Nabhan exige rigor contra invasores

Conselheiro do presidente Jair Bolsonaro, o produtor rural Luiz Antônio Nabhan Garcia assumiu a nova Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura com uma missão clara do chefe: garantir a segurança jurídica e econômica para o Brasil, sem prejudicar direitos de quem quer que seja. “É só seguir a lei”, afirmou ele em entrevista ao Valor, em meio à montagem de seu gabinete e o estranhamento de quem chega da iniciativa privada num ritmo mais acelerado do que o observado no setor público. Um dos seus principais desafios, no entanto, deverá ser convencer o presidente da República a regulamentar à venda e o arrendamento de terras a estrangeiros.

Ao contrário de Bolsonaro, de quem é amigo, Nabhan tem uma visão simpática à iniciativa. Desde que com limites e em benefício do Brasil, não apenas dos investidores. Para ele, o presidente pode rever sua posição contrária, como já fez outras vezes depois de eleito.

Nabhan também sinalizou disposição de discutir a produção agrícola em terras indígenas, dependendo das circunstâncias. “Eu sou 100% contra exploração mineral”, ponderou.

Mas esses não são os únicos temas sob sua responsabilidade. Ele terá papel central nas discussões e decisões relativas à reforma agrária, regularização fundiária de áreas rurais, Amazônia Legal, terras indígenas e quilombolas, por exemplo. Um de seus objetivos será trabalhar para endurecer o tratamento dado a quem invadir propriedades.

O secretário especial afirmou que não trabalhará pautado pela pressão de movimentos sociais e, assim como já ocorreu na Casa Civil, prometeu fazer uma limpa no quadro de funcionários e analisar com cuidado todos os atos que herdou. Disse que ainda não definiu quem dirigirá o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), mas que deve alterar quase todos os superintendentes estaduais do órgão. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: Como o senhor vai tratar a questão da liberação de terras para estrangeiros?

Luiz Antônio Nabhan Garcia: Esse é um assunto um pouco mais delicado. Vamos submeter a uma conversa com alguns ministros e ao próprio presidente. Temos que amadurecer, porque o Brasil é um país globalizado. Temos que ter certo cuidado com isso, não pode ter nenhum tipo de paixão ou radicalização. Então, temos que verificar direitinho sem nenhuma precipitação.

Valor: Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro disse ser contra o acesso de terras a estrangeiros por entender que pode ferir a soberania nacional…

Nabhan: Isso tudo temos que analisar com mais profundidade. Uma coisa é a campanha e outra é quando é presidente. E ele está tendo muita humildade para rever algumas coisas. Isso tem nos surpreendido. Essa questão de terras para estrangeiros é algo que vamos ter que estudar melhor, para não cometer nenhum tipo de ato que possa prejudicar o próprio país. Temos que ter essa meta de dialogar, chegar numa posição e que o Brasil continue sendo globalizado.

Valor: Quais os aspectos mais relevantes nessa discussão? A origem do investidor?

Nabhan: Tudo tem que ser analisado. A questão da origem precisa analisar. O investidor estrangeiro precisa saber que ele está sendo submetido à legislação e à soberania do país. São coisas que precisam de mais amadurecimento, para que o investimento estrangeiro venha beneficiar o Brasil.

Valor: O senhor entende que é preciso haver limite de tamanho de terras para a compra de estrangeiros?

Nabhan: Tem que ter limite. Hoje, a China se quiser vem aqui e compra até um Estado. Eles têm que saber que estão num país que não é o deles e tem regras e soberania. O investimento estrangeiro é muito bem-vindo, porém precisamos saber quem está vindo, a que propósito, cientes de que estão submetidos à nossa soberania e à nossa legislação.

Valor: A posição de contrariedade às terras para estrangeiros pode ser revista então neste governo?

Nabhan: Algumas coisa acredito que sim. Hoje, o Bolsonaro é o presidente da República em exercício. Ele pode mudar de opinião. O cara que não muda de opinião é radical, teimoso.

Valor: O senhor sempre foi crítico ao MST. Como vai ser o diálogo com os movimentos sociais?

Nabhan: Organização sem legitimidade legal nós não recebemos. Movimentos que praticam crime de invasões, ameaças e insegurança jurídica não recebemos. Estamos abertos ao diálogo com qualquer associação, entidade, que tenha personalidade jurídica. Como posso receber um líder do MST com condenação de trinta e tantos anos de cadeia como é o caso do José Rainha? Não tem trânsito e julgado, mas tem uma condenação. É um cara que a vida inteira praticou crimes, implantou um terrorismo por onde passou, que não tem cura. Como posso receber um João Pedro Stédile, que fala em pôr um exército vermelho nas ruas para derrubar ou manter quem quer que seja? Isso não tem cabimento.

Valor: Que entidades o senhor vai receber e dialogar?

Nabhan: Contag, FETAG, CUT são entidades que têm personalidade jurídica, receberemos sem problema algum. Se o MST se tornar legal, o dia em que criar uma personalidade jurídica e parar de cometer crimes, vamos receber. Não vamos receber quem tem histórico de invasões, de desestabilização, de terrorismo no campo.

Valor: E os demais setores da sociedade civil organizada?

Nabhan: Para qualquer agricultor familiar, assentado, qualquer proprietário rural, índio, quilombola, está aberto o diálogo, desde que sejam pessoas com boas intenções com o Brasil. Agora, a nossa pasta não tem mais um centavo para repassar para nenhum tipo de ONG. A prioridade é outra.

Valor: E qual será o norte da secretaria? Garantir a legalização de terras para promove produção agrícola?

Nabhan: Tudo será feito estritamente dentro da lei. Encerrou essa fase do apadrinhamento, do líder classista que vem querer indicar. Aqui a qualificação e a meta serão por competência. É atingir os objetivos, é trazer segurança jurídica ao campo, para ambos os lados. Ou seja: se tiver que trazer segurança jurídica para o índio que já tenha sua terra definida, com procedimento que tenha sido correto, tudo bem. Ninguém vai mexer. A secretaria não está existindo aqui para defender o fazendeiro ou o sem-terra. É para defender o que é legal e direito. Temos uma Constituição que determina como se faz as coisas, como se faz reforma agrária. Ninguém mais vai fazer reforma agrária na base da ameaça e das invasões. Isso acabou.

Valor: Criar mais assentamentos é uma agenda do senhor?

Nabhan: Não. A própria lei estabelece que uma propriedade improdutiva, que não cumpra sua função social, é passível de reforma agrária. O recado serve para todos, proprietários ou sem-terra. Agora em propriedade produtiva não se faz reforma agrária. Se houver uma propriedade improdutiva, tem meios jurídicos e legais para se promover uma reforma agrária. O INCRA vai fazer uma vistoria técnica, correta, inclusive com fiscalização.

Valor: O INCRA já não procede assim? O que vai mudar de fato?

Nabhan: Antes o MST invadia a propriedade e mandava no INCRA. O patrão do INCRA até então era o MST. Não é mais.

Valor: O ritmo de assentamentos será reduzido?

Nabhan: Temos uma parceria com a Secretaria de Agricultura Familiar em que haverá um trabalho dedicado ao assistencialismo aos pequenos produtores. O que existia de ocioso em alguns assentamentos ou lotes, a função é reverter isso em propriedades que produzem. Sei que ele vai ter que receber auxílio técnico, logístico, educacional para se transformar realmente em produtor rural. Infelizmente, teve muita gente que foi usada como massa de manobra para se fazer uma falsa reforma agrária. O sujeito não tem afinidade nenhuma com a terra. Por isso que existe certa favelização ainda em alguns assentamentos. A primeira medida que estamos tomando é uma revisão nesse processo agrário.

Valor: A secretaria terá capacidade técnica para demarcar terras indígenas?

Nabhan: A secretaria vai existir para resolver os problemas fundiários. E, para fazer a coisa correta, está sendo criado o Conselho Interministerial composto por cinco ministérios, ainda a ser definido.

Valor: O conselho poderá barrar essas demarcações após o INCRA identificar as terras indígenas?

Nabhan: A palavra final é do presidente da República, mas o conselho dará o seu parecer.

Valor: A delimitação de algumas terras e reservas está sendo encaminhada pela Fundação Nacional do Índio [FUNAI]. O senhor vai suspender?

Nabhan: Daqui para frente, o estudo de identificação [de terras indígenas] é técnico e vamos buscar interpretações, porque aqui no Brasil ainda existe uma confusão legal. Está na hora de a gente avançar com um estudo mais detalhado sem nenhuma paixão político-ideológica, envolver a Procuradoria-Geral da República [PGR], a Presidência da República e o Supremo Tribunal Federal [STF]. Valor: Qual será a nova diretriz que o senhor dará para a regularização da Amazônia Legal?

Nabhan: Temos que regularizar mais. Nenhum proprietário pode ficar dentro do seu imóvel sem título. Como o cidadão vai ter segurança para fazer investimento que precisa ser feito dentro da sua propriedade se aquilo ali não é dele?

Valor: Mas na Amazônia Legal há muitas áreas de preservação onde não se pode produzir…

Nabhan: Lógico. Como é que vou fazer a regularização onde a lei não permite? Tem uma limitação de tamanho de propriedade, regras que são seguidas, você tem que comprovar a posse ali durante tantos anos. São todos parâmetros legais. Vai se fazer uma regularização fundiária não só na Amazônia Legal, como nós vamos estender isso aí para o Nordeste. Já tem uma programação para umas visitas aí nos próximos dias, para ir ao Nordeste. Lá tem muito problema de regularização fundiária pendente e nós vamos criar talvez uma espécie de “Brasil Legal”, regularização no país inteiro Cada região com as suas tabelas 1.000 hectares na Amazônia não é nada, mas no Nordeste é considerado latifúndio. Hoje, a prioridade é o Nordeste. De repente podemos até fazer uma regularização a nível nacional, idêntica, moldando cada região à sua realidade fundiária.

Valor: Quais serão as suas diretrizes para as políticas voltadas aos quilombolas?

Nabhan: As diretrizes legais, o que está estabelecido em lei. Tudo vai ser feito dentro de critérios técnicos. Nada vai acontecer mais no Brasil, nessas questões fundiárias, na forma da pressão. Na forma da ameaça, ninguém vai conseguir nada.

Valor: E qual o seu entendimento sobre a possibilidade de se permitir produção agrícola em terras indígenas?

Nabhan: Isso precisa ser muito bem discutido. Esse assunto está voltando, sendo pauta no Congresso.

Valor: Mas é favorável?

Nabhan: Depende da circunstância. Precisamos rever muita coisa, ver até onde essas ONGs estão atuando. A gente tem notícias que em muitas situações determinadas etnias estão obedecendo ordens de ONGs. Epa! Espera um pouquinho! Que história é essa? Precisamos saber quem é que vai se beneficiar. Quem vai receber o dinheiro desse arrendamento? É o cacique que tem carro de luxo e casa na cidade, enquanto sua tribo está lá na aldeia e o índio está desdentado, em situação dramática, doente, numa situação catastrófica? Hoje não é permitido arrendar. Essa discussão é muito ampla e muito complexa, que tem que ser feita com muita racionalidade, inclusive isenta dessas paixões políticas e ideológicas aí.

Valor: Inclusive a discussão sobre o que pode ser produzido nelas, como produção agropecuária ou até exploração mineral?

Nabhan: Eu sou 100% contra exploração mineral. Esse é um assunto muito sério, delicado. Se a função é preservar o índio e ele precisa em alguma circunstância produzir, produzir é uma coisa muito saudável. Mas, agora, tirar e levar embora? E quem fica com essa renda? Quem vai fiscalizar? Essa discussão vai longe.

Valor: Hoje, por exemplo, uma trading não pode comprar soja de alguém que produziu em uma terra indígena.

Nabhan: Não pode, é ilegal. Como vai comprar?

Valor: O senhor já tem prevista uma agenda de publicação de atos, novas medidas? Ou o momento é mais de análise do que foi feito?

Nabhan: Primeiro nós vamos nos acomodar. Depois, vamos fazer um procedimento de exonerações. Vamos limpar o quadro, vamos deixar um quadro enxuto e eficaz. Aí nós vamos tomar as decisões administrativas, e a primeira delas é começar um processo de reavaliação do que foi feito. Temos que identificar o que foi feito corretamente e o que foi feito incorretamente. Sobre o que foi feito incorretamente, vamos ver todas as possibilidades para converter e reverter isso na condição de estar correto. Esse é o objetivo. E aquilo que foi feito efetivamente fora da lei vamos, inclusive, solicitar o cancelamento nem que tenha de ir até à própria Justiça e pedir a anulação.

Valor: Quanto durará cada uma dessas etapas?

Nabhan: Temos que agilizar isso para o mais breve. Tenho até sido meio chato com o pessoal, as coisas que eu estou pedindo são para ontem. Aqui tudo anda devagar, é impressionante. Tudo é devagar, todo mundo quer continuar mamando na teta, tem gente que é contra. Você percebe visivelmente que essa administração pública deteriorada não vai ser fácil, não. Vai ter que ter punho de ferro para pôr ela em ordem. Quantos anos faz que essa turma está agindo dessa forma? Essa história não é de hoje, não. Não adianta querer só atribuir ao PT. Estou vendo coisas que existem mesmo antes do PT – o toma lá, dá cá; as indicações políticas. O PT agravou mais essa situação, mas tem muita coisa remanescente de governos anteriores.

Valor: Muitas áreas requisitarão apoio de militares para compor seus quadros de funcionários. O senhor fará o mesmo, uma vez que eles têm muito conhecimento sobre a Amazônia e contato já com comunidades indígenas?

Nabhan: É evidente que sim. Vamos precisar de um apoio muito grande do nosso Exército brasileiro porque ele sempre esteve lá [Amazônia] em todas as horas. Ele não foi lá como algumas ONGs fizeram, para tirar dinheiro, para se aproveitar e com interesses escusos. Os militares estão lá com um dever institucional: manter a soberania e fazer o papel deles, inclusive nessa questão até humanitária e de preservar o cidadão e a vida do cidadão.

Valor: Autoridades acreditam que movimentos sociais insatisfeitos podem realizar uma onda de invasões e bloqueios em estradas. Qual seria a reação do governo?

Nabhan: Qualquer reação dentro da lei é bem recebida. Faz parte de um país que se diz democrático, democracia é isso aí: a liberdade de todo mundo reivindicar. Agora, confundir liberdade de expressão e reivindicação, que estão estabelecidas em lei, com ameaças, pressões e vandalismo é outra situação. Pode ter certeza que, se alguém obstruir estrada, a estrada vai ser desobstruída e aquele que obstruiu vai ser enquadrado cível e penalmente. Se tiver uma ameaça ou tentativa de invasão de prédios públicos, pode ter certeza que com todo o rigor da lei não haverá invasão. Se houver a invasão, quem cometeu vai ser imediatamente identificado e já detido em flagrante. É o fim da bagunça, da desordem e das ameaças às nossas instituições.

Valor: O senhor já comentou que defende tipificar invasão de terras como crime terrorista. O senhor pretende apresentar algum projeto?

Nabhan: Não é essa questão de terrorista. O presidente Bolsonaro não é advogado e eu também não. Se você for pegar no dicionário e ver o que é “terrorismo”, é tudo o que leva ao terror. Invadir uma propriedade é um terror. Tocar fogo, destruir, incendiar, sequestrar. Não é possível que uma quadrilha invada e destrua uma propriedade e simplesmente fique qualificado esbulho possessório, que não é nada. Temos aqui uma legislação que está em vigor, a Lei de Segurança Nacional. Deve-se identificar quem é o invasor. Se ele usou um carro, trator ou caminhão, esse meio de transporte precisa ser confiscado. Ele vai estar na lista negra e não vai mais poder ser beneficiado por nenhum programa de reforma agrária.

Valor

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