Depois de duas semanas de empolgação da indústria de carnes e do governo brasileiro com a decisão da Rússia de autorizar a importação de 91 unidades de carnes e lácteos do Brasil, o tom agora é de cautela. Em entrevista ao Valor, o ministro da Agricultura, Neri Geller, disse que não é o momento para se falar em aumento imediato de exportações ou para “euforia” – como já vinham alertando, nos bastidores, outras fontes da Pasta.
“O que precisamos ter muito claro é que este momento com a Rússia tem que ser visto com muita cautela”, afirmou o ministro. “Ninguém aqui está falando que vamos aumentar nossas exportações. Estamos preocupados em ter estabilidade no fornecimento e não trabalhamos com euforia”, reforçou. Segundo Geller, o governo vem procurando mostrar que há qualidade na produção das carnes nacionais e condições de expansão.
No dia 7, o Ministério confirmou que o serviço sanitário da Rússia liberara 89 plantas brasileiras de carnes de frango, suína, bovina e miúdos, além de duas unidade de lácteos, para exportarem àquele país. A notícia, carregada de mensagens políticas, veio logo depois de Moscou anunciar embargos às importações de alimentos e outros produtos dos Estados Unidos e da União Europeia, em uma resposta às sanções econômicas impostas à Rússia por conta da crise na Ucrânia.
Segundo Geller, a partir de uma orientação da presidente Dilma, houve uma reunião recente entre o ministério e vários representantes do segmento de carnes, em Brasília, em que o governo pediu cautela para produtores, indústrias e tradings. “Até porque o embargo (imposto pela Rússia aos EUA e à UE) pode cair no médio ou até no curto prazo”, acrescentou. “E daqui a pouco os EUA podem retaliar a gente também, fechar mercado, e a União Europeia idem”, advertiu. A UE chegou a pressionar o Brasil por causa das medidas russas.
Um exemplo de que é preciso ter calma, segundo o ministro, é o caso de dois estabelecimentos de carnes da BRF que foram liberados a exportar para a Rússia nos últimos dias, mas ainda não estão aptos a iniciar a produção, por conta de adequações técnicas. Ambos estão entre as unidades que poderão exportar pela primeira vez – que são a maioria entre as 89 liberadas pela Rússia -, conforme disse o ministro.
Neri Geller antecipou que mais duas plantas de carne bovina, localizadas em Lucas do Rio Verde e em Sorriso, dois importantes polos agrícolas de Mato Grosso, ainda aguardam habilitação e poderão ser liberadas em breve para vender para os russos.
“A de Sorriso eu conheço. Se habilitar, ela pode começar imediatamente a exportar. Mas não podemos fazer ‘cavalo de batalha’ em cima da Rússia”.
Independentemente do embargo russo aos americanos e europeus, a principal expectativa que a indústria brasileira nutria antes da medida era de que fossem suspensas restrições da Rússia a algumas fábricas do país, impedidas de exportar por supostos problemas sanitários. Isso aconteceu, por exemplo, com duas plantas da BRF, uma em Rio Verde (GO) e outra em Uberlândia (MG).
Entretanto, a Rússia também impôs novas restrições nos últimos dias. Junto com as liberações, os russos suspenderam quatro frigoríficos de carne bovina e suína: um da JBS, em Aquidauana (MS), um da Marfrig, em Tangará da Serra (MT), e um da Minerva, em Barretos (SP), todos de bovinos, e um de suínos, da Alibem, de Santo Ângelo (RS).
Em nota, o Ministério da Agricultura afirmou que, dentre os quatro, “$ somente um informou que o motivo da suspensão foi a detecção de coliformes na carne bovina. Os quatro frigoríficos exportavam antes para o país”.
E, enquanto adota cautela em relação à Rússia, o Ministério da Agricultura se mobiliza para tentar abrir outros mercados.
No dia 24, Neri Geller viaja para Teerã, capital do Irã, acompanhado por outros autoridades do ministério e de uma delegação de empresários, executivos e representantes de entidades que reúnem os exportadores de carnes, como Abiec (carne bovina) e ABPA (aves e suínos). A intenção é retirar o embargo que os iranianos impuseram à carne bovina produzida em todos os 17 estabelecimentos do Mato Grosso, após a confirmação de um caso atípico da doença da “vaca louca” no Estado, em maio deste ano.
No dia 28 deste mês, o mesmo grupo tem reuniões marcadas com importadores egípcios e o ministro da Agricultura do Egito para tentar ampliar as exportações de carne bovina àquele mercado.
No ministério desde janeiro do ano passado, quando entrou como secretário de Política Agrícola, sob indicação do ex-governador mato-grossense e atual senador Blairo Maggi (PR), Neri Geller é gaúcho da cidade de Selbach e se tornou ministro em março deste ano. Geller chegou ao ministério com o aval da bancada de seu partido, o PMDB, na Câmara, e de várias entidades de classe do setor de agronegócios.
Antes disso, havia sido filiado ao PSDB e ao PP. Também foi vereador em Lucas do Rio Verde (MT), município onde se estabeleceu há 30 anos, e exerceu dois mandatos como suplente de deputado federal. Já foi vice-presidente da Aprosoja-MT, além de até hoje ser ligado a negócios na área de plantio de soja e milho em Mato Grosso.
Fonte: Valor Econômico