Leilão de arroz importado aprofunda controvérsia e acaba anulado

Ministro Carlos Fávaro. Foto/Guilherme Martimon/MAPA

Resultado trazia mais perguntas do que respostas

Como o Portal SNA vem acompanhando, a importação de arroz por parte do governo federal e seu subsequente leilão segue tendo desdobramentos que mobilizam o setor agrícola, bem como políticos e entidades de representação da rizicultura. O Partido Novo chegou a obter decisão favorável à suspensão na última quarta-feira, véspera do leilão, mas a liminar foi derrubada e o pregão aconteceu normalmente, com 263 mil toneladas sendo arrematadas, quantidade corresponde a 87,9% das 300 mil solicitadas a um preço médio de R$ 25 por saca de 5 kg (apesar de a Conab ter estabelecido um teto de R$4 por quilo).

Após a divulgação dos vencedores, no entanto, chamou a atenção, segundo dados da Receita Federal trazidos à tona pelo jornal paranaense Gazeta do Povo, que três das quatro empresas vitoriosas não tivessem atuação consolidada no ramo de comércio exterior. Tratava-se de uma mercearia de bairro, uma locadora de carros e uma fábrica de sorvetes. No caso da mercearia, que arrematou a maior quantidade de lotes, houve também uma alteração recente no seu capital social, que subiu de R$ 80 mil para R$ 5 milhões. O estabelecimento, que fica em Macapá, no Amapá, receberá R$ 736,3 milhões do governo para importar 147,3 mil toneladas de arroz.

A segunda maior fatia do leilão foi levada por uma empresa que atua na área de comércio exterior desde 2010. A importadora ganhou o direito de vender 73,8 mil toneladas de arroz para o governo a R$ 368,9 milhões. Em terceiro lugar aparece uma locadora de veículos e máquinas. A empresa ganhará R$ 112,5 milhões com a venda de 22,5 mil toneladas de arroz. Por último, uma fábrica de sorvetes em Tatuí (SP) receberá R$ 98,7 milhões pelo repasse de 19,7 mil toneladas de arroz ao governo.

Essas informações causaram ainda mais resistência entre parlamentares de oposição, que cobraram explicações e questionaram a eficácia e transparência do leilão. Ao todo, o governo pagará mais de R$ 1,3 bilhão pela importação do arroz, com outros pregões sendo realizados ao longo do ano, podendo totalizar 1 milhão de toneladas, inflando ainda mais o montante a ser aportado.  Representantes da CONAB se esforçaram para acalmar os ânimos e contestações, alegando que o volume deve chegar rapidamente aos consumidores e regularizar os preços dos alimentos, com edital ainda a ser publicado para as 36 mil toneladas remanescentes da primeira meta anunciada. A hipótese de formar estoque ficou descartada.

Explicações insuficientes

Após a repercussão negativa, a CONAB disse, em nota oficial, que “o formato de leilão adotado pela Companhia utiliza as Bolsas de Mercadorias como intermediárias (…) a quem cabe analisar a capacidade daqueles que representam em leilões oficiais, que são normativamente responsáveis pelos lances que realizam”. No entanto, o anúncio de uma análise criteriosa não bastou para elucidar as dúvidas que se avolumaram com a revelação de que as empresas vencedoras não tinham o perfil, estrutura nem orçamento para operacionalizar o combinado.

Isso porque parlamentares já recolhem assinaturas para instalar uma “CPIdo Arroz” sobre todo o processo, sobretudo no sentido de apurar se houve fraude no leilão. O deputado Luciano Zucco (PL-RS) capitaneia a iniciativa, mas esbarra na grande quantidade de adesões necessárias (mínimo de 171) e no fato de que outras possíveis comissões, já com essa quota atingida, aguardam despacho da presidência da Casa para funcionar, só podendo cinco trabalharem ao mesmo tempo.

O Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, subiu o tom e disse que entidades do setor fizeram o que ele classificou como “conspiração contra o povo”, referindo-se aos questionamentos judiciais sobre o leilão. Ele insistiu que a importação do arroz se faz necessária devido à enchente no Rio Grande do Sul, mesmo com boa parte da safra já colhida. Fávaro também alegou que a decisão não foi unilateral, tendo sido tomada após diálogo com representantes da rizicultura. Para o ministro, o leilão foi “um sucesso contra a especulação”.

Esses argumentos, contudo, já vinham sendo fortemente contestados por produtores, estudiosos e analistas de mercado, como este Portal mostrou na reportagem recente sobre o assunto. Os preços altos do arroz, segundo eles,se devema uma convergência de fatores internacionais nos quais o cenário brasileiro se baseia, mas sem nenhuma relação com as fortes chuvas que castigaram o território gaúcho. Insistindo numa tese já suplantada, o governo dispendeu esforços e orçamento numa crise que, por si só, já é trágica, mas por outros motivos.

Foto: Divulgação FPA

O Presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP – PR), defendeu uma apuração rigorosa dos eventos e ainda lamentou a má qualidade do arroz importado, que, segundo ele, não atende aos padrões de qualidade e rigor sanitário aos quais o consumidor brasileiro está acostumado, sendo a produção nacional superior nesses quesitos, segundo ele.

Desenlace inevitável

Na terça-feira, 11 de junho, o leilão acabou anulado diante da crescente pressão, após reunião entre o presidente da república com os ministros Paulo Teixeira (MDA) e Carlos Fávaro, além do presidente da CONAB, Edegar Pretto. Eles afirmaram que Lula endossou a decisão e que o novo pregão, ainda sem data para acontecer, contará com modelos e mecanismos mais rígidos, que possam atestar a capacidade técnica e financeira dos participantes de antemão. O edital será feito com auxílio da Controladoria-Geral da União (CGU), da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Receita Federal.

Também pesou o possível conflito de interesses que Nery Geller, secretário de política agrícola do MAPA, poderia ter no processo, uma vez que um de seus filhos e um ex-assessor são sócios de uma das corretoras que participaram do leilão. Geller acabou demitido após informar Fávaro sobre essas questões e ter colocado o cargo à disposição.

Por Marcelo Sá – jornalista/editor e produtor literário (MTb 13.9290)
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp