Economistas reunidos na sede da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), no Rio de Janeiro, analisaram o quadro atual da China e debateram alguns aspectos que estão limitando o desenvolvimento do país asiático. Os economistas também concordaram com a necessidade de uma reforma na economia chinesa.
O coordenador do encontro, ex-presidente do Sebrae e ex-diretor do BNDES, Rubem Novaes disse que, atualmente, “há uma desconfiança do mercado em relação à China, apesar das notícias positivas sobre o crescimento daquele país”.
Essa desconfiança, segundo ele, é baseada em alguns fatores como estatísticas econômicas oficiais pouco confiáveis; debilidade do sistema financeiro; demandas crescentes nas áreas trabalhistas e de direitos humanos; escassez de água; poluição do ar e dos rios e problemas demográficos (limitação do crescimento, força de trabalho reduzida e velhice crescente da população).
MUDANÇAS
Mesmo considerando os problemas expostos, o economista Roberto Castello Branco afirmou que o problema da China se resume na ausência de reformas estruturais: “As estatísticas chinesas têm suas imperfeições, como as de qualquer país do mundo. A questão da poluição é muito séria na China, mas o governo quer dar prioridade à preservação ambiental e várias medidas estão sendo tomadas. Já a escassez de água pode ser revertida com tecnologia, como por exemplo as usinas de dessalinização do mar”.
“Em relação à população, a faixa de 15 a 64 anos, em idade de trabalhar, não está crescendo; com isso, os chineses estão investindo de forma maciça em educação. A China hoje é a maior produtora de mestres e doutores em ciência do mundo, é o segundo maior investidor em pesquisa e desenvolvimento e o segundo maior produtor de papers científicos”, comentou o economista.
Castello Branco também salientou que, apesar de algumas constatações, como o crescimento do setor de serviços, “que já é responsável por 50% do PIB (Produto Interno Bruto)”, e diante da expansão do consumo em grau superior ao da indústria e a liberalização dos mercados financeiros e da movimentação de capitais, “o que deixa a desejar é a reforma na economia real”.
“Do lado positivo, facilitou-se a abertura de empresas, mas a reestruturação das estatais não aconteceu, e a influência do Partido Comunista sobre as empresas aumentou”, pontua o economista.
AVALIAÇÕES
Para o secretário executivo do Conselho Empresarial Brasil-China, Robert Fendt, “a China não é uma maravilha, mas também não é fora do normal. Em geral, as estatísticas econômicas, para os padrões internacionais, são boas. Por outro lado, realmente há um problema grave de endividamento das empresas”.
Ele também vê com bons olhos a nova política cambial chinesa, instaurada há dez meses, e que prevê um regime cambial de taxa flutuante, baseado na demanda e oferta de divisas. “Quem não acreditou no que ouviu ou leu, esperou o pior; quem decidiu criticamente aceitar provisoriamente as explicações, as viu comprovadas nos meses subsequentes, e pelo menos até o momento.”
Para Fendt, “não há nada que inviabilize o novo regime, exceto surtos de desconfiança. Quanto a esses, caberá ao passar do tempo mostrar quem tem razão”, afirmou ele, reconhecendo que “existe algum otimismo com relação à permanência do quadro atual”.
O secretário avaliou que o país asiático é um sucesso em matéria de incorporação. “A China consegue captar pessoal com produtividade marginal zero na atividade agrícola, ou seja, aqueles que produzem somente para se alimentar, transfere esse contingente para zonas especiais de produção (zona urbana) e passam a ter produtividade marginal positiva”.
Ressaltou ainda que as estatísticas sobre produtividade explicam os 70% do crescimento do país. “Mas existe um limite de espaço e isto impede que a China cresça mais de 14% a 15% ao ano”, constatou Fendt, lembrando que a China tem um programa para dobrar o próprio PIB, até 2025.
ESTOQUES
Vice-presidente da SNA, Hélio Sirimarco salientou que o fim da política de estoques gerou impacto no setor produtivo: “No caso do milho, cujos estoques atingiram 130 milhões de toneladas, ou seja, mais da metade do estoque mundial, o governo pagava para o produtor chinês um preço em torno de 50% acima do mercado internacional, para manter a produção. Agora querem diminuir esse mecanismo, desovar o volume estocado”.
Explicou também que o governo anunciou uma política de garantia preço mínimo para evitar que o produtor troque de cultura, já que a produção de milho ou algodão pode não ser atrativa.
“O problema é como sustentar esse sistema, tendo em vista o que aconteceu com algodão há dois anos. Houve diminuição dos estoques, mas venderam quantidades muito pequenas, e continuaram importando. Ou seja, o volume de estoque de algodão continua a representar 60% do estoque mundial.”
DEPENDÊNCIA
Em relação ao Brasil, o vice-presidente da SNA acredita que o País esteja em um grau de dependência muito grande em relação à China. “Por exemplo, mais de 80% da soja que a gente exporta vai para o mercado chinês. Se houver algum problema lá, vai impactar no Brasil”.
Na opinião de George Teixeira Pinheiro, presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB), a relação Brasil-China pode ser vista de outra forma: “O Brasil sem a China não existe. No entanto, não há dependência, e sim complementação. Essa é a realidade do Brasil hoje. Precisamos ter a parceria comercial chinesa. O presidente Michel Temer já sinalizou para essa questão, dizendo que o maior investimento dele será viabilizar o Brasil como parceiro chinês”.
O presidente da CACB acrescentou que a China deverá comprar, ainda este ano, cerca de 100 aviões da Embraer. “Isso representa uma facada no Canadá, nos EUA e na Europa”, afirma.
TECNOLOGIA
A tecnologia, segundo Pinheiro, é um instrumento de poder, inclusive para o setor agrícola no Brasil. “A agricultura é o principal produto da nossa pauta de exportação, que cobre nosso caixa, mesmo em tempos de crise”.
O potencial tecnológico da China foi apontado pelo vice-presidente da SNA Tito Ryff como o fator que deverá transformar o País em um caso de sucesso no futuro: “A China, hoje, investe muito em ciência e tecnologia. O número de patentes tem crescido de forma expressiva, fazendo com que o país asiático se aproxime de nações de ponta, como Coreia do Sul e Alemanha. Além da tecnologia militar, a China investe também em energias alternativas”.
Para Ryff, a economia será a mola para impulsionar ainda mais a China para o mundo: “O que deverá determinar uma transição interna pacífica na China, e a ascensão daquele país no cenário internacional, é a economia, ou seja, a transição de uma economia de capitalismo de Estado para uma economia mais liberal, aberta, com uma intervenção menor do Estado na vida do cidadão. No entanto, essa transição não vai ser fácil”.
EXPANSÃO DO CRÉDITO
O economista Castello Branco informa que até o próximo ano não haverá reformas na China: “Um dos objetivos do presidente Xi Jinping é garantir que no congresso do Partido Comunista de 2017 ele assuma o controle do Comitê Central para facilitar sua gestão”. “No entanto, existe um compromisso de crescimento rápido da economia pela expansão do crédito. A maior parte desse crédito vai para as estatais e para o setor imobiliário”.
Neste âmbito, ele indica que a alavancagem na China (multiplicação da rentabilidade pelo endividamento, resultante da participação de recursos de terceiros na estrutura do capital da empresa),cresceu de forma bastante forte nos últimos sete anos.
“Em 2007, a relação dívida/PIB era da ordem de 158%. Os últimos dados apontam para 302%, ou seja, quase 150% do PIB de dívida interna adicional”, explica o economista.
Castelo Branco reforçou também que as empresas submetidas à alavancagem, além de baixa produtividade, reforçam as evidências de investimento sem retorno. “Empréstimos são concedidos, mas é sabido que as empresas não vão pagar”.
CRISE?
O certo é que existem evidências para uma crise financeira na China. O aumento muito rápido da alavancagem, o boom de créditos que pode levar a um cenário similar ao da ‘bolha’ americana em 2008 e a dependência dos bancos do mercado de atacado, envolvendo saques rápidos por parte dos veículos financeiros, são alguns dos exemplos.
Diretor da SNA, Tulio Arvelo Duran citou ainda o problema da burocratização na China: “O sistema de fiscalização na área financeira é muito descentralizado em nível regional e esses supervisores tem poucos incentivos. Logo, isso gera um desestímulo”.
Apesar das constatações, Castello Branco não acredita que essa crise irá acontecer: “O Estado chinês tem a poupança muito elevada, com a dívida pública relativamente pequena, atingindo 60% do PIB. Daqui a três anos, o governo chinês deverá fazer uma limpeza no sistema bancário, e isso deverá custar mais de um trilhão de dólares, por meio de capitalização direta ou com o estabelecimento de empresas de administração de ativos”.
BAIXO CRESCIMENTO
Na ausência de reformas, no entanto, e tendo em vista a falta de reestruturação das estatais, o governo chinês, segundo o economista, vai levar a economia daquele país para um crescimento muito mais baixo.
“A estimativa de crescimento é de 3% ao ano, o que ainda é melhor que o Brasil. A indústria está crescendo menos. Para as commodities agrícolas, devido à escassez de terras aráveis, o país precisa importar mais. O aumento da renda per capta significa mudança no padrão alimentar, com demanda de mais proteínas, e isso representa mais mercado para o Brasil, no que se refere a grãos e carne”, ressalta Castello Branco.
PRESENÇAS
A reunião do Conselho Informal de Economia da SNA foi realizada no último dia 14 de julho. Estiveram presentes o presidente da instituição, Antonio Alvarenga, os diretores Paulo Protásio (presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro), Sérgio Malta, Hélio Meirelles, Antonio Freitas, Rony de Oliveira e Francisco Villela; os economistas Paulo de Tarso Medeiros, Roberto Levy, Sérgio Gabizo, Amim Lore, Antonio Meirelles, Carlos Von Doellinger, Helio Portocarrero, Ralph Zerkowski e Ney Brito; o presidente da Associação de Exportadores Brasileiros, José Augusto de Castro, e o empresário Eduardo Morais de Castro.
Por equipe SNA/RJ