Não era possível verificar o cumprimento da lei ambiental em 12% da área plantada com soja em fazendas localizadas no Cerrado e na Amazônia em 2017. Essa parcela, que se estende por 2.6 milhões de hectares, inclui propriedades que não haviam feito o Cadastro Ambiental Rural (CAR) até aquele ano, segundo levantamento do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) a partir dos bancos de dados do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e da Agrosatélite sobre o plantio de soja.
Quase 70% dos 2.6 milhões de hectares estão distribuídos por Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul – 28%, 22% e 18%, respectivamente. Também há uma concentração em alguns municípios: 15 cidades abrigam 25% da área de soja sem CAR nesses dois biomas (ver infográfico). “Havia um entendimento de que o trabalho de inscrição no CAR já havia acabado, mas nosso estudo mostra que não”, disse Luis Fernando Guedes Pinto, gerente de Políticas Públicas do Imaflora.
Em levantamento anterior, de 2018, o instituto avaliou que a área cadastrável no CAR era de 502 milhões de hectares, maior que a extensão utilizada como base de cálculo pelo SFB, que levava em consideração a área de imóveis rurais apurada no Censo Agropecuário do IBGE de 2006, além de atualizações de alguns estados, somando 398 milhões de hectares. O último censo, de 2017, mostra uma área cadastrável de 351 milhões de hectares, mas ela ainda não é considerada pelo SFB.
Pelas contas do órgão, em dezembro de 2017, a área cadastrada no CAR somava 431 milhões de hectares, o que superaria a área cadastrável considerada pelo próprio órgão. Porém, considerando todo o potencial cadastrável estimado pelo Imaflora, ainda havia 181 milhões de hectares de imóveis rurais a serem cadastrados. A conta levava em consideração ainda que, dos 413 milhões de hectares com CAR, 91 milhões deveriam ser desconsiderados por terem sobreposição com áreas protegidas ou terras públicas não destinadas.
De dezembro de 2017 a agosto de 2019, as inscrições no CAR reportadas pelo SFB avançaram em 100 milhões de hectares, mas ainda não é possível determinar quais cultivos estão com cadastro.
O registro no CAR é obrigatório pelo Código Florestal e é uma forma de aferir se a propriedade está cumprindo com a preservação de reserva legal e de área de proteção permanente (APP). O governo acabou com o prazo para a inscrição, mas quem não realizar o CAR até o fim de 2020 não pode aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
O argumento de que a produção agropecuária no país já segue a lei ambiental foi usado pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ao criticar nesta semana a Moratória da Soja, iniciativa do setor privado de precaução contra o desmatamento na Amazônia pela qual as tradings bloqueiam compras de soja de áreas desmatadas no bioma após 2008.
Considerados os principais estados produtores de soja, o Imaflora identificou que Mato Grosso do Sul era, em 2017, o estado cuja maior parcela da área plantada estava sem CAR (27%). Em seguida estavam Tocantins (21% da área de soja daquele ano) e Rondônia (19%). No Matopiba (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), eram 13%.
O Imaflora também identificou que, da soja de áreas sem CAR, 67% foi exportada, 40% à China e 12% à União Européia. “Os resultados sugerem que compradores não exigem de seus fornecedores, de maneira consistente, a inscrição no CAR e carecem de mecanismos para checar conformidade com a lei”, indicou o instituto.
Após cruzar dados com a plataforma Trase, o Imaflora identificou que, nos embarques à China de soja de fazendas sem CAR em 2017, a trading com maior participação foi a ADM; para os embarques à Europa, a principal trading foi a Bunge.
A exigência do CAR não faz parte de acordos bilaterais nem setoriais, mas é pré-requisito para bancos públicos concederem crédito ao setor.
Valor Econômico