O cheiro característico do algodão invade as narinas de quem frequenta os arredores do porto de Santos, o maior da América Latina. Um cheiro que não agrada a todos, mas que é perfume para os exportadores da pluma.
Nos armazéns da empresa de operação logística S. Magalhães Essemaga, o movimento sincronizado das máquinas que carregam os fardos até os contêineres chega há durar 24 horas por dia em alguns períodos do ano, e a tendência é que sejam necessários três turnos com maior frequência. O Brasil está se consolidando como o segundo maior exportador de algodão do mundo, e a rotina tem de ser cada vez mais eficiente.
As disputas comerciais entre Washington e Pequim ajudou o Brasil a ampliar as vendas ao mercado chinês. Mas, para preservar o que conquistou, o país terá de superar as incertezas sobre sua capacidade logística de escoamento, que terá de dar vazão a uma colheita total que deverá superar 2,5 milhões de toneladas na temporada 2019/20, conforme projeção do USDA.
No porto de Santos, a mais importante saída da pluma brasileira ao exterior, essa preocupação já existe. No ano passado, 99,5% das 913.300 toneladas exportadas pelo Brasil partiram de Santos. No total, os embarques renderam US$ 1.583 bilhão.
Nesta safra 2018/19, as exportações brasileiras de algodão deverão atingir 1.7 milhão de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 76% a mais que no ciclo passado. Para 2019/20, o USDA já prevê embarques de 1.8 milhão de toneladas.
O presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), Henrique Snitcovski, afirma que, em decorrência da maior disponibilidade dos contêineres, essa atual concentração dos embarques no porto de Santos é inevitável.
“Mas a gente tem desenvolvido novas saídas: via Manaus, porto de Salvador, Itajaí, Itapoá (…) Tem outros portos que estão em fase de testes, mas ainda em volumes menores”, diz Snitcovski entre centenas de contêineres que serão milimetricamente encaixados nos navios. E, caso o Brasil queira continuar a ampliar as exportações, haverá, sim, a necessidade de desenvolver novos portos para tal.
Segundo Victor Ikeda, analista da equipe brasileira do banco holandês Rabobank, a capacidade de escoamento do porto de Santos é de cerca de 1.8 milhão de toneladas, justamente o volume projetado pelo USDA para as exportações brasileiras no próximo ciclo. “Sendo assim, um dos players que eu conversei já deve tentar exportar, pelo menos, 100.000 toneladas neste ano por Manaus, pelo porto de Itacoatiara”, afirma Ikeda.
Mas quando o assunto é Arco Norte, destaca o analista, o problema maior a ser contornado é a falta de navios que sigam do Brasil à Ásia, já que, em geral, essas rotas desembocam em Santos. Em tempos de baixo crescimento da economia e dólar na casa dos R$ 4,00, é difícil que algo mude nessa frente no curto prazo, ainda que seja necessário.
Luiz Henrique Magalhães Ozores, sócio-diretor da S. Magalhães Essemaga, que movimenta 20% do algodão escoado por Santos, avalia que em Santos ainda falta planejamento.
“Acaba havendo perda de produtividade por causa de ociosidade. Acredite se quiser: existe, às segundas e terças-feiras, um acúmulo enorme de contêineres”, diz. Segundo ele, é possível dobrar o volume de algodão que passa pela S. Magalhães. Ozores conta que em 2018 aproximadamente 180.000 toneladas de algodão passaram pela empresa.
No ano passado, com a guerra sino-americana e a maior disposição chinesa em importar algodão por conta da redução dos estoques, o país asiático voltou a ser o principal destino brasileiro da pluma. A perspectiva é que essa tendência continue dando o tom, impulsionando o incremento das exportações brasileiras da pluma. E para isso os cotonicultores também terão de conseguir manter a regularidade da oferta, acredita Henrique Snitcovski, presidente Anea.
Otimista, ele afirma que, mesmo com um armistício entre os gigantes do comércio, o Brasil não perderá o mercado conquistado. “Sempre poderá haver outra disputa. Então, é importante para a China manter o Brasil como fornecedor estratégico”.
De julho de 2018, quando começou o atual ano comercial da safra internacional de algodão, a abril passado, foram exportadas para a China 374.000 toneladas de pluma brasileira, ou 35,8% do total exportado. No mesmo período do ano comercial anterior, foram embarcadas 79.800 toneladas para a China, ou 9% do volume total.
De janeiro a abril deste ano, foram embarcadas, para todos os destinos, 367.200 toneladas, que renderam divisas de US$ 628.7 milhões. No primeiro quadrimestre de 2018, foram 210.200 toneladas, ou US$ 358 milhões, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia.
“Os dados sobre as importações da China mostram que os EUA até recentemente eram a origem de 50% das compras. O Brasil representava menos de 10%. Nesta safra, a participação brasileira aumentou para entre 25% e 30%”, diz Snitcovski.
A reboque do crescimento das exportações para a China, o segmento cotonicultor continua a trabalhar para elevar as vendas para outros destinos na Ásia, tanto no sudeste quanto no sul do continente.
Em evento realizado recentemente em São Paulo, Marcos Jank, CEO da Aliança Agro Ásia-Brasil, destacou que, como o desfecho da guerra comercial entre EUA e China é incerto, os trabalhos para desenvolver novos mercados seguem em andamento. “E para alcançar esses mercados, a logística começa a ser um gargalo”, afirmou.
Para não perder o timing, avalia Snitcovski, os embarques de algodão terão de ser tão precisos quanto os movimentos de uma dança.
“A viagem para Ásia é de mais ou menos de 35 dias, desde o momento que você coloca a mercadoria no navio. A gente não pode errar. Temos de ser muito eficientes na operação no Brasil. Se conseguirmos entregar 180.000 toneladas da pluma todos os meses, não perderemos mercado, ganharemos”, completa o presidente da Anea, entre as margens de Cubatão e Santos do maior porto da América Latina – as mais importantes para quem escoa o algodão brasileiro para o exterior.
Guerra entre EUA e China derruba preços em NY
Ao mesmo tempo em que as exportações brasileiras de algodão crescem, os preços despencam na bolsa de Nova York. A guerra sino-americana, que reduz a demanda chinesa pelo produto americano, derrubou as cotações da pluma aos mesmos patamares de 2017.
O alento poderá vir dos problemas climáticos que no momento afetam os Estados Unidos, maiores exportadores da commodity. O excesso de chuvas ameaça a produção no estado do Texas e o calor intenso prejudica plantações na Geórgia.
Mesmo com as valorizações dos últimos dias, apenas ontem a pluma subiu cerca de 1,7% em Nova York. Em virtude das intempéries americanas, o contrato futuro com vencimento em julho/19 acumula queda de 21% em 12 meses.
Com os problemas climáticos que batem à porta dos EUA, os fundos especulativos poderão mudar de lado e começar a apostar na alta da pluma. Segundo o último relatório da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês), as expectativas de baixa ainda aumentaram 49,4% na semana encerrada no dia 21.
Para Keith Brown, da consultoria DTN, mesmo com os problemas climáticos nos EUA, a perspectiva é que os contratos de algodão para dezembro fiquem no patamar dos 66,60 centavos de dólar a libra-peso, sem chegar aos 70 centavos. Isso por causa das disputas entre Washington e Pequim e o excesso de algodão estocado nos EUA.
Em seu último relatório de oferta e demanda, o USDA elevou a sua estimativa para os estoques finais americanos em 2018/19, de 958.000 toneladas para um milhão de toneladas.
Para a próxima safra, o USDA estimou um aumento das exportações da pluma dos EUA, mas em velocidade bem menor que o incremento de produção. Foram estimadas vendas de 3.7 milhões de toneladas em 2019/20, com aumento de 15,3% em relação à atual safra, enquanto a estimativa de produção (4.8 milhões de toneladas) representa um aumento de 19,8% em relação à 2018/19.
Valor Econômico