O mercado de títulos de dívida do agronegócio, como os certificados de recebíveis (CRA), deve ganhar novo impulso neste ano, para além da queda do juro que tem garantido forte demanda de investidores em busca de retornos melhores.
Uma medida provisória batizada de “MP do Agro” vai permitir a indexação em moeda estrangeira de contratos de crédito usados como lastro para as emissões dos papéis, a fim de atrair estrangeiros ao mercado. Estima-se que os investimentos externos podem chegar a R$ 25 bilhões por safra.
O Valor teve acesso à versão da MP encaminhada nesta semana pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa) ao grupo que vem discutindo o tema há cerca de três meses, formado por advogados especialistas no setor, entidades registradoras e depositárias, tradings, securitizadoras, além do Ministério da Economia e do Banco Central.
O documento, que ainda tem chance de ser alterado, deve ser encaminhado à Casa Civil para assinatura presidencial e possível publicação no início da próxima semana.
“A medida provisória seria uma forma de estimular o mercado de títulos do agronegócio e ampliar o funding ao setor no país, atraindo estrangeiros”, disse uma fonte que participa das discussões. No fomento ao financiamento ao setor, a MP ainda trata de temas como patrimônio de afetação e cria a Cédula Imobiliária Rural (CIR), alterando cinco leis ou decretos hoje existentes.
Uma lei de 2016 já permitia a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) indexados a moedas estrangeiras, mas não houve apelo porque as Cédulas do Produtor Rural (CPR) usadas como lastro ainda eram emitidas em reais.
A previsão do governo federal, segundo exposto em conversas com o setor privado, é que as mudanças trazidas pela MP possam viabilizar a atração de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões, a cada safra, de recursos estrangeiros para esses investimentos. Para se ter uma ideia, o mercado de CRA alcançou um estoque de R$ 39.7 bilhões ontem, segundo dados da BM&F.
De acordo com o texto da MP, para atrair o investidor estrangeiro para esse mercado de títulos do agronegócio, haveria a possibilidade de inclusão de uma cláusula de correção pela variação cambial nas CPRs, contratos que os produtores firmam com instituições financeiras ou outros credores, como tradings e revendas de insumos, que preveem a entrega da produção e funcionam como garantias para a tomada de empréstimos.
As condições para a indexação em moeda estrangeira ocorrer seriam o produto dado em garantia ser referenciado ou negociado em bolsa de mercadorias e futuros, nacional ou estrangeira, na moeda indicada na cláusula. Além disso, essas cédulas precisam ser emitidas em favor de investidor não residente no País ou securitizadoras de direitos creditórios.
“Vejo como uma ótima iniciativa a possibilidade de emissão de CPR indexada a moeda estrangeira. Isso poderá potencializar a utilização de instrumentos de mercado de capital como fonte de financiamento ao agronegócio”, disse um executivo à frente da área de agronegócio de um grande banco.
Ainda com o objetivo de atrair o investidor estrangeiro, a medida prevê que o CRA poderá ser registrado em entidade no exterior, desde que seja autorizada a operar em seu país de origem e supervisionada por autoridade estrangeira com a qual a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha celebrado acordo de cooperação que vise ao compartilhamento de informações.
Dessa forma, títulos como o CRA poderiam ser emitido fora do País, como um “recibo”, assim como ocorre com as ações brasileiras, negociadas no exterior na forma de ADRs (American Depositary Receipts).
Segundo a versão da MP a que a reportagem teve acesso, a CPR será isenta de imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguros (IOF) quando transformada em ativo financeiro e vendida de um credor para outro, no chamado mercado secundário. Isso ocorre, por exemplo, quando um banco vende para uma securitizadora que queira usar o título como lastro em um CRA. Hoje, o IOF para esse tipo de operação fica em 1,50% em até 30 dias.
Pelas regras, deve ser exigido que a CPR seja registrada ou depositada em entidade autorizada a operar pelo Banco Central. Hoje, a única responsável por oferecer esse serviço é a BM&F. No entanto, segundo o Valor apurou, outras registradoras ou depositárias no país têm interesse de participar do processo, entre elas a Central de Recebíveis (CERC) e a Central de Registro de Direitos Creditórios (CRDC).
A exigência valerá a partir de julho de 2020. Consultada, a CERC não comentou e a CRDC disse, em nota, que tem interesse no segmento, que “pode contribuir para a maior eficiência no processo de concessão de crédito e ampliar o volume disponível para o agronegócio”.
“Existem produtores que costumam duplicar o lastro da CPR para se alavancar, trazendo mais risco ao mercado”, disse uma fonte especializada no tema.
Um interlocutor que acompanha as discussões no governo afirma que o grande desafio será assegurar que a CPR seja de fato registrada pelos produtores, já que ainda há bastante informalidade no agronegócio. Em sua opinião, isso provavelmente será definido na regulamentação que será feita pelo Banco Central.
De acordo com essa fonte, o mercado de crédito lastreado por CPRs tem o potencial de alcançar R$ 100 bilhões, com as novas regras. No entanto, a fonte afirma ainda que, mais importante que o volume financeiro, será a profissionalização que provocará no setor.
MP do Agro prevê título garantido por fração de imóvel rural
Um novo mecanismo de garantia vai permitir a produtores tomar mais crédito com lastro na propriedade rural. Minuta da MP do Agro à qual o Valor teve acesso prevê a criação da Cédula Imobiliária Rural (CIR), título de crédito garantido por uma propriedade ou fração dela. Mais que o papel em si, a grande novidade é a possibilidade de um imóvel lastrear mais de um empréstimo.
Os agricultores poderão submeter toda a propriedade ou parte dela ao regime de patrimônio de afetação. Assim, ativos como terrenos e benfeitorias ficarão segregados para servir de garantia e não estarão sujeitos a processos de recuperação judicial.
“A CIR será parecida com a CPR, mas vai oferecer como garantia um ativo imobiliário e não a produção. O papel será emitido como promessa de pagamento em dinheiro ou em imóvel”, diz a fonte envolvida nas discussões.
O Valor antecipou em maio que o governo discutia formas de os produtores usarem suas propriedades para garantir mais de uma operação. O modelo atual não é visto como eficiente, já que todo o valor do imóvel fica travado em um único contrato, mesmo que a dívida seja muito pequena em relação ao do ativo. Há fazendeiros que optam pelo custo de repartir a propriedade em várias para poder tomar crédito em cada uma.
A ideia é bem vista pelo mercado, mas a operacionalização gera dúvidas. Não está claro, por exemplo, se o fracionamento terá de ser registrado em cartório.
Valor Econômico