A Revolução Verde e as Pesquisas sobre a Fertilidade do Solo. Por Helio Meirelles

Uma simbiose para o incremento da produtividade da agricultura brasileira nos anos 60.

Foto: Acervo IAC – Instituto Agronômico de Campinas

A SNA publica, a partir de hoje, artigo especialmente elaborado por um de seus diretores, Helio Meirelles. Engenheiro químico de formação e exímio escritor, com obras de sucesso sobre temas diversos, ele possui sólida formação acadêmica e uma trajetória vitoriosa em sua profissão.

Pesquisador zeloso e conhecedor de vasta bibliografia, Hélio traça, em seu texto, a história dos estudos sobre a fertilidade dos solos, desde os primórdios do conhecimento químico até a realidade brasileira de meados do século passado, quando a grande expansão para o Centro-Oeste exigiu de produtores e cientistas uma nova gama de recursos para fomentar, no Cerrado, a imensidão da pujança agrícola nacional.

Com referências valiosas aos panoramas de cada época, ele também resgata os contextos políticos, econômicos e socioculturais que serviram de fundo para o crescimento territorial dos cultivos, o aprimoramento tecnológico dos maquinários, os investimentos e a difusão do conhecimento necessários a essa empreitada de singular sucesso. Acompanhe a primeira parte, cujo complemento estará disponível, em breve, também aqui no Portal SNA.

 

 A Antiguidade

Os mais primitivos agrupamentos humanos dedicavam uma boa parte do tempo buscando uma explicação para o fenômeno da germinação de vegetais nos diversos tipos de solo. A insuperável dificuldade de comunicação entre as comunidades existentes, mesmo aquelas fisicamente mais próximas, impedia o intercâmbio do conhecimento acumulado com as experiências levadas a cabo.

Durante muitos séculos, a Humanidade desconheceu os conceitos mais rudimentares da Química, fundamentais para construir interpretações básicas a respeito dos materiais que compunham os terrenos que eram manipulados nas regiões habitadas no mundo.

A trajetória percorrida pelos estudos associados à Química – até que fosse conceituada como Ciência no século XVII, a partir dos postulados do químico e físico irlandês Robert Boyle (1627-1691) – apresenta marcos relevantes. Merecem destaques as proposições dos filósofos gregos, entre eles Aristóteles, que, séculos antes de Cristo, tentaram explicar a formação dos materiais a partir da combinação dos “elementos” terra, ar, fogo e água.(1)

Em Alexandria, nos primeiros séculos da era cristã, foi criada uma “Escola” de artífices químicos, à qual foi atribuída a qualificação de Centro da Alquimia. A concentração de mentes privilegiadas na Cidade, no tocante à prioridade para a “pesquisa”, apresentou resultados relevantes, embora empíricos, para a Humanidade. Ressalte-se que, em Alexandria, foi consubstanciado o pioneiro procedimento de combate às doenças contraídas pelas pessoas usando-se a prescrição de “produtos” aprovados pelos alquimistas. Certamente, essas recomendações “oficiais”dos alquimistas não eram suficientes para inibir a proliferação de charlatães – com base no que era considerado lícito à época – atraídos por assumir o papel desempenhado pelos históricos curandeiros.(1)

 

A acumulação de conhecimento na Europa e nos Estados Unidos

A invasão dos árabes na Península Ibérica, onde permaneceram por mais de 500 anos, permitiu a propagação dos seus conhecimentos em muitas regiões na Europa. Cidades como Córdoba e Istambul (antiga Constantinopla) adotaram o conceito das Medinas, termo para designar cidade em árabe, nas quais era mandatório o acúmulo do conhecimento humano, incluindo os avanços científicos, tanto os de natureza teórica como prática, identificados em vários países que se estendiam no sentido oriental até a China. (2)

A disseminação do saber sob o domínio dos árabes apresentava duas vertentes: a tradução para o árabe da versão final,após releitura crítica, das obras que registravam o conhecimento produzido em outras regiões e a versão em latim dos conceitos científicos que os árabes consideravam estratégicos para difundir nos territórios ocupados, consolidando os seus domínios regionais.(2)

Esse movimento intelectual, baseado em robusto conhecimento amplamente diversificado, proporcionou um forte impulso na Química como Ciência, permitindo que os pesquisadores preenchessem importantes lacunas na conceituação da intrincada transformação da matéria. Percurso similar foi observado em relação à Biologia.

Com os conceitos da Química mais bem estruturados – mesmo apresentando imperfeições e incoerências – atuando como suporte técnico, os estudos sobre a composição dos solos e a adoção de mecanismos para alterar positivamente a fertilidade das áreas plantadas avançaram em diversos países europeus,com foco no incremento da produtividade agrícola, respaldado em contribuições de pesquisadores de renome e instituições especializadas.(2)

Por outro lado, o desenvolvimento da agricultura observado à época nos Estados Unidos não foi tão significativo, quando comparado com a profusão de resultados inovadores gerados na Europa.

Com a criação do Ministério da Agricultura na estrutura do governo americano, em 1862, as pesquisas sobre a composição dos solos ganharam um impulso mais consistente. No entanto, os resultados auspiciosos nesse setor, em condições de rivalizar com o grau de conhecimento verificado na Europa, só surgiram no início do Século XX. Nessa época, diversas estações experimentais foram implantadas no território americano, sinalizando para alvissareiras contribuições para a prática de adubação das lavouras.(2)

 

As pesquisas sobre a fertilidade dos solos no Brasil

  • Antecedentes

A primeira iniciativa no sentido de agregar um caráter formal às investigações técnicas na agricultura ocorreu em 1859, com a fundação do Instituto Imperial Agrícola, na Bahia. Em 1860, uma entidade similar foi construída no Rio de Janeiro. Ao longo da sua história, especializou-se em estudos de plantas, fitoquímica e plantas medicinais. Com o emprego de equipamentos apropriados, passou a realizar análises de defensivos agrícolas e corretivos de solos, adotando os conceitos da Química.(3)

Anos depois, em setembro de 1885, o sistema oficial de pesquisa na agricultura recebeu um reforço substancial, quando o Ministério da Agricultura decidiu fundar a Estação Agronômica de Campinas, São Paulo. Logo em seguida, em junho de 1887, o imperador Dom Pedro II, reconhecidamente um incentivador das ciências e das artes, convenceu-se da importância do apoio governamental à sistematização da pesquisa agrícola e autorizou a alteração do nome da Instituição, que passou a ser denominada como Imperial Estação Agronômica de Campinas, incluindo-a no Orçamento Geral do Império.

Demonstrando o compromisso com a qualidade dos trabalhos que seriam conduzidos sob responsabilidade da nova Instituição, o cargo de Diretor-Geral foi preenchido pelo químico austríaco Franz Wilhelm Dafert que permaneceu nessa função de 1887 a 1897. Dafert priorizou os programas de pesquisas contrariando as expectativas predominantes, desejosas que a ênfase de atuação da Imperial Estação fosse atribuída ao ensino.(2)

 A partir da sua criação, a Instituição concentrou-se nos aspectos relacionados à cultura do café e da cana-de açúcar as quais, historicamente, utilizavam-se da fertilidade natural do solo. No caso do café, principalmente, quando as terras perdiam o seu conteúdo de nutrientes, providenciava-se a migração para outras áreas de mata, com o plantio do novo cafezal ocorrendo após a queima da flora nativa existente.(3)

 O dinamismo das pesquisas conduzidas pela Imperial Estação fica realçado quando, ainda em 1889, são divulgados os seus primeiros estudos a respeito da fertilidade dos solos. Com base na sua ampla atuação, os agricultores passaram a receber informações sobre as vantagens da adubação, devendo ser considerado que os fertilizantes recomendados eram de natureza orgânica. Em 1892, os pesquisadores da Instituição expandiram o apoio aos cafeicultores de São Paulo, com análises de solo e recomendação do uso de fertilizantes. Nesse mesmo ano, a gestão da Imperial Estação foi transferida para o âmbito do governo do Estado de São Paulo e, como decorrência, a nova razão social passou a ser Instituto Agronômico de Campinas – IAC.(2)

Em 1901, o conhecimento científico associado ao setor agrícola no Brasil passou a contar com um protagonista relevante ao ser fundada, em Piracicaba, São Paulo, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), denominação atual, oficializada em 1931.

 

  • A consolidação das pesquisas sobre a fertilidade do solo na década de 60

No final da primeira metade do Século XX, o Brasil intensificou as pesquisas científicas com foco no incremento da produtividade agrícola, passando a adotar como diretriz o intercâmbio com pesquisadores estrangeiros e o apoio de instituições internacionais que tinham o aumento da oferta de alimentos como objetivo central.

Nas lavouras mais representativas do setor, o uso de fertilizantes minerais e de corretivos de acidez da terra, embora ainda incipiente, deixava claro que as perspectivas apontavam para uma demanda crescente desses insumos.

No limiar dos anos 60, o país começa a colher os resultados de um amplo programa de cooperação internacional, iniciado na década de 50, no âmbito de um processo de intercâmbio tecnológico entre as nações aliadas que saíram vitoriosas na II Guerra Mundial.(3)

 O acordo que melhor representa esse ambiente cooperativo surgiu de uma iniciativa do americano Nelson A. Rockfeller. Liderando atitudes consensadas na sua família, foram fundadas organizações internacionais de natureza filantrópica que aturam na América Latina. A agricultura no Brasil foi selecionada para receber um apoio contínuo, tanto com recursos financeiros, como pelo envio de pesquisadores.(4)

 Os trabalhos do IRI Research Institute no Brasil tiveram o Instituto Agronômico de Campinas como principal parceiro. Embora o foco central no início da atuação do IRI tenha sido a revisão da prática predatória do uso do solo na cultura do café, os estudos passaram a abordar as potencialidades do bioma Cerrado na expansão da fronteira agrícola. As áreas abandonadas dos cafezais encontravam-se exauridas em termos dos nutrientes disponibilizados pela Natureza, assemelhando-se às características do solo observadas no bioma Cerrado.(2)

 Com o objetivo de analisar os solos do Cerrado foram construídas duas estações experimentais empregando a assistência técnica do IRI: em São Joaquim da Barra (SP) e Anápolis (GO). Essa última visava à avaliação do suprimento de alimentos para Brasília, inaugurada no início de 1960.(2)

Do ponto de vista da disseminação do uso de insumos químicos, como fertilizantes e corretivos de acidez, para o aumento da produtividade das lavouras, as pesquisas do IRI e do IAC contribuíram para a modernização das práticas agrícolas no Brasil.

Em 1969, dando continuidade ao modelo de adoção de intercâmbio internacional de cunho científico, teve início um projeto inspirado em experiências conduzidas pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, em dezessete países. A responsabilidade pela gestão das ações no Brasil foi assumida pela ANDA – Associação Nacional para a Difusão de Adubos, organização criada por catorze empresas privadas, em abril de 1967. (2)

No seu início, o projeto contemplou lavouras de arroz, milho, feijão e algodão, com a proposta de criar cerca de 500 áreas em Goiás, Triângulo Mineiro e sul de Minas, para demonstrar os resultados alcançados com a aplicação de fertilizantes.

 

Bibliografia:

1 – MEIRELLES, H., CARRARA, E. Jr. – A Indústria Química e o Desenvolvimento do Brasil – 1500/1889, Metalivros, 1996.

2 – LOPES, A.S., GUILHERME, L.R.G., Fertilidade do Solo e Produtividade Agrícola, UF Lavras (MG), 2007

Acesso em:

https://docs.ufpr.br/~nutricaodeplantas/fertisolo.pdf

 

3 – FIGUEIREDO, Y. C., A Fertilidade do Solo no Cerrado: os Pioneiros da Pesquisa e o Papel da Cooperação Internacional, Universidade de Brasília, 2016.

Acesso em:

https://jbb.ibict.br/bitstream/1/1172/1/2016_YanCovolanFigueiredo_tcc.pdf

 

4 – SILVA, C.M., O IRI Research Institute e o Cultivo do Café das Velhas Fazendas Paulistas (1950-1960), UF da Fronteira Sul, 2014.

Acesso em:

https://www.14snhct.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=1662

 

5 – Produção de Alimentos no Brasil: Geografia, Cronologia e Evolução -Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora, 2021.

Acesso em:

producao_de_alimentos_no_brasil_geografia_cronologia_e_evolucao.pdf (imaflora.org)

 

6 – REDIVO, A. S., FONSECA, P. C. D., A Atuação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI): 1937-1969, Revista de Economia Política, vol. 42, 2022.

Acesso em:

SciELO – Brasil – A atuação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI): 1937-1969 A atuação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (CREAI): 1937-1969

 

7 – LUNA, F. V., KLEIN, H. S. – Transformações da Agricultura Brasileira desde 1950. Ano: 2018

Acesso em:

https://www.academia.edu/68181300/Francisco_V_Luna_and_Herbert_S_Klein_Transforma%C3%A7%C3%A3o_da_agricultura_brasileira_desde_1950_

 

8 – MESQUITA, O. V., SILVA, S. T. – A Agricultura Brasileira em Grandes Números: 1970-1985 – IBGE, 1990

Acesso em:

https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:VA6C2:7e36708a-1f74-4e27-9375-f7285d629c28

 

9 – FERREIRA, C.R. R. P. T., ANJOS, N. M. – Evolução do Setor de Fertilizantes no Brasil, 1954-80, ICA-SAA-SP, 1983.

Acesso em:

http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/RP/1983/relat-0983.pdf

 

10 – HOMEM DE MELO, Fernando B. , ZOCKUM, M. H. G.P. – Exportações Agrícolas, Balanço de Pagamentos e Abastecimento do Mercado Interno, Estudos Econômicos, n.7, v.2, 1977

Acesso em:

https://www.revistas.usp.br/ee/article/view/155874/151475

 

11 – SCHUH, G. Edward, ALVES, Eliseu R.A. – O Desenvolvimento da Agricultura no Brasil, 1971.

Obra disponível no acervo:

https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br

 

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