Os perigos de tentar prever o mercado agrícola chinês ficaram mais uma vez em evidência neste mês, depois que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) cortou suas projeções para as importação de milho do país.
Em 2014, o USDA avaliou que a China estava a caminho de liderar as importações globais do cereal, e previu que essas compras chegariam a 22 milhões de toneladas na safra 2023/24. Sinais cada vez mais nítidos de queda da demanda e aumento dos estoques no país, entretanto, levaram o órgão americano a baixar sua projeção para 6,5 milhões, independentemente da redução do ritmo de crescimento do país.
“O quadro realmente mudou nos últimos 18 meses”, disse Fred Gale, economista sênior do serviço de pesquisas econômicas do USDA.
Além de uma redução considerável do consumo, colaboraram para o crescimento dos estoques as colheitas domésticas recorde nas temporadas 2012/13 e 2013/14.
“Pode levar anos para a China se livrar desse grande excesso”, reconheceu o USDA em seu mais recente estudo sobre as importações agrícolas chinesas.
Clima favorável à parte, a história por trás do inchaço dos estoques soará familiar para tradings de açúcar e algodão.
As políticas de Pequim de apoio aos agricultores, como de costume, significaram maior suporte às cotações do milho no mercado local em relação aos patamares internacionais. E essas políticas, seja para o milho ou para qualquer outro produto, não estimulam apenas a produção doméstica, mas também a ampliação das importações depois que, sob influência delas, os preços tombam no exterior.
Foi nesse contexto que os estoques chineses inflaram e se aproximaram de 80 milhões de toneladas na safra 2013/14, para um consumo estimado pelo USDA em 212 milhões (ver infográfico). Também colaborou para esse incremento, segundo Gale, o aumento das importações chinesas de sorgo e cevada, que podem servir de substitutos ao milho.
Em 2014/15, as importações chinesas de sorgo e cevada que não têm cotas de importação, ao contrário de outros grãos saltaram para 11,5 milhões de toneladas, ante as 1,7 milhão de toneladas de 2010/11, segundo o USDA.
Embora as autoridades tenham colocado à venda 63 milhões de toneladas em leilões para tentar reduzir os estoques, os maiores em 14 anos, apenas 25 milhões foram realmente vendidas, também de acordo com o órgão americano.
O USDA considera que a estratégia da China no caso do milho busca evitar a dependência que o país desenvolveu de grandes grupos estrangeiros no mercado de soja. E isso explicaria as ações de Pequim no comércio de alimentos, o milho inclusive, no passado recente.
Em primeiro lugar, o país diversificou suas fontes de compras de alimentos para dar aos importadores maior poder de barganha nas negociações de preços, e também para reduzir os riscos de possíveis embargos.
Por exemplo: as autoridades chinesas abriram seu mercado para o milho da Argentina e da Ucrânia em 2012, quando as importações provenientes dos EUA começaram a aumentar.
Em segundo lugar, a China vem tentando controlar melhor as cadeias de abastecimento das importações agrícolas por meio de investimentos no exterior.
Seguem essa estratégia as decisões da estatal China National Cereals, Oil and Foodstuffs Corp. (Cofco) de estabelecer uma joint venture com o Noble Group e também de adquirir o controle da trading holandesa Nidera.
Fonte: Valor Econômico