em infraestrutura, principalmente armazenagem.
No caso dos pecuaristas, 60,6% dos entrevistados também disseram que vão investir mais. O foco dos aportes estará concentrado em reforça das pastagens (56,7%), recuperação de pastagens (36,7%), manejo rotacionado do pasto (30%) e cercas, cochos e bebedouros (28,3%).
Tais focos estão em linha com o perfil dos produtores agropecuários que fizeram parte da pesquisa. O Agroipes procurou, em entrevistas pessoais ou por telefone, aqueles inseridos em dez das mais competitivas cadeias produtivas do agronegócio – soja, milho, trigo, arroz, cana, café, laranja, algodão, gado de corte e gado leiteiro) -, em 16 Estados. O número de amostras foi definido de acordo com as participações no Valor Bruto da Produção (VBP).
Do total, 40,9% são de médio porte, definição que pode mudar conforme a região de atuação. No Paraná, por exemplo, um produtor de médio porte tem entre 101 e 500 hectares; em Mato Grosso, essa área sobe para entre 1.001 e 5 mil hectares. Benedito da Silva Ferreira, diretor titular do Departamento do Agronegócio da Fiesp, realça, finalmente, o alto nível de profissionalização dos produtores consultados.
Conforme a pesquisa, 37,1% deles têm superior completo e 6,2% concluíram um curso de pós-graduação. Na agricultura, 60,4% dos produtores entrevistados disseram que sua família está há mais de 30 anos na atividade, ante 34,3% na pecuária – o que confirma, segundo os autores do trabalho, que a pecuária muitas vezes é a “porta de entrada” para o setor de agronegócios. Dos que têm ensino superior, 45,7% são formados em ciências agrárias (agronomia, veterinária ou zootecnia).
Na agricultura, 72,2% dos produtores afirmaram que a atividade representa mais de 90% de suas rendas totais, ante 35,4% na pecuária. E 75,8% do total, paradoxalmente, afirmaram que não gostam de correr riscos, ainda que correr riscos esteja no DNA da agropecuária.
Fonte: Valor Econômico