A falta de indicações precisas, ou até mesmo a total ausência de informações importantes, nas bulas dos medicamentos destinados ao tratamento da mastite bovina tem motivado a Embrapa Gado de Leite (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) a desenvolver esforços no sentido de debater o problema, que tanto preocupa o setor pecuarista. A intenção é mudar este cenário com a realização de workshops, principalmente orientando sobre como evitar a doença nos bovinos, reduzindo assim os prejuízos para os produtores rurais.
A ideia é formar um fórum de discussões que reúna governo, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), órgãos reguladores, Conselhos de Medicina Veterinária, sindicatos e entidades representativas das indústrias farmacêuticas veterinárias, além das próprias indústrias, para que todos juntos possam melhorar este quadro.
Segundo o pesquisador Guilherme Nunes, da Embrapa Gado de Leite, os antibióticos deveriam ter o período de carência explícito na bula, como forma de orientar o pecuarista sobre o tempo que ele deve descartar o leite e não cometer o erro de colocá-lo à venda para a cooperativa ou indústria.
Há dez anos, a partir do trabalho do pesquisador José Renaldi Feitosa Brito, a Embrapa Gado de Leite iniciou um levantamento de todos os medicamentos registrados, naquela época, no Sindicato Nacional de Produtos para a Saúde Animal (Sindan). Atual coordenador deste estudo, Nunes revela que em 2010 e agora em 2015 também foram realizados levantamentos. No último deles, foram totalizados 181 medicamentos produzidos por 45 laboratórios no Brasil, que trazem indicações para a mastite bovina nas descrições das bulas.
PROTOCOLO DE TRATAMENTO
Segundo o pesquisador, as informações deveriam ser padronizadas e as referentes ao período de carência também deveriam estar na bula. Desses 181 medicamentos, ele constatou a ausência deste dado em 69 bulas, ou seja, 38,3% dos casos.
Nunes alerta para a situação do produtor quanto ao protocolo de tratamento da doença. Em sua opinião, “algumas propriedades têm condições de manter assistência técnica privada e aplicar corretamente os medicamentos”.
“De modo geral, não vemos isso. Os técnicos das cooperativas e das indústrias poderiam orientar os produtores menores, que não têm capacidade de contratar uma assistência técnica ou definir um roteiro mínimo para poder realizar procedimentos adequados e definir um protocolo de tratamento eficiente”, salienta Nunes. “Para definirmos um protocolo de tratamento, em função da sua necessidade, as informações devem estar na bula”, reforça.
APLICAÇÃO INTRAMAMÁRIA
Outro problema apontado pelo pesquisador da Embrapa Gado de Leite se refere aos cuidados na aplicação intramamária do antibiótico. Ele explica que “quando a cânula da bisnaga do medicamento é inserida por completo, pode levar microorganismos causadores de mastite, gerando novas infecções”. “Neste caso, o certo é fazer a higienização dos tetos e introduzir a cânula apenas entre três e cinco milímetros.”
Ainda ressalta que em nenhuma das bulas contém esta informação correta. De acordo com suas observações, 18% dos medicamentos de aplicação intramamária instruem a inserir metade da cânula e 9% a inseri-la por completo. Também chama a atenção para o fato de que “a informação não é citada em 66% das bulas”.
Outra informação que pode ser melhorada nas bulas, conforme Nunes, está relacionada ao período de aplicação. “Há medicamentos indicados para o período seco e para o período em lactação e também aqueles que não possuem informação.”
BACTÉRIA
A Embrapa explica que a mastite ou mamite é um processo inflamatório da glândula mamária causada pelos mais diversos agentes. Os mais comuns são as bactérias dos gêneros estreptococos e estafilococos, além daqueles de gênero coliformes. A ocorrência da mastite envolve três fatores: a resistência da vaca, o agente patogênico e o ambiente. Esses três fatores terão influência direta na ocorrência e na forma de manifestação da doença.
De acordo com o pesquisador, a única bactéria da mastite que pode ser erradicada é a chamada Streptococcus agalactiae, considerada a campeã da contagem de células somáticas (CCS). Trata-se de um indicador de saúde do leite que, atualmente, é contemplado na legislação federal. Esta bactéria promove um processo inflamatório intenso em nível de glândula mamária, fazendo a CCS aumentar significativamente. A sua erradicação é feita por meio de tratamento intramamário de todas as vacas infectadas por S. agalactiae.
Segundo Nunes, supondo que parte do rebanho tenha sido acometida por mastite subclínica causada pelo Streptococcus agalactiae, deve-se considerar as informações técnicas da bula para fazer a escolha do melhor medicamento entre os 56 existentes no mercado, que apresentam indicação para o período em lactação e via de administração intramamária.
Com relação e este tópico, os estudos realizados na Embrapa Gado Leite, por Guilherme Nunes, foram constatados apenas cinco antimicrobianos que tinham informações completas e corretas na bula, com informações do período de carência e inserção da metade da cânula da bisnaga de antibiótico, restando apenas eleger aquele com menor tempo de carência para minimizar a perda econômica pelo descarte do leite.
Para o pesquisador, existem informações inadequadas e as carências de informações. “Precisamos mostrar para a cadeia, para os interessados do setor que a Embrapa tem como contribuir na melhora das informações técnicas da bula. A contribuição da Embrapa é apontar o que pode ser melhorado e padronizado e colocar todos os setores envolvidos para debater e realizar este trabalho.”
Ainda conforme Nunes, “a intenção maior não é identificar culpados ou criticar as atuais bulas e sim identificar quem poderão ser os responsáveis por esta discussão e consequente melhoria das informações técnicas contidas nas bulas dos medicamentos indicados para mastite bovina”. “Isso tem de ser feito em algum momento e pelos elos da cadeia produtiva do leiteenvolvidos diretamente no controle e prevenção da mastite.”